segunda-feira, 11 de julho de 2011

NÃO HÁ TRENS. SÓ ROUBOS E DEPREDAÇÕES

ROUBO E DEPREDAÇÃO NAS LINHAS DO TREM
Autor(es): Sílvio Ribas
Correio Braziliense - 10/07/2011
 

Desde que foi privatizada, em 1996, a Rede Ferroviária Federal se transformou numa longa linha de desrespeito ao patrimônio público. São quase 19 mil quilômetros de trilhos abandonados no interior do país

Antes motivo de orgulho, a rede ferroviária nacional enfrenta uma dura realidade de destruição do patrimônio público e falta de investimentos

O sol ainda nem raiou e Hélio Claudino da Silva, 62 anos, já está com o ouvido colado na estrada de ferro que passa a poucos metros da porta de sua casa, em Luziânia (GO). Representante da terceira geração de uma família de ferroviários, ele assumiu o papel de fiscal voluntário do trecho operado pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), tomado pelo mato e cercado de moradores pobres. Ao contrário do grande movimento de décadas atrás, hoje só passam cinco trens por dia pela linha de 70 quilômetros entre Brasília e o município goiano, às margens da BR-040. A maioria, de madrugada. "Sofro com a degradação da via. Os trilhos estão enferrujados e 70% dos dormentes estão podres", lamenta, saudoso do tempo em que embarcavam e desembarcavam centenas de pessoas no pátio vizinho da sua moradia.
Totalmente depredada, a Estação Jardim Ingá é abrigo para assaltantes e drogados. Até os anos 1980, o local, onde ainda funciona um decadente centro de manutenção, agora da concessionária FCA, era importante entreposto de gado e gente. Desde a privatização da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), em 1996, a estrada minguou e passou a transportar cargas de meia dúzia de agroindústrias, encabeçadas pela Bunge Alimentos. Aposentado da RFFSA desde o ano em que o patrimônio da estatal foi cedido a investidores privados, Claudino conta que fazia parte do grupo criado em 1969 para fazer reparos na linha da então malha Centro-Oeste da rede. "Éramos 118 homens e, hoje, não chegam a 12", emenda.
R$ 40 bilhões
O descaso descrito pelo goiano se repete com cores mais dramáticas em centenas de outras localidades no interior do país, ao longo dos quase 19 mil quilômetros concedidos a 10 operadores privados e tidos pela própria Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) como abandonados ou subaproveitados. O Ministério Público Federal (MPF) calcula que essas "sobras" de trechos constituem um patrimônio de R$ 40 bilhões, consumido pela ação do tempo, por permanentes furtos e invasões. Para piorar, a corrupção no Ministério dos Transportes, que levou à queda de sua cúpula na semana passada, explica negligências e trava investimentos.
"Esse quadro só existe em razão da precariedade dos contratos de concessão, que transferiram 28 mil quilômetros sem deixar clara a responsabilidade dos concessionários em relação aos trechos não aproveitados", explica Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT. Ele informa que o órgão regulador vai baixar nos próximos dias duas resoluções para licitar linhas não usadas ou fazê-las voltar à custódia da União. "Curtas distâncias de ferrovia são, quase sempre, economicamente inviáveis. Mas pode haver interessados em explorar ramais para transporte local de cargas ou para fins turísticos, com trens históricos." Outra alternativa é transformar as linhas em rodovias. Na sua avaliação, só o modal ferroviário de alta velocidade concorre no mercado de passageiros com o rodoviário e o aéreo.
Rodrigo Vilaça, diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que representa as concessionárias, rebate acusações de desleixo feitas pelo MPF e duvida que trechos abandonados deem lucro. "A malha já estava muito prejudicada quando assumimos. Se não fosse o processo de concessão, talvez não restasse mais nada", comenta. A ANTF propôs ao governo um plano para investir R$ 15 bilhões em cinco anos para solucionar os gargalos dos trechos usados, em troca de renovação ou prorrogação dos contratos de concessão, que vencem a partir de 2026. "A aplicação desses recursos próprios na eficiência das ferrovias só depende de novo marco regulatório."
Moradores
Na avaliação de Vilaça, as dificuldades do setor refletem a falta de planejamento e a dificuldade para tomar decisões. Como exemplo, ele menciona o conflito envolvendo mais de 200 mil famílias que residem às margens dos trilhos. Apenas algumas negociações, mediadas por prefeituras e que levaram de dois a quatro anos, conseguiram remover os moradores irregulares para outros locais de programas habitacionais. "Além de não termos poder de polícia, estamos tratando de algo sério: a vida das pessoas", resume. Outro problema a ser encarado é a defasagem técnica da mão de obra: "Operamos ferrovias dos séculos 19 e 21 e décadas sem investimento na formação de pessoal".
O Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT) prevê ampliação da malha para 52 mil quilômetros até 2025 com a construção de 17 ferrovias, das quais sete estão em execução e outras 10, em estudo. A extensão final da malha pode, contudo, sofrer ajustes, caso trechos indesejados sejam definitivamente excluídos do resto. Os projetos estão focados na melhora da integração da rede atual com rodovias e portos, em favor do escoamento da produção de grãos e do comércio exterior. Em paralelo, outros planos são colocados em movimento, como o Trem de Alta Velocidade (TAV), que ligará Campinas (SP), São Paulo e Rio de Janeiro, com o custo estimado pelo mercado em R$ 55 bilhões.
Em março, o governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), pilotou um pequeno veículo da FCA para lançar o projeto de retomada do transporte ferroviário de passageiros entre Brasília e Luziânia, encerrado em 1984. "Essa conversa de trem metropolitano vai e volta há 25 anos. Duvido que sairá do discurso", desconfia o experiente Claudino, que coleciona histórias e objetos de uma época mais auspiciosa. Ele conta que foi cumprimentado por governadores e militares, em eventos onde promessas de dias melhores para aquela linha estreita e de curto trajeto foram anunciados. Prefere manter a rotina de denunciar acidentes, depredações e roubos dos equipamentos e peças que ainda restam.

