sábado, 9 de julho de 2011

"Nem todos aprenderam a lição"

Valor Econômico - 08/07/2011

Os programas de ajuste da América Latina dos anos 1980 colocaram muita ênfase na austeridade e pouca no crescimento econômico, num equívoco que está sendo repetido agora no socorro a economias da Europa, como Grécia, Irlanda e Portugal. Em entrevista ao Valor, William Rhodes, ex-banqueiro do Citibank e chefe do comitê de credores privados do Brasil nos anos 1980, revisita alguns dos momentos mais dramáticos da história econômica recente do país e aponta lições para as mazelas financeiras que hoje afetam economias avançadas.
Rhodes, que lançou nos Estados Unidos o livro "Banker to the World" (Banqueiro para o mundo, em tradução livre), reconhece que os bancos causaram parte dos problemas na América Latina ao emprestarem demais, mas pondera que os governos também se endividaram muito. "Um pode apontar o dedo para o outro, mas numa situação como essa todo mundo é culpado", afirma ele.
Valor: Como o sr. foi apontado para os comitês de credores na crise da dívida?
William Rhodes: Falava espanhol e reestruturei a dívida da Jamaica nos anos 1970 e também da Nicarágua quando os sandinistas tomaram o poder. Procurei ser justo, e os mexicanos viram em mim um amigo. E, de fato, eu era, da mesma forma que fui amigo do Brasil. Quando muitos brasileiros perderam a confiança, dizendo que o Brasil era apenas o país do futuro, eu fui sempre um otimista. E o futuro chegou.
Valor: Por que o então presidente do Fed, Paul Volcker, estava tão preocupado com a crise?
Rhodes: Para derrubar a inflação, Volcker fora obrigado a subir os juros para perto de 20% ao ano e entramos numa recessão. Ele estava muito preocupado com o risco de o mundo todo entrar em recessão. De fato, o encontro do FMI e do Banco Mundial de Toronto, em 1982, foi como arrumar as cadeiras do convés do Titanic. O mundo caminhava para repetir a Grande Depressão. Os países estavam perto da moratória, e o sistema bancário mundial iria afundar, incluindo bancos americanos, japoneses europeus, além dos bancos locais em cada um desses países.
Para Rhodes, ficou claro que "não adianta somente ficar amontoando dívidas. Como o país vai pagar? Essa é uma questão para a Grécia"
Valor: De quem foi a culpa pela crise da dívida: dos países que tomaram muitos empréstimos ou dos bancos que emprestaram demais?
Rhodes: Um pode apontar o dedo para o outro, mas numa situação como essa todo mundo é culpado. Nesse período, os bancos foram chamados a reciclar os petrodólares e muito dinheiro foi para a América Latina. Muitos países acharam que poderiam tomar emprestado para estimular o crescimento econômico. Houve uma onda de superendividamento, mas também excesso de oferta de empréstimos pelos bancos. No fim das contas, todo mundo participou disso.
Valor: Qual foi a parte mais difícil no seu trabalho: negociar com seus colegas banqueiros ou com os governos?
Rhodes: Você precisava se assegurar de que tinha o apoio dos bancos. Era muito importante. Às vezes, eu tinha uma opinião sobre o que era bom tanto para os bancos quanto para os países, mas meus colegas no Citibank pensavam diferente. Eu fazia o que achava que era certo, porque, no fim das contas, o que satisfazia a todos, governos, seu povo e os credores, era o país sair da situação em que se encontrava e retomar o crescimento sustentado.
Valor: Os bancos se saíram bem, enquanto a América Latina teve uma década perdida?
Rhodes: Os bancos não se saíram bem. Os bancos reconheceram imensos prejuízos nos balanços. [O então presidente do Citibank] John Reed teve que fazer uma imensa provisão no fim dos anos 1980, e os bancos tiveram uma grande perda com a negociação dos bônus Brady.
Valor: O senhor diz no livro que o FMI foi muito duro nos anos 1980. Como assim?
Rhodes: Alguns dos programas colocaram muita ênfase na austeridade e não no crescimento econômico. Essa é uma questão para a Grécia atual. Essa é a razão pela qual o Plano Real foi tão bom. O Plano Brady também foi bom para todos esses países porque permitiu o crescimento.
Valor: E por que levou quase uma década para surgir o Plano Brady?
