Maria Luisa Mendonça*
(Artigo publicado na Revista Caros Amigos)
http://www.mst.org.br/node/9709
O monopólio da terra segue como tema central diante do avanço do capital sobre recursos estratégicos em todo o mundo. Nesse contexto, a produção de agocombustíveis cumpre o papel de justificar este processo, a pretexto de servir como suposta alternativa para a crise climática. Porém, quando falamos sobre mudanças climáticas, estamos realmente nos referindo a mudanças no uso do solo, com a expansão dos monocultivos, da mineração, das grandes barragens, e outros projetos de controle de recursos energéticos, que estão na raiz da crise climática.
No Brasil, os velhos usineiros, agora travestidos de empresários “modernos”, em conseqüência da propaganda sobre as supostas vantagens do etanol, intensificam suas campanhas internacionais para vender o produto. Recentemente, ganharam um reforço especial, com o anúncio do governo sobre acordos trabalhistas e de zoneamento ambiental. Porém, um breve relato sobre as atuais tendências do setor é suficiente para mostrar que estas são apenas medidas de fachada.
As características que historicamente marcaram a oligarquia rural no Brasil permanecem inalteradas. Ou seja, o monopólio da terra, a exploração do trabalho e de recursos naturais estratégicos. A principal mudança tem sido a presença crescente do capital internacional na indústria dos agrocombustíveis. Há alguns anos verifica-se um aumento do ritmo de aquisições no setor sucro-alcooleiro, com um crescimento na participação de empresas estrangeiras e um aumento na concentração do poder econômico de determinados grupos.
A participação de empresas estrangeiras na indústria da cana no Brasil cresceu de 1% em 2000 para 20% em 2010. Existem cerca de 450 usinas no Brasil, controladas por 160 empresas nacionais e estrangeiras. De acordo com estudo do grupo KPMG Corporate Finance, de 2000 a setembro de 2009, ocorreram 99 fusões e aquisições de usinas no Brasil. Entre estas, 45 negociações aconteceram no período de 2007 a 2009, sendo que em 22 casos ocorreu a compra de uma usina nacional por um grupo estrangeiro.
Em outubro de 2009, a empresa francesa Louis Dreyfus Commodities anunciou a compra de cinco usinas da Santelisa Vale, de Ribeirão Preto (SP). A fusão criou o grupo LDC-SEV Bioenergia, tornando-se o segundo maior produtor mundial de açúcar e etanol. O grupo pretende produzir 40 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano e tem participação acionária das famílias Biaggi e Junqueira, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do banco Goldman Sachs.
Uma nova característica da indústria do etanol, se comparada ao Pró-Alcool da década de 1970, é a aliança entre setores do agronegócio com empresas petroleiras, automotivas, de biotecnologia, mineração, infra-estrutura e fundos de investimento. Neste cenário, não existe nenhuma contradição destes setores com a oligarquia latifundista, que se beneficia da expansão do capital no campo e do abandono de um projeto de reforma agrária.
Em 2009, a empresa petroleira britânica British Petroleum (BP) anunciou que irá produzir etanol no Brasil, com um investimento de US$ 6 bilhões de dólares nos próximos dez anos. A BP irá atuar através da Tropical Bioenergia, em associação com o Grupo Maeda e a Santelisa Vale, em Goiás, que contam com uma área de 60 mil hectares para a produção de cana no estado.
Em julho de 2009, a Syngenta divulgou a aquisição de terras para produzir mudas de cana-de-açúcar na região de Itápolis (SP). O projeto inclui a produção de mudas transgênicas e pretende se expandir para outros estados, como Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul.
No início de 2010, ocorreram novas fusões. Em janeiro, a multinacional agrícola Bunge anunciou a compra de quatro usinas do Grupo Moema, incluindo a usina Itapagipe que tinha participação acionária de 43,75% da empresa norte-americana Cargill. Com a negociação, a Bunge passará a controlar 89% da produção de cana do Grupo Moema, estimada em 15,4 milhões de toneladas por ano.
Em fevereiro, foi anunciada a fusão da ETH Bioenergia, do grupo Odebrecht, com a Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), que pretende se tornar a maior empresa de etanol no Brasil, com capacidade para produzir três bilhões de litros por ano. Alguns dos acionistas da Brenco são Vinod Khosla (fundador da Sun Microsystems), James Wolfensohn (ex-presidente do Banco Mundial), Henri Philippe Reichstul (ex-presidente da Petrobrás), além da participação do BNDES. Já a Odebrecht tem sociedade com a empresa japonesa Sojitz. O novo grupo irá controlar cinco usinas: Alcídia (SP), Conquista do Pontal (SP), Rio Claro (GO), Eldorado (MS) e Santa Luzia (MS).
O conglomerado ainda participa da construção de um alcoolduto entre o Alto Taquari e o porto de Santos, e pretende instalar usinas na África. A empresa pretende captar R$ 3,5 bilhões até 2012, dos quais pelo menos 20% virão do BNDES, além de outros R$ 2 bilhões que o banco já investiu anteriormente na Brenco.