Dívida trabalhista pode chegar a R$ 20 bilhões

Autor(es): Sílvio Ribas
Correio Braziliense - 10/07/2011
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/7/10/divida-trabalhista-pode-chegar-a-r-20-bilhoes
 

Ex-empregados e governo desconhecem o tamanho exato do passivo deixado pela RFFSA, mesmo passados cinco anos de extinção da companhia estatal

Cinco anos após a extinção da Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), trabalhadores e órgãos de governo ainda desconhecem os números reais do longo acerto de contas da privatização. Em 50 anos de existência, a estatal chegou a ter 119 mil funcionários, quase o triplo dos atuais 44 mil, lotados em 10 concesssionárias. Os sindicatos desconfiam e pedem revisão dos cadastros. A maior parte dos passivos trabalhistas já foi paga, mas, até hoje, bens continuam sendo penhorados para saldar dívidas e dezenas de servidores aguardam o desligamento definitivo.
Uma das primeiras medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciada em seu lançamento (em 2007), foi reservar R$ 452 milhões para extinguir a RFFSA e a Companhia de Navegação do São Francisco (Franave). O pacote incluía quitação de débitos com empregados e transformação de estações ferroviárias em centros culturais. "Começamos a receber parcelas do acordo final com a Valec, sucessora trabalhista da RFFSA, em torno de ajustes propostos em 2003", informa Hélio Regato, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Ferroviários (FNTF).
Apesar da paciência do líder sindical, a Advocacia-Geral da União (AGU) estima que ainda pode haver um passivo de R$ 20 bilhões. "Recebemos em dia os benefícios, mas há pouca transparência sobre valores", reclama Nelson Cruz, presidente da Associação dos Aposentados da RFFSA. O Departamento de Administração de Pessoal de Órgãos Extintos (Derap), do Ministério do Planejamento, nega a acusação.
Ratos e drogas
Até o tamanho do patrimônio deixado pela rede também é incógnita. A extensão oficial da malha é de 38 mil quilômetros, mas a própria Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) reconhece que os dados precisam ser atualizados e, para isso, está recorrendo a mapas via satélite. Em um desses pontos, o ferroviário aposentado Geraldo Soares da Silva, 61 anos, testemunha diariamente a ruína das últimas décadas. Ele mora numa casa em frente à desfigurada Estação Bernardo Sayão, no Núcleo Bandeirante. "Até a privatização, esse pátio era um brinco. Hoje, o prédio só está de pé porque uma família o ocupou. O mato invadiu tudo. Ratos e usuários de drogas aparecem toda noite", queixa-se.
Ali mesmo, na Quadra 2 do Setor de Mansões Park Way, o local de embarque desonra a memória do 21 de abril de 1968, um domingo ensolarado que contou com banda de música, fogos de artifício e visitantes entusiasmados. "Com a chegada do primeiro trem, Brasília se consolida como capital da República", discursava o então ministro dos Transportes, Mário Andreazza. No oitavo aniversário da cidade, o tráfego ferroviário foi aberto por duas composições, que chegaram juntas, pontualmente às 10h17, vindas do Rio e de São Paulo. O Expresso Brasil, que ligava Brasília ao Rio, deixou de circular em 1984. Dez anos depois, o Bandeirante fez sua última viagem de 17 horas até São Paulo.
Franave teve mesmo fim
Em 2007, além da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), o governo extinguiu a Companhia de Navegação do São Francisco (Franave). Responsável pela logística fluvial de cargas entre Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, a estatal também tem funcionários remanescentes. Sua  liquidação ficou a cargo dos Ministérios do Planejamento, que supervisionou o processo, e dos Transportes, que arcou com as despesas. Em 2005, ao concluir que a companhia era inviável, o governo optou pela liquidação.