Rhodes: Acho que, no começo, as pessoas acharam que, se as dívidas fossem reestruturadas, se os bancos e o FMI colocassem algum dinheiro, o problema estava resolvido. Mas essa era uma crise muito profunda, os juros eram muito altos, o déficit muito grande. Também acho que todo mundo aprendeu que não adianta somente ficar amontoando dívidas. Se colocar muito dinheiro, como o país vai pagar no fim? Essa é uma questão para a Grécia. Como a Grécia vai pagar 160% de seu Produto Interno Bruto (PIB) com as taxas de juros atuais? É claro, no caso do Brasil teve a moratória. Acho que, se você perguntar ao presidente [José] Sarney se ele faria a moratória de novo, ele dirá que não.
"Temos um problema tremendo com o déficit nos Estados Unidos. Você precisa manejar uma boa política fiscal e monetária" [no Brasil]
Valor: Por quê?
Rodhes: O Brasil perdeu investimentos, tanto internacionais quanto dentro do país. Deixou de criar empregos, porque não apenas não havia investimentos estrangeiros entrando, como os investimentos domésticos desapareceram. Com a moratória, você não tem as linhas internacionais de que os bancos locais precisam - e as empresas não eram capazes de importar ou exportar.
Valor: Por que o Brasil não teve apoio internacional na emissão de títulos do Tesouro para sua renegociação no Plano Brady?
Rhodes: O Brasil trabalhou sua própria solução e lançou o Plano Real.
Valor: Que não foi apoiado pelo FMI.
Rhodes: Mas funcionou. O importante é que o país faça a coisa certa, com ou sem o FMI.
Valor: Como o senhor ajudou o Brasil a manter o crédito na crise da desvalorização de 1999?
Rhodes: Os bancos fizeram de forma voluntária. Eu e o [então presidente do Banco Central], Armínio Fraga, fomos explicar a situação para os bancos. Fomos para a Europa, para mostrar que não era um problema com o Brasil, era um contágio. Dissemos aos bancos que era necessário rolar as linhas de comércio e interbancárias para evitar uma crise de confiança.
Valor: Quando o senhor conheceu o presidente Lula?
Rhodes: Quando ele foi candidato pela primeira vez [em 1989].
Valor: E qual foi sua primeira impressão? Ele mudou muito?
Rhodes: Sim, ele mudou muito. Ele se tornou muito mais pragmático e escolheu uma ótima pessoa para ser ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Independentemente de questões no seu lado pessoal, como ministro da Fazenda ele fez um trabalho muito bom. Conheci o Palocci antes de ele ser nomeado ministro. Quem me apresentou a ele foi o presidente eleito Lula. Estava no Fórum Econômico Mundial, no Rio, e fui a Brasília dar um oi. Lula trouxe o Palocci e me disse que não tinha anunciado ainda, e o faria dali algumas semanas, que o Palocci seria seu ministro da Fazenda. Conversamos durante uma hora e meia. Se você me perguntar a lingua em que falamos, foi portunhol.
Valor: E o senhor ajudou o presidente Lula junto à Wall Street?
Rhodes: Fiquei muito bem impressionado com o que Lula e Palocci me disseram. Fui bastante favorável.
Valor: E a presidente Dilma Rousseff?
Rhodes: Quando estava no Brasil recentemente, ela disse que não vai deixar a inflação sair de controle. Conheço a presidente Dilma desde quando ela era ministra de Energia. Quando ela diz algo, normalmente faz. Fiz o trabalho duro de, durante a campanha eleitoral, apontar desafios para o Brasil [num debate em Nova York]. Ela foi direto no ponto de cada um deles.
Valor: A América Latina aprendeu a lição da crise da dívida?
Rhodes: Depende do país. Apenas o tempo dirá. No caso de Chile, Brasil, México, Uruguai e vários outros, a resposta é sim. Mas é preciso estar vigilante. Temos um problema tremendo com o déficit público nos Estados Unidos. Você precisa manejar uma boa política fiscal e monetária, em sintonia. O [presidente do Banco Central, Alexandre] Tombini está fazendo um bom trabalho.
Valor: E os bancos aprenderam a lição?
Rhodes: Alguns sim, outros não. Foi por isso que escrevi esse livro, porque muita gente, incluindo o FMI e até pessoas no Brasil, disse que seria importante colocar essas lições no papel, para as gerações futuras. Sempre vai haver crises financeiras. A questão é quão severas serão, quais países vão se sair melhor que os outros.