Nesta mesma linha, em fevereiro de 2010, a gigante petroleira holandesa Shell anunciou uma associação com a Cosan para a produção e distribuição de etanol, com o objetivo de produzir 4 bilhões de litros até 2014. Ao divulgar a operação, a nota da Shell afirmava que pretende criar “um rio de etanol, correndo desde as plantações no Brasil até a América do Norte e a Europa”. Apesar da repercussão internacional da prática de trabalho escravo na Cosan, a empresa segue como líder no setor.
Seguindo esta tendência, a Vale anunciou que pretende produzir diesel a partir do óleo de palma na região amazônica a partir de 2014, através de uma parceria com a empresa Biopalma da Amazônia S.A. A intenção é produzir 500 mil toneladas de óleo de palma por ano. Parte do combustível será utilizada nas locomotivas da estrada de ferro e nas minas de Carajás, no Pará.
A expansão do monocultivo de cana-de-açúcar
Em relação ao avanço territorial do monocultivo de cana, dados da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, em 2006, eram 4,5 milhões de hectares e, em 2008, chegaram a 8,5 milhões de hectares. Na a safra de 2009 houve um aumento de 7,1% em relação a 2008. Esta expansão é estimulada por recursos públicos. Entre 2008 e 2009, estima-se que o setor sucroalcooleiro tenha recebi do mais de R$ 12 bilhões do BNDES. Esta verba é extraída, em grande medida, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Segundo a CONAB, 45,08% da safra foi destinada à produção de açúcar e 54,9% à produção de etanol, que resultou em 25,87 bilhões de litros do produto. A expansão da área plantada foi de 6,7%, ou cerca de 473 mil hectares. A maior expansão ocorreu na região do Cerrado, principalmente em Mato Grosso do Sul (38,80%) e Goiás (50,10%).
Dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás, indicam que o ritmo atual de desmatamento do Cerrado poderá elevar de 39% para 47% o percentual devastado do bioma até 2050. A pesquisa demonstra ainda que a destruição do Cerrado coloca em risco a disponibilidade de recursos hídricos para o Pantanal e a Amazônia, pois estes biomas estão interligados.
Trabalho escravo
As usinas de cana se tornaram campeãs em trabalho escravo nos últimos anos. De acordo com dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no campo brasileiro, 3.060, ou 51%, foram encontrados no monocultivo da cana de açúcar. Em 2008, dos 5.266 resgatados, 2.553, ou 48% dos trabalhadores mantidos escravos no país estavam em plantações de cana. De janeiro a junho de 2009, este número era de 951 trabalhadores, que representavam 52% do total. Ao final de 2009, o Ministério do Trabalho registrou a libertação de 1.911 trabalhadores nas usinas de cana nos estados de Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Em 2009, o Ministério do Trabalho inclui grandes usinas na chamada "lista suja" do trabalho escravo. Uma delas foi a Brenco, que tem participação acionária de 20% do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Entre 2008 e 2009, o BNDES liberou R$ 1 bilhão para usinas da Brenco em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo, o Grupo Móvel expediu 107 autos de infração contra a empresa, que é presidida pelo ex-presidente da Petrobras Henri Philippe Reichstul. Apesar da prática de trabalho escravo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anunciou a continuidade do financiamento para a Brenco.
Em 31 de dezembro de 2009, foi a vez do grupo Cosan -- a maior empresa do setor sucroalcooleiro do país, com produção anual de 60 milhões de toneladas de cana. Apesar da prática de trabalho escravo, a Cosan recebeu R$ 635,7 milhões do BNDES em junho de 2009, para a construção de uma usina de etanol em Goiás. O BNDES manteve o financiamento para a Cosan, mesmo após a evidência de trabalho escravo. A Cosan possui 23 usinas, controla os postos da Exxon (Esso do Brasil) e teve um faturamento de R$ 14 bilhões de reais em 2008.
Em outubro de 2009, o Grupo Móvel libertou 55 trabalhadores escravizados na Destilaria Araguaia (chamada anteriormente de Gameleira), no Mato Grosso. Segundo o auditor fiscal Leandro de Andrade Carvalho, que coordenou a operação, os trabalhadores estavam sem receber salário há três meses. Esta foi a terceira libertação realizada em oito anos na mesma usina! A Destilaria Araguaia pertence ao Grupo Eduardo Queiroz Monteiro (EQM) – um grande conglomerado econômico com sede em Pernambuco. O grupo controla outras usinas em Pernambuco, Tocantins e Maranhão, além de participar como acionista em veículos de comunicação como o jornal Folha de Pernambuco, a Rádio Folha de Pernambuco, Folha Digital de Pernambuco e Agência Nordeste.
Em junho de 2009, fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público detectaram irregularidades em usinas fiscalizadas na região de Ribeirão Preto, em São Paulo, entre elas a Bazan, Andrade, Central Energética Moreno Açúcar e Álcool, e Nardini Agroindustrial. As usinas não forneciam equipamento adequado (como luvas, sapatos e caneleiras) e foram constatadas irregularidades no pagamento da jornada de trabalho. Os trabalhadores declararam que cortam cerca de 20 toneladas de cana por dia. Os fiscais também registraram condições precárias de moradia, como superlotação, locais com risco de incêndio e falta de condições de higiene.
