quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Superávit primário: descanse em paz

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/10/28/superavit-primario-descanse-em-paz-mansueto-almeida
Autor(es): Mansueto Almeida
Valor Econômico - 28/10/2010
 Aproveitou-se a capitalização da Petrobras para, mais uma vez, modificar o resultado do primário
Um dos conceitos mais importantes para indicar o esforço fiscal do governo brasileiro desde 1999 é o conceito de superávit primário. O superávit primário nada mais é do que o total da receita do governo menos os gastos não financeiros, o que exclui, portanto, o pagamento de juros. O tamanho do superávit primário sinalizaria o esforço que o governo faz para pagar sua dívida, o principal e os juros que incidem sobre o estoque da dívida.
Dado que não é o tamanho da dívida em si, mas sua relação com o PIB que importa para questão de solvência, o superávit primário é normalmente divulgado como proporção do PIB. Dependendo das variáveis como taxa de juros, estoque da dívida e crescimento do PIB, o governo fixa uma meta de superávit primário que seja compatível com a trajetória desejada da redução da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) ao longo do tempo.
Como o conceito de superávit primário tornou-se cada vez mais importante na economia brasileira, qualquer modificação na meta desse indicador é seguida de calorosas discussões. Assim, ao que parece, há uma grande transparência no cálculo dessa medida e na sua avaliação. Infelizmente, esse não é mais o caso. Há cerca de quatro anos se começou um lento e doloroso processo de "tortura no cálculo do superávit fiscal", que a meu ver culminou com a sua morte recente. Ele de fato ainda existe, mas é na verdade uma "espécie de zumbi" que ainda insiste em assombrar aqueles que detestam o termo "responsabilidade fiscal" ou a tão famosa frase dos livros de economia de que "não há almoço grátis". Os exemplos abaixo mostram os estágios que levaram à morte do superávit primário.
A primeira "estocada" no conceito de superávit primário veio com a permissão ainda na gestão do então ministro Antônio Palocci, em 2005, para que parcela do investimento público no Projeto Piloto de Investimentos (PPI) pudesse ser descontada da meta do primário. No seu início, o PPI representava apenas R$ 3,2 bilhões e, assim, descontar esse montante do primário foi um simples arranhão não muito sério. Mas essa regra foi substituída por outra muito mais audaciosa na gestão atual, que permite que R$ 32 bilhões do Programa de Aceleração Econômica (PAC) possam ser integralmente descontados do cálculo do superávit primário na nova Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO (ver art. 30 do substitutivo ao projeto de lei nº 4 de 2010).
Em 2008, houve uma segunda estocada no conceito do primário na proposta da LDO de 2009 que se repetiu nos anos seguintes. Pela nova regra, não apenas gastos do PAC, mas também os gastos autorizados no ano anterior e não executados (restos a pagar) poderiam ser abatidos integralmente do cálculo do superávit primário. Para se ter um ideia do que isso significa, de cerca de R$ 30 bilhões que o governo federal investiu até setembro deste ano (pelo conceito de GND-4), R$ 19 bilhões (63%) correspondem a restos a pagar do ano passado. Assim, essa medida permite que dezenas de bilhões de reais adicionais, além dos gastos do PAC no ano, possam ser descontados do cálculo do primário.
Em 2009, apesar de machucado, o conceito de superávit primário ainda era forte o suficiente para atrair a atenção indesejada dos analistas econômicos e financeiros. Assim, optou-se pelo uso de um novo artifício para o seu enfraquecimento. O Tesouro Nacional passou a emprestar recursos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que, em seguida, comprava créditos que o Tesouro Nacional tinha a receber de estatais, aumentando, assim, a receita e o resultado primário. Essas operações foram feitas com a Eletrobrás e alcançaram R$ 3,5 bilhões, em 2009, e mais R$ 1,4 bilhão em setembro deste ano. Essas operações podem voltar a se repetir com a mesma ou qualquer outra estatal.
Mas a meta de superávit primário continuava a atrair discussões inconvenientes como a necessidade de controle dos gastos correntes para aumentar o investimento público, sem recorrer a aumentos sucessivos de carga tributária. Assim, surgiu a capitalização da Petrobras, uma empresa entre as maiores e mais inovadoras do mundo que, apesar do seu sucesso já comprovado, precisa de uma relação paternalista e tutorial com o seu acionista majoritário, a União, e com o BNDES. Assim, aproveitou-se a capitalização da Petrobras para, mais uma vez, "modificar o resultado do primário", só que desta vez no valor de R$ 31,9 bilhões.
A operação original autorizada e discutida no Congresso Nacional era que o Tesouro Nacional faria cessão onerosa equivalente em até 5 bilhões de barris de petróleo que, ao preço fixado em setembro, seria equivalente a R$ 74,8 bilhões. Essa operação significa que a União venderia o seu direito futuro de 5 bilhões de barris de petróleo para a Petrobras em troca de uma participação maior na empresa. Na prática, o que aconteceu foi que o Tesouro Nacional vendeu a cessão onerosa de exploração de petróleo para Petrobras, BNDES e Fundo Soberano, conseguindo uma receita de R$ 74,8 bilhões, e capitalizou a Petrobras em R$ 42,9 bilhões, ficando com um saldo de R$ 31,9 bilhões que se transformou em "superávit primário".
Esse "saldo" poderá ser utilizado para qualquer coisa. Ou seja, esse novo "superávit primário" pode tanto ajudar o alcance da meta de 3,30% do PIB deste ano e, portanto, cobrir gastos que já foram efetuados, ou um eventual excesso em relação à meta atual pode ser carregado para o próximo ano para que seja abatido integralmente da meta do primário de 2011, como permitido pelo Art. 3º da LDO. O superávit primário morreu e talvez fosse melhor passarmos a ter metas para a poupança pública, que é um conceito que exclui os gastos de investimento. Mas se você ainda acredita na relevância do conceito de superávit primário depois deste artigo, por favor, poderia me enviar o endereço do Papai Noel?
Mansueto Almeida é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).