Obras de transporte são as mais polêmicas

Autor(es): Renée Pereira
O Estado de S. Paulo - 10/07/2011
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/7/10/obras-de-transporte-sao-as-mais-polemicas
 

Nas ações, há principalmente suspeitas de sobrepreço e aditivos feitos nos contratos


Os empreendimentos do setor de transportes (rodovias, ferrovias e hidrovias) e de recursos hídricos, como a Transposição do Rio São Francisco, são os campeões de processos judiciais dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Até o fim do ano passado, os dois segmentos somavam 2.364 ações contrárias aos projetos em implantação ou aos processos de licitação. Aeroportos e energia elétrica aparecem logo em seguida, conforme os dados da Advocacia Geral da União (AGU).
Em muitos casos, as ações surgem de denúncias feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No setor de transportes, os itens que mais provocam polêmica são os indícios de sobrepreço e os aditivos feitos nos contratos. Os construtores se defendem afirmando que a tabela usada como referência para balizar decisões do TCU não retrata a realidade do País e dá margem a uma série de dúvidas. "Uma obra feita no Amazonas não tem o mesmo custo que uma obra no Rio Grande do Sul", argumenta o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), Luiz Fernando dos Santos Reis, que reivindica a mudança no processo.
O TCU, porém, não entende dessa forma e tem agido com rigor em relação ao assunto. No ano passado, detectou os primeiros indícios de irregularidade na construção da Ferrovia Norte Sul, sob gestão da estatal Valec - cujo ex-presidente José Francisco das Neve está envolvido no esquema de fraude detectado esta semana no Ministério dos Transportes. Descontente com a acusação de sobrepreço, a construtora responsável pelo trecho entre Aguiarnópolis (TO) e Anápolis (GO) desistiu de executar a obra e entrou na Justiça. O processo ainda não foi julgado.
Esse caso foi apenas a ponta do iceberg na ferrovia. Hoje a Polícia Federal e o Ministério Público investigam outra suspeita de superfaturamento no trecho entre Santa Isabel a Uruaçu, em Goiás. As investigações indicam que, desde o lançamento do edital, as regras adotadas direcionaram a licitação em favor da construtora vencedora. A ferrovia, lançada em 1986 pelo presidente José Sarney, até hoje não foi concluída. Durante toda sua história, esteve associada a acusações de irregularidades e favorecimento de empresas.
Mas nem todas as ações envolvendo obras de transportes são decorrentes de fraudes. Há uma série de questionamentos provocados pela má qualidade dos projetos básicos. Reis afirma que as suspeitas de sobrepreço muitas vezes surgem a partir de serviços que precisam ser executados, mas não constavam no edital. "Isso porque as sondagens não detectaram a necessidade de usar uma determinada tecnologia - mais cara - por causa de um tipo de solo."
O problema tem reflexos também nos estudos ambientais, que são elaborados de forma superficial e entram na mira de ambientalistas e do Ministério Público. É o caso das obras de dragagem, derrocagem e sinalização da Hidrovia Tietê-Paraná. O Ministério Público exigiu a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e a indenização da colônia de pescadores.
Para Lembrar
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi lançado em janeiro de 2007 com o objetivo de eliminar os principais gargalos da infraestrutura brasileira. Mas não demorou muito para o governo perceber que o problema era mais complexo do que se imaginava. A maioria dos cronogramas estipulados pelo governo para inauguração das obras não era cumprido por causa de ações judiciais e questionamentos de órgãos ambientais. Além disso,  o governo descobriu uma enorme dificuldade para gastar o orçamento reservado para as obras.

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