Ainda em 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) conseguiu uma liminar que obriga a usina São Martinho, em Limeira (SP), a corrigir irregularidades trabalhistas. Durante fiscalizações nas safras de 2007 e 2008, o MPT constatou a falta de equipamentos de proteção, de segurança no trabalho, de cuidados médicos, de condições de higiene e de alimentação adequadas. A ação judicial inclui ainda a condenação da empresa ao pagamento de R$2 milhões aos trabalhadores por dano moral.
Desemprego e trabalho degradante
A expansão de monocultivos para a produção de agroenergia gera desemprego, pois causa a expulsão de camponeses de suas terras, impede que outros setores econômicos se desenvolvam e gera dependência dos trabalhadores a empregos precários e temporários.
José Alves é cortador de cana no interior de São Paulo e explica, “Esse serviço é muito ruim, a gente só vem porque precisa mesmo. Eu vim de Minas e lá não tem outro serviço. Mas a gente nunca sabe quanto vai receber, porque tem muito desconto do salário. Eu recebo uma média de $700 por mês, mas tudo é caro -- aluguel, alimentação, e não sobra nada. A gente sabe que a usina rouba no pagamento, mas temos que ficar calados."
A expansão e a crescente mecanização do setor canavieiro têm gerado maior exploração da força de trabalho. A maioria dos trabalhadores não tem controle da pesagem de sua produção diária. “A gente nunca sabe quanto vai ganhar e o pagamento vem com muitos descontos. A usina rouba no peso ou na qualidade da cana cortada. Por exemplo, uma cana que vale $5 reais a tonelada, eles pagam só $3 reais. É assim que a usina engana os trabalhadores”, denuncia D.S., cortador de cana em Engenheiro Coelho, SP.[1]
Outro trabalhador da região, Jacir Pereira, confirma a denúncia: “A gente ganha pouco e o salário não confere com o que a gente corta, nem com o acordo coletivo. O acordo diz que o preço da tonelada é $5,85, mas a usina paga só $3,87. Eu tenho que cortar 18 toneladas de cana por dia, trabalhando de segunda a sábado. Só de aluguel eu pago $700,00 e não sobra quase nada”.
As mulheres, apesar de discriminadas pelas usinas, também se arriscam no trabalho pesado, como conta a trabalhadora Odete Mendes, “Eu corto dez toneladas de cana por dia e ganho $190 reais por semana. Só de aluguel, eu gasto $270 por mês. Eu vim do Paraná, mas não quero ficar mais aqui. A gente vive num quarto muito pequeno, tem que dormir no chão. Eu já quebrei o braço e nem agüento mais pegar no facão. Sinto falta de ar, às vezes parece que vou morrer”.
Os movimentos repetitivos no corte da cana causam tendinites e problemas de coluna, descolamento de articulações e câimbras, provocadas por perda excessiva de potássio. Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, conta que “Quando começa a safra, você vai na roça e vê o pessoal todo com o pulso enfaixado, porque abre o pulso e eles não conseguem movimentar a mão, não agüentam a dor. O pessoal tem muita tosse, muita dor de cabeça, muita câimbra”.
Os ferimentos e mutilações causados por cortes de facão são freqüentes. Porém, raramente as empresas reconhecem estes casos como acidentes de trabalho. Muitos trabalhadores doentes ou mutilados, apesar de impedidos de trabalhar, não conseguem aposentadoria por invalidez. “Já quebrei o braço duas vezes. Quando alguém passa mal durante o trabalho, não recebe atendimento. Outro dia um companheiro feriu o olho e a enfermeira da usina não quis atender. Querem o nosso serviço, mas não temos assistência médica quando alguém se machuca”, diz J.S., trabalhador da usina Ester em São Paulo.
Como forma de evitar que os trabalhadores morram de exaustão, as usinas passaram a distribuir estimulantes com sais minerais, após a divulgação de dezenas de casos de morte nos canaviais. “Um dos trabalhadores que cortava mais cana na usina Ester era o Luquinha, conhecido como “podão de ouro”. Em pouco tempo, ele ficou doente, sentia dores em todo o corpo, não conseguia comer nem andar. Morreu aos 34 anos. O sistema do pagamento por produção é que causa a morte dos trabalhadores”, explica Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, SP.
“É comum ouvir tosse e gritos nos canaviais. Temos que inalar os agrotóxicos e a cinza da cana queimada o dia todo. Uma vez eu caí no monte de cana e senti um gosto de sangue na boca. Percebi que o corte da cana estava me matando”, completa Carlita.
Migração
Em São Paulo (maior produtor do País), a maioria dos trabalhadores no corte da cana é formada por migrantes. O desemprego causado pelo modelo agrícola baseado no monocultivo e no latifúndio aumenta o contingente de trabalhadores que se submetem a trabalhar em lugares distantes de sua origem, em condições degradantes. Estes trabalhadores são aliciados por “gatos” ou “turmeiros”, que realizam o transporte e fazem a intermediação das contratações com as usinas.
A história do trabalhador E. S. ilustra a situação dos migrantes, “Tenho 27 anos e vim da Paraíba, porque lá não tem trabalho. Tem muito nordestino aqui. A gente ganha uns $20 reais por dia, mas o custo de vida é muito alto. A usina baixa o preço da cana e não temos controle”.