Gás no BNDES eleva o endividamento

Autor(es): Agencia o Globo/Martha Beck
O Globo - 28/10/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/10/28/gas-no-bndes-eleva-o-endividamento

Reforço de R$ 200 bi contribui para dívida bruta atingir 73% do PIB

As operações de capitalização do BNDES em 2010 serão as principais responsáveis pelo aumento da dívida bruta brasileira, que fechará o ano em quase 73% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), depois de encerrar 2009 em 71,8%. A piora do indicador, no entanto, não é motivo de preocupação, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Embora analistas afirmem que o aumento do endividamento bruto é perigoso, pois pode ser olhado como um sinal de risco a longo prazo, para o ministro o mais importante é ver a qualidade da dívida.

A dívida bruta é aquela que registra todos os débitos da União, sem descontar o que ela tem de crédito a receber.

Já a dívida líquida — indicador cuja queda é o objetivo da política de superávits primários (economia para pagamento de juros da dívida) — faz esse encontro de contas. O endividamento bruto aponta a situação futura das contas públicas.

Desde janeiro de 2009, o BNDES recebeu do Tesouro Nacional um reforço de quase R$ 200 bilhões — incluindo os cerca de R$ 25 bilhões na recente triangulação da capitalização da Petrobras. Metade das operações ocorreu este ano.

Os empréstimos ao BNDES não entram na dívida líquida, pois o banco de fomento pagará ao Tesouro no futuro. Mas são registrados no endividamento bruto. Não bastasse isso, as capitalizações têm custo, pois a União levanta dinheiro emitindo títulos a alto custo (Taxa Selic, hoje a 10,75% ao ano) — mas receberá de volta uma remuneração bem mais baixa (TJLP, a 6% anuais). O diferencial engorda a dívida.

— Para combater os efeitos da crise, muitos países aumentaram seu endividamento bruto jogando dinheiro a fundo perdido para salvar bancos.

Já o Brasil aplicou recursos no BNDES para que este pudesse emprestar mais e estimular a economia. Isso tem muito mais qualidade — afirmou o ministro.

Para analista, investidores podem ser desestimulados De acordo com Mantega, a tendência é que esse endividamento volte a cair nos próximos anos, pois o governo já não precisa fazer medidas de reativação da atividade.

Mas para o diretor da consultoria NGO Câmbio, Sidnei Nehme, os investidores de longo prazo podem acabar ficando preocupados com o quadro fiscal de longo prazo caso a dívida bruta suba.

— Embora a dívida líquida fique estável (com operações como a capitalização do BNDES), os investidores sempre ficam atentos e podem ficar desanimados de trazer dinheiro para um país com um endividamento tão elevado — afirmou Nehme.

O Brasil está entre os países emergentes com dívida bruta mais elevada. Um ranking do Fundo Monetário Internacional (FMI) com 27 economias mostra que o país só perde para Hungria e Índia nesse indicador. Enquanto a dívida total do setor público brasileiro atingirá 67,2% do PIB em 2010, segundo projeções do FMI (que tem uma metodologia de cálculo diferente), a húngara chegará a 78,9% e a indiana, a 79%. Já no Chile, ela será de 4,4% do PIB e na China, de 20%

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