quinta-feira, 31 de março de 2011

BC aperta o crédito, mas consumo cresce

Autor(es): Victor Martins
Correio Braziliense - 30/03/2011
 

Embora os juros tenham atingido 43,8%, o maior nível desde agosto de 2009, operações chegam a R$ 69,7 bilhões, com alta de 3,7%.
 
Apesar dos esforços do Banco Central (BC) para pôr um freio no consumo, o brasileiro não se intimidou frente à piora das condições de crédito. Mesmo com os juros nas operações para pessoas físicas tendo alcançado 43,8% ao ano, o maior nível desde agosto de 2009, em fevereiro as famílias pegaram R$ 69,7 bilhões emprestados para saciar seus anseios por mercadorias e serviços, um volume 3,7% superior ao de janeiro. Nem o aperto na taxa básica (Selic), que subiu de 10,75% ao ano para 11,75% em 2011, nem as medidas prudenciais anunciadas em dezembro do ano passado conseguiram reduzir o ímpeto por financiamentos. A despeito da vontade do presidente do BC, Alexandre Tombini, o crédito total se expandiu 21% em 12 meses.

Os números são fortes, mas o BC ainda acredita que o ritmo de expansão do crédito vai diminuir. A certeza deriva das expectativas de desaquecimento da economia, tanto que a autoridade monetária reduziu de 15% para 13% a projeção de alta do estoque financiado em 2011. “Estamos esperando uma desaceleração”, afirmou o chefe-adjunto do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel. Por enquanto, isso não passa de uma esperança. Até mesmo o financiamento de veículos, justamente o que o BC mirou com mais força quando adotou medidas para apertar o crédito, registrou elevação nas concessões. Entre janeiro e fevereiro, a linha obteve um incremento de 12,6%. Empréstimos pessoais seguiram ritmo semelhante, avançando 13,9% — os imobiliários, 34,6%.

Desconto
O bancário Jean Charlles de Lima, 36 anos, e a mulher, Thays de Lima, 26, fazem parte dos brasileiros que não recuaram diante das medidas para conter o consumo. “Ainda não sentimos o aumento dos juros. Ainda não afetou nosso bolso. Por isso, continuamos comprando”, admitiu Thays. “Quando dá, compro à vista. Mas, se não há desconto quando pago em dinheiro, acho que vale a pena parcelar.” Ontem, eles saíram à procura de uma cama nova, que será parcelada. “Costumamos dividir em até 10 vezes. Estamos trocando a mobília de casa. Então, devo financiar pelo menos uma parte da mercadoria”, explicou Jean Charlles.

A também bancária Ione Barbosa Caixeta, 35 anos, se preocupa com os juros, mas ainda não percebeu a elevação dos encargos e o encurtamento dos prazos. “Pago em, no máximo, três parcelas”, disse. A preferência dela é de sempre dividir as compras de maior valor. O servidor público Paulo Amaral, 52, reclama que é obrigado a comprar no crédito, já que muitas lojas não aceitam cheques. “Sinto que é a única opção. Além disso, são muitos benefícios. Alguns lugares dividem em 12 vezes sem juros”, afirmou.

Os dados preliminares de março, contabilizados até o dia 17, mostram os juros ficando mais pesados e, ainda assim, o brasileiro comprando bastante. A média diária de concessões, por exemplo, avançou 4,5% na primeira quinzena, dando prosseguimento ao ritmo de consumo das famílias. Em fevereiro, elas haviam ficado em 8,9%. As taxas também avançaram no período, registraram alta de 1,5 ponto percentual. No mês passado, o incremento foi de 0,7 ponto percentual.

Para Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), as medidas do BC tiveram efeito apenas parcial. “A renda do brasileiro continua alta, o mercado de trabalho apresentou certa acomodação, mas em um patamar elevado, e muitas financeiras, devido à grande quantidade de dinheiro em circulação, conseguiram manter boas condições para os consumidores”, justificou. “A dúvida, agora, é saber onde mais o BC vai apertar, já que os juros chegaram à lua”, ponderou Douglas Uemura, da LCA Consultores.

Calote
A inadimplência subiu 0,1 ponto percentual entre janeiro e fevereiro. Com essa leva alta, o calote atingiu 4,7% das operações de crédito. Após reduzir os prazos de financiamento e a quantidade de dinheiro disponível para empréstimos e elevar os juros básicos, o Banco Central estimava um reflexo maior. “Esperávamos alguma reação da inadimplência, mas ela vem ocorrendo de forma moderada. Esse avanço ainda não preocupa”, explicou o chefe-adjunto do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel.

Cheque especial ainda muito caro
O cheque especial foi uma das poucas modalidades de crédito que registraram, ao mesmo tempo, recuo nas concessões — de 0,5 % entre janeiro e fevereiro — e na taxa de juros, que encolheu 5,2 pontos percentuais. O movimento, segundo especialistas, se explica porque a modalidade é a que tem um dos encargos mais altos do país, de 167,4% ao ano. Para não pagar esse valor astronômico, os brasileiros estão migrando para opções mais em conta, como o consignado (empréstimos com desconto no contracheque), que cobra 28,9% ao ano.

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