Ana Célia tem uma história parecida, “Tenho 24 anos e vim de Pernambuco. A usina rouba no peso da cana. A gente corta 60 quilos e recebemos somente por 50 quilos. Tenho problema na coluna, sinto dor no corpo todo. Já emagreci nove quilos nessa safra. Meu marido cortava cana, mas foi afastado porque ficou doente. Quero ir embora”.
A trabalhadora Edite Rodrigues resume a situação no corte da cana. “Tenho 31 anos e vim de Minas Gerais. Tenho três filhos e preciso trabalhar, mas a gente não vê a hora de ir embora. Quando termina o dia, o corpo está todo quebrado, sinto câimbra e ânsia de vômito. Mas no outro dia, começa tudo de novo. A cinza da cana ataca o pulmão e não sara nunca. A terra fica seca com o sol quente e vem aquele pó. Às vezes só ganho $50 reais por semana porque a usina engana a gente.”
Carlita da Costa conclui que “Vai continuar morrendo gente, o roubo vai continuar até o dia que acabar o trabalho por produção. Esse método de pagamento mata os trabalhadores”.
Luta camponesa
Apesar de ocupar apenas um quarto da área, o Censo mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) constatou que a agricultura camponesa responde por 38% do valor da produção (ou R$ 54,4 bilhões). Em relação à geração de empregos, de cada dez trabalhadores no campo, sete estão na agricultura camponesa, que emprega 15,3 pessoas por 100 hectares. No caso da agricultura extensiva, em cada 100 hectares são gerados apenas dois empregos.
Segundo análise de Frei Sergio Gorgen, dirigente do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), “no Plano Safra 2009/2010 foram destinados R$ 93 bilhões para o agronegócio e R$15 bilhões para a agricultura camponesa, sendo que 1 hectare da agricultura camponesa teve, em média, uma renda de R$ 677,00, enquanto que 1 hectare do agronegócio teve, em média, uma renda de apenas R$ 368,00. Daquilo que vai para a mesa dos brasileiros, 70% é produzido pelos pequenos agricultores”.
Além de receber subsídios de forma desproporcional, o latifúndio se beneficia com outras formas de privilégio, como a Medida Provisória que legaliza a grilagem de terras na Amazônia, a “flexibilização” da legislação ambiental e trabalhista, a continuidade da prática de trabalho escravo, entre outras. O monopólio da terra impede que outros setores econômicos se desenvolvam, gerando desemprego, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes. Este cenário significa que a resistência dos camponeses é estratégica, já que se encontram no centro da disputa por recursos estratégicos, com o avanço do capital no meio rural.
O modelo dos capitalistas é uma aliança entre grandes proprietários de terras, empresas transnacionais e sistema financeiro. As empresas fornecem insumos, compram os produtos, controlam o mercado e fixam preços dos produtos agrícolas.
Os grandes proprietários (cerca de apenas 40 mil, que possuem mais de mil hectares) entram com a terra, destruindo a biodiversidade e superexplorando os trabalhadores, para repartir a taxa de lucro da agricultura das empresas.
Esse modelo foi autodenominado de agronegócio. Adota a monocultura, para ampliar a escala de produção, com o uso intensivo de venenos e maquinaria pesada.
Essa matriz tecnológica provoca um desequilíbrio climático e ambiental para obter lucros e fazer negócios a quaisquer custos.
O próprio sindicato das empresas de defensivos agrícolas anunciou exultante que, na safra passada, utilizou 1 bilhão de litros de agrotóxicos (cinco litros por habitante). Somos o maior consumidor mundial de venenos.
Isso degrada o solo, afeta o lençol freático, contamina até as chuvas, além dos alimentos.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Instituto Nacional do Câncer têm alertado que o aumento de câncer está ligado ao crescente uso de agrotóxicos.
Os ricos e a classe média alta compram produtos orgânicos, mais caros. No entanto, o povo está à mercê dos produtos contaminados.
O agronegócio ainda aumenta a concentração da terra e da produção, pela necessidade de ganhar escala no plantio. O Censo de 2006 aponta que a concentração da terra é maior do que na década de 1920.
Estamos fazendo o caminho inverso ao da reforma agrária. Cerca de 80% das nossas melhores terras são usadas para produzir para exportação três produtos: soja, milho e cana. Além disso, o agronegócio é cada vez mais dependente do financiamento público.
Para produzir um valor anual de R$ 120 bilhões, esse modelo retira crédito nos bancos públicos (da poupança recolhida nos depósitos à vista), ao redor de R$ 90 bilhões.
Ou seja, é a população brasileira que financia o agronegócio, ao contrário da propaganda mentirosa que só exalta seus "benefícios".
* Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
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[1] Estas entrevistas foram realizadas em setembro de 2009. Alguns nomes de trabalhadores foram substituídos por suas iniciais, para evitar retaliação por parte das usinas. A autora agradece o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, ao Movimento Sem Terra e a Comissão Pastoral da Terra pelo apoio a pesquisa.
(Artigo publicado na Revista Caros Amigos)
http://www.mst.org.br/node/9709
O monopólio da terra segue como tema central diante do avanço do capital sobre recursos estratégicos em todo o mundo. Nesse contexto, a produção de agocombustíveis cumpre o papel de justificar este processo, a pretexto de servir como suposta alternativa para a crise climática. Porém, quando falamos sobre mudanças climáticas, estamos realmente nos referindo a mudanças no uso do solo, com a expansão dos monocultivos, da mineração, das grandes barragens, e outros projetos de controle de recursos energéticos, que estão na raiz da crise climática.
No Brasil, os velhos usineiros, agora travestidos de empresários “modernos”, em conseqüência da propaganda sobre as supostas vantagens do etanol, intensificam suas campanhas internacionais para vender o produto. Recentemente, ganharam um reforço especial, com o anúncio do governo sobre acordos trabalhistas e de zoneamento ambiental. Porém, um breve relato sobre as atuais tendências do setor é suficiente para mostrar que estas são apenas medidas de fachada.
As características que historicamente marcaram a oligarquia rural no Brasil permanecem inalteradas. Ou seja, o monopólio da terra, a exploração do trabalho e de recursos naturais estratégicos. A principal mudança tem sido a presença crescente do capital internacional na indústria dos agrocombustíveis. Há alguns anos verifica-se um aumento do ritmo de aquisições no setor sucro-alcooleiro, com um crescimento na participação de empresas estrangeiras e um aumento na concentração do poder econômico de determinados grupos.
A participação de empresas estrangeiras na indústria da cana no Brasil cresceu de 1% em 2000 para 20% em 2010. Existem cerca de 450 usinas no Brasil, controladas por 160 empresas nacionais e estrangeiras. De acordo com estudo do grupo KPMG Corporate Finance, de 2000 a setembro de 2009, ocorreram 99 fusões e aquisições de usinas no Brasil. Entre estas, 45 negociações aconteceram no período de 2007 a 2009, sendo que em 22 casos ocorreu a compra de uma usina nacional por um grupo estrangeiro.
Em outubro de 2009, a empresa francesa Louis Dreyfus Commodities anunciou a compra de cinco usinas da Santelisa Vale, de Ribeirão Preto (SP). A fusão criou o grupo LDC-SEV Bioenergia, tornando-se o segundo maior produtor mundial de açúcar e etanol. O grupo pretende produzir 40 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano e tem participação acionária das famílias Biaggi e Junqueira, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do banco Goldman Sachs.
Uma nova característica da indústria do etanol, se comparada ao Pró-Alcool da década de 1970, é a aliança entre setores do agronegócio com empresas petroleiras, automotivas, de biotecnologia, mineração, infra-estrutura e fundos de investimento. Neste cenário, não existe nenhuma contradição destes setores com a oligarquia latifundista, que se beneficia da expansão do capital no campo e do abandono de um projeto de reforma agrária.
Em 2009, a empresa petroleira britânica British Petroleum (BP) anunciou que irá produzir etanol no Brasil, com um investimento de US$ 6 bilhões de dólares nos próximos dez anos. A BP irá atuar através da Tropical Bioenergia, em associação com o Grupo Maeda e a Santelisa Vale, em Goiás, que contam com uma área de 60 mil hectares para a produção de cana no estado.
Em julho de 2009, a Syngenta divulgou a aquisição de terras para produzir mudas de cana-de-açúcar na região de Itápolis (SP). O projeto inclui a produção de mudas transgênicas e pretende se expandir para outros estados, como Goiás, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul.
No início de 2010, ocorreram novas fusões. Em janeiro, a multinacional agrícola Bunge anunciou a compra de quatro usinas do Grupo Moema, incluindo a usina Itapagipe que tinha participação acionária de 43,75% da empresa norte-americana Cargill. Com a negociação, a Bunge passará a controlar 89% da produção de cana do Grupo Moema, estimada em 15,4 milhões de toneladas por ano.
Em fevereiro, foi anunciada a fusão da ETH Bioenergia, do grupo Odebrecht, com a Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), que pretende se tornar a maior empresa de etanol no Brasil, com capacidade para produzir três bilhões de litros por ano. Alguns dos acionistas da Brenco são Vinod Khosla (fundador da Sun Microsystems), James Wolfensohn (ex-presidente do Banco Mundial), Henri Philippe Reichstul (ex-presidente da Petrobrás), além da participação do BNDES. Já a Odebrecht tem sociedade com a empresa japonesa Sojitz. O novo grupo irá controlar cinco usinas: Alcídia (SP), Conquista do Pontal (SP), Rio Claro (GO), Eldorado (MS) e Santa Luzia (MS).
O conglomerado ainda participa da construção de um alcoolduto entre o Alto Taquari e o porto de Santos, e pretende instalar usinas na África. A empresa pretende captar R$ 3,5 bilhões até 2012, dos quais pelo menos 20% virão do BNDES, além de outros R$ 2 bilhões que o banco já investiu anteriormente na Brenco.
Nesta mesma linha, em fevereiro de 2010, a gigante petroleira holandesa Shell anunciou uma associação com a Cosan para a produção e distribuição de etanol, com o objetivo de produzir 4 bilhões de litros até 2014. Ao divulgar a operação, a nota da Shell afirmava que pretende criar “um rio de etanol, correndo desde as plantações no Brasil até a América do Norte e a Europa”. Apesar da repercussão internacional da prática de trabalho escravo na Cosan, a empresa segue como líder no setor.
Seguindo esta tendência, a Vale anunciou que pretende produzir diesel a partir do óleo de palma na região amazônica a partir de 2014, através de uma parceria com a empresa Biopalma da Amazônia S.A. A intenção é produzir 500 mil toneladas de óleo de palma por ano. Parte do combustível será utilizada nas locomotivas da estrada de ferro e nas minas de Carajás, no Pará.
A expansão do monocultivo de cana-de-açúcar
Em relação ao avanço territorial do monocultivo de cana, dados da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) mostram que, em 2006, eram 4,5 milhões de hectares e, em 2008, chegaram a 8,5 milhões de hectares. Na a safra de 2009 houve um aumento de 7,1% em relação a 2008. Esta expansão é estimulada por recursos públicos. Entre 2008 e 2009, estima-se que o setor sucroalcooleiro tenha recebi do mais de R$ 12 bilhões do BNDES. Esta verba é extraída, em grande medida, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Segundo a CONAB, 45,08% da safra foi destinada à produção de açúcar e 54,9% à produção de etanol, que resultou em 25,87 bilhões de litros do produto. A expansão da área plantada foi de 6,7%, ou cerca de 473 mil hectares. A maior expansão ocorreu na região do Cerrado, principalmente em Mato Grosso do Sul (38,80%) e Goiás (50,10%).
Dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás, indicam que o ritmo atual de desmatamento do Cerrado poderá elevar de 39% para 47% o percentual devastado do bioma até 2050. A pesquisa demonstra ainda que a destruição do Cerrado coloca em risco a disponibilidade de recursos hídricos para o Pantanal e a Amazônia, pois estes biomas estão interligados.
Trabalho escravo
As usinas de cana se tornaram campeãs em trabalho escravo nos últimos anos. De acordo com dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2007, dos 5.974 trabalhadores resgatados da escravidão no campo brasileiro, 3.060, ou 51%, foram encontrados no monocultivo da cana de açúcar. Em 2008, dos 5.266 resgatados, 2.553, ou 48% dos trabalhadores mantidos escravos no país estavam em plantações de cana. De janeiro a junho de 2009, este número era de 951 trabalhadores, que representavam 52% do total. Ao final de 2009, o Ministério do Trabalho registrou a libertação de 1.911 trabalhadores nas usinas de cana nos estados de Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Em 2009, o Ministério do Trabalho inclui grandes usinas na chamada "lista suja" do trabalho escravo. Uma delas foi a Brenco, que tem participação acionária de 20% do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Entre 2008 e 2009, o BNDES liberou R$ 1 bilhão para usinas da Brenco em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo, o Grupo Móvel expediu 107 autos de infração contra a empresa, que é presidida pelo ex-presidente da Petrobras Henri Philippe Reichstul. Apesar da prática de trabalho escravo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anunciou a continuidade do financiamento para a Brenco.
Em 31 de dezembro de 2009, foi a vez do grupo Cosan -- a maior empresa do setor sucroalcooleiro do país, com produção anual de 60 milhões de toneladas de cana. Apesar da prática de trabalho escravo, a Cosan recebeu R$ 635,7 milhões do BNDES em junho de 2009, para a construção de uma usina de etanol em Goiás. O BNDES manteve o financiamento para a Cosan, mesmo após a evidência de trabalho escravo. A Cosan possui 23 usinas, controla os postos da Exxon (Esso do Brasil) e teve um faturamento de R$ 14 bilhões de reais em 2008.
Em outubro de 2009, o Grupo Móvel libertou 55 trabalhadores escravizados na Destilaria Araguaia (chamada anteriormente de Gameleira), no Mato Grosso. Segundo o auditor fiscal Leandro de Andrade Carvalho, que coordenou a operação, os trabalhadores estavam sem receber salário há três meses. Esta foi a terceira libertação realizada em oito anos na mesma usina! A Destilaria Araguaia pertence ao Grupo Eduardo Queiroz Monteiro (EQM) – um grande conglomerado econômico com sede em Pernambuco. O grupo controla outras usinas em Pernambuco, Tocantins e Maranhão, além de participar como acionista em veículos de comunicação como o jornal Folha de Pernambuco, a Rádio Folha de Pernambuco, Folha Digital de Pernambuco e Agência Nordeste.
Em junho de 2009, fiscais do Ministério do Trabalho e do Ministério Público detectaram irregularidades em usinas fiscalizadas na região de Ribeirão Preto, em São Paulo, entre elas a Bazan, Andrade, Central Energética Moreno Açúcar e Álcool, e Nardini Agroindustrial. As usinas não forneciam equipamento adequado (como luvas, sapatos e caneleiras) e foram constatadas irregularidades no pagamento da jornada de trabalho. Os trabalhadores declararam que cortam cerca de 20 toneladas de cana por dia. Os fiscais também registraram condições precárias de moradia, como superlotação, locais com risco de incêndio e falta de condições de higiene.
Ainda em 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) conseguiu uma liminar que obriga a usina São Martinho, em Limeira (SP), a corrigir irregularidades trabalhistas. Durante fiscalizações nas safras de 2007 e 2008, o MPT constatou a falta de equipamentos de proteção, de segurança no trabalho, de cuidados médicos, de condições de higiene e de alimentação adequadas. A ação judicial inclui ainda a condenação da empresa ao pagamento de R$2 milhões aos trabalhadores por dano moral.
Desemprego e trabalho degradante
A expansão de monocultivos para a produção de agroenergia gera desemprego, pois causa a expulsão de camponeses de suas terras, impede que outros setores econômicos se desenvolvam e gera dependência dos trabalhadores a empregos precários e temporários.
José Alves é cortador de cana no interior de São Paulo e explica, “Esse serviço é muito ruim, a gente só vem porque precisa mesmo. Eu vim de Minas e lá não tem outro serviço. Mas a gente nunca sabe quanto vai receber, porque tem muito desconto do salário. Eu recebo uma média de $700 por mês, mas tudo é caro -- aluguel, alimentação, e não sobra nada. A gente sabe que a usina rouba no pagamento, mas temos que ficar calados."
A expansão e a crescente mecanização do setor canavieiro têm gerado maior exploração da força de trabalho. A maioria dos trabalhadores não tem controle da pesagem de sua produção diária. “A gente nunca sabe quanto vai ganhar e o pagamento vem com muitos descontos. A usina rouba no peso ou na qualidade da cana cortada. Por exemplo, uma cana que vale $5 reais a tonelada, eles pagam só $3 reais. É assim que a usina engana os trabalhadores”, denuncia D.S., cortador de cana em Engenheiro Coelho, SP.[1]
Outro trabalhador da região, Jacir Pereira, confirma a denúncia: “A gente ganha pouco e o salário não confere com o que a gente corta, nem com o acordo coletivo. O acordo diz que o preço da tonelada é $5,85, mas a usina paga só $3,87. Eu tenho que cortar 18 toneladas de cana por dia, trabalhando de segunda a sábado. Só de aluguel eu pago $700,00 e não sobra quase nada”.
As mulheres, apesar de discriminadas pelas usinas, também se arriscam no trabalho pesado, como conta a trabalhadora Odete Mendes, “Eu corto dez toneladas de cana por dia e ganho $190 reais por semana. Só de aluguel, eu gasto $270 por mês. Eu vim do Paraná, mas não quero ficar mais aqui. A gente vive num quarto muito pequeno, tem que dormir no chão. Eu já quebrei o braço e nem agüento mais pegar no facão. Sinto falta de ar, às vezes parece que vou morrer”.
Os movimentos repetitivos no corte da cana causam tendinites e problemas de coluna, descolamento de articulações e câimbras, provocadas por perda excessiva de potássio. Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, conta que “Quando começa a safra, você vai na roça e vê o pessoal todo com o pulso enfaixado, porque abre o pulso e eles não conseguem movimentar a mão, não agüentam a dor. O pessoal tem muita tosse, muita dor de cabeça, muita câimbra”.
Os ferimentos e mutilações causados por cortes de facão são freqüentes. Porém, raramente as empresas reconhecem estes casos como acidentes de trabalho. Muitos trabalhadores doentes ou mutilados, apesar de impedidos de trabalhar, não conseguem aposentadoria por invalidez. “Já quebrei o braço duas vezes. Quando alguém passa mal durante o trabalho, não recebe atendimento. Outro dia um companheiro feriu o olho e a enfermeira da usina não quis atender. Querem o nosso serviço, mas não temos assistência médica quando alguém se machuca”, diz J.S., trabalhador da usina Ester em São Paulo.
Como forma de evitar que os trabalhadores morram de exaustão, as usinas passaram a distribuir estimulantes com sais minerais, após a divulgação de dezenas de casos de morte nos canaviais. “Um dos trabalhadores que cortava mais cana na usina Ester era o Luquinha, conhecido como “podão de ouro”. Em pouco tempo, ele ficou doente, sentia dores em todo o corpo, não conseguia comer nem andar. Morreu aos 34 anos. O sistema do pagamento por produção é que causa a morte dos trabalhadores”, explica Carlita da Costa, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, SP.
“É comum ouvir tosse e gritos nos canaviais. Temos que inalar os agrotóxicos e a cinza da cana queimada o dia todo. Uma vez eu caí no monte de cana e senti um gosto de sangue na boca. Percebi que o corte da cana estava me matando”, completa Carlita.
Migração
Em São Paulo (maior produtor do País), a maioria dos trabalhadores no corte da cana é formada por migrantes. O desemprego causado pelo modelo agrícola baseado no monocultivo e no latifúndio aumenta o contingente de trabalhadores que se submetem a trabalhar em lugares distantes de sua origem, em condições degradantes. Estes trabalhadores são aliciados por “gatos” ou “turmeiros”, que realizam o transporte e fazem a intermediação das contratações com as usinas.
A história do trabalhador E. S. ilustra a situação dos migrantes, “Tenho 27 anos e vim da Paraíba, porque lá não tem trabalho. Tem muito nordestino aqui. A gente ganha uns $20 reais por dia, mas o custo de vida é muito alto. A usina baixa o preço da cana e não temos controle”.
Ana Célia tem uma história parecida, “Tenho 24 anos e vim de Pernambuco. A usina rouba no peso da cana. A gente corta 60 quilos e recebemos somente por 50 quilos. Tenho problema na coluna, sinto dor no corpo todo. Já emagreci nove quilos nessa safra. Meu marido cortava cana, mas foi afastado porque ficou doente. Quero ir embora”.
A trabalhadora Edite Rodrigues resume a situação no corte da cana. “Tenho 31 anos e vim de Minas Gerais. Tenho três filhos e preciso trabalhar, mas a gente não vê a hora de ir embora. Quando termina o dia, o corpo está todo quebrado, sinto câimbra e ânsia de vômito. Mas no outro dia, começa tudo de novo. A cinza da cana ataca o pulmão e não sara nunca. A terra fica seca com o sol quente e vem aquele pó. Às vezes só ganho $50 reais por semana porque a usina engana a gente.”
Carlita da Costa conclui que “Vai continuar morrendo gente, o roubo vai continuar até o dia que acabar o trabalho por produção. Esse método de pagamento mata os trabalhadores”.
Luta camponesa
Apesar de ocupar apenas um quarto da área, o Censo mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) constatou que a agricultura camponesa responde por 38% do valor da produção (ou R$ 54,4 bilhões). Em relação à geração de empregos, de cada dez trabalhadores no campo, sete estão na agricultura camponesa, que emprega 15,3 pessoas por 100 hectares. No caso da agricultura extensiva, em cada 100 hectares são gerados apenas dois empregos.
Segundo análise de Frei Sergio Gorgen, dirigente do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), “no Plano Safra 2009/2010 foram destinados R$ 93 bilhões para o agronegócio e R$15 bilhões para a agricultura camponesa, sendo que 1 hectare da agricultura camponesa teve, em média, uma renda de R$ 677,00, enquanto que 1 hectare do agronegócio teve, em média, uma renda de apenas R$ 368,00. Daquilo que vai para a mesa dos brasileiros, 70% é produzido pelos pequenos agricultores”.
Além de receber subsídios de forma desproporcional, o latifúndio se beneficia com outras formas de privilégio, como a Medida Provisória que legaliza a grilagem de terras na Amazônia, a “flexibilização” da legislação ambiental e trabalhista, a continuidade da prática de trabalho escravo, entre outras. O monopólio da terra impede que outros setores econômicos se desenvolvam, gerando desemprego, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes. Este cenário significa que a resistência dos camponeses é estratégica, já que se encontram no centro da disputa por recursos estratégicos, com o avanço do capital no meio rural.
O modelo dos capitalistas é uma aliança entre grandes proprietários de terras, empresas transnacionais e sistema financeiro. As empresas fornecem insumos, compram os produtos, controlam o mercado e fixam preços dos produtos agrícolas.
Os grandes proprietários (cerca de apenas 40 mil, que possuem mais de mil hectares) entram com a terra, destruindo a biodiversidade e superexplorando os trabalhadores, para repartir a taxa de lucro da agricultura das empresas.
Esse modelo foi autodenominado de agronegócio. Adota a monocultura, para ampliar a escala de produção, com o uso intensivo de venenos e maquinaria pesada.
Essa matriz tecnológica provoca um desequilíbrio climático e ambiental para obter lucros e fazer negócios a quaisquer custos.
O próprio sindicato das empresas de defensivos agrícolas anunciou exultante que, na safra passada, utilizou 1 bilhão de litros de agrotóxicos (cinco litros por habitante). Somos o maior consumidor mundial de venenos.
Isso degrada o solo, afeta o lençol freático, contamina até as chuvas, além dos alimentos.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Instituto Nacional do Câncer têm alertado que o aumento de câncer está ligado ao crescente uso de agrotóxicos.
Os ricos e a classe média alta compram produtos orgânicos, mais caros. No entanto, o povo está à mercê dos produtos contaminados.
O agronegócio ainda aumenta a concentração da terra e da produção, pela necessidade de ganhar escala no plantio. O Censo de 2006 aponta que a concentração da terra é maior do que na década de 1920.
Estamos fazendo o caminho inverso ao da reforma agrária. Cerca de 80% das nossas melhores terras são usadas para produzir para exportação três produtos: soja, milho e cana. Além disso, o agronegócio é cada vez mais dependente do financiamento público.
Para produzir um valor anual de R$ 120 bilhões, esse modelo retira crédito nos bancos públicos (da poupança recolhida nos depósitos à vista), ao redor de R$ 90 bilhões.
Ou seja, é a população brasileira que financia o agronegócio, ao contrário da propaganda mentirosa que só exalta seus "benefícios".
* Maria Luisa Mendonça é jornalista e coordenadora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
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[1] Estas entrevistas foram realizadas em setembro de 2009. Alguns nomes de trabalhadores foram substituídos por suas iniciais, para evitar retaliação por parte das usinas. A autora agradece o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cosmópolis, ao Movimento Sem Terra e a Comissão Pastoral da Terra pelo apoio a pesquisa.
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