O Brasil vai bem, mas há riscos, diz Bill Rhodes

O diplomata das finanças
Autor(es): Alex Ribeiro | De Nova York
Valor Econômico - 08/07/2011
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/7/8/o-brasil-vai-bem-mas-ha-riscos-diz-bill-rhodes
 

O Brasil "aprendeu a lição" da crise da dívida. Mas "é preciso estar vigilante". A advertência é de Bill Rhodes, coordenador do comitê de bancos credores que renegociou a dívida externa brasileira nos anos 1980. A atenção deve passar por "uma boa política fiscal e monetária", disse em entrevista ao Valor, sintonizada com os riscos embutidos no "problema tremendo" do déficit público americano. Rhodes acha que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, "está fazendo um bom trabalho".
A opinião favorável do atual conselheiro da alta direção do Citigroup estende-se ao controle da inflação. "Conheço a presidente Dilma desde quando ela era ministra de Energia. Quando ela diz algo, normalmente faz. Quando estive no Brasil recentemente ela disse que não vai deixar a inflação sair de controle".

Em 2002, Rhodes deu apoio decisivo ao Brasil também na eleição de Lula, quando soube do futuro presidente que Palocci seria ministro. Em 1954, ano em que Getúlio Vargas se suicidou, o jovem estudante de história Bill Rhodes passou as férias como marinheiro num navio cargueiro que desceu a costa brasileira de Pernambuco ao Rio Grande do Sul. "Uma das imagens que guardo na memória é chegar ao Rio com o nascer do sol", lembra ele.
Três décadas depois, nos anos 1980, William R. Rhodes estava de volta, como banqueiro do Citibank e chefe do comitê de credores privados que negociou a então impagável dívida externa Brasileira. De lá para cá, virou personagem frequente na história econômica do país, não só por que a crise da dívida se arrastou por uma década, mas também pelo peso de sua presença em outros momentos cruciais, como na flutuação cambial de 1999 ou na eleição do presidente Lula em 2002.
Uma parte dessas histórias ele conta em um livro publicado recentemente nos Estados Unidos, "Banker to the World" ("Banqueiro para o Mundo", em tradução livre). Não é um relato definitivo, até por que não era essa a intenção do autor, que selecionou episódios de sua vida que podem servir de ensinamento para quem está começando agora na arte da diplomacia financeira.
"A crise da dívida latino-americana não foi apenas uma punição a excessos de endividamento. Foi também uma crise bancária"
A biografia completa tem que esperar mais um pouco, porque, embora com 75 anos e aposentado do Citibank, Rhodes continua ativo. Ele segue como consultor do banco e, nas horas vagas, dedica-se a dar conselhos aos europeus que querem ouvi-lo sobre como resolver problemas de endividamento de países como Grécia, Portugal e Irlanda. A experiência na crise da dívida latino-americana é um exemplo recorrente nessas conversas.
"O Bill conhece literalmente com quem falar na hora certa", afirma Armínio Fraga, sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central. Há algumas semanas, ele e Rhodes explicaram a banqueiros centrais europeus como, juntos, mantiveram as linhas comerciais ao Brasil e conseguiram evitar uma crise cambial mais aguda em 1999.
A crise da dívida latino-americana é quase sempre vista como uma punição aos excessos cometidos por ditadores militares da região na década de 1970. Eles se endividaram para evitar ajustes após os choques do petróleo e, a partir de 1982, os países quebraram com a forte alta dos juros nos Estados Unidos e a queda dos preços das commodities.
Mas essa foi também uma crise bancária - que, para alguns, serve como um bom exemplo sobre como resolver a crise atual no sistema bancário americano. O economista-chefe da Nomura Securities, Richard Koo, contou num seminário, há alguns meses, em Bretton Woods, como ele, então funcionário do Federal Reserve (Fed) de Nova York, e seus colegas fracassaram ao tentar reduzir a exposição dos bancos americanos na América Latina nos anos que antecederam o estouro da crise. "Era a coisa mais patética da face da Terra", disse. "Esses países eram governados por militares, tinham imensos déficits e inflação de três dígitos."
Quando o México entrou em moratória, em agosto de 1982, por estar sem dinheiro para pagar uma dívida de US$ 80 bilhões, os funcionários do Fed de Nova York acharam que os bancos finalmente teriam que pagar pelo comportamento pouco responsável, relata Koo. Mas, para evitar uma crise bancária semelhante à de 1929, o então presidente do Fed, Paul Volcker, escolheu uma saída mais suave. "Ele disse para fazer tudo que fosse possível, literalmente tudo, incluindo o que fosse legal, ilegal e paralegal, para garantir que nenhum banco saísse da América Latina."
Em outubro de 1983, 16 países latino-americanos haviam adiado o pagamentos de uma dívida total de US$ 176 bilhões, dos quais US$ 37 bilhões eram com os oito maiores bancos dos Estados Unidos, incluindo Citibank, Bank of America, Chase, JP Morgan. Se houvesse uma moratória, esses bancos estariam em apuros, já que os créditos equivaliam a 147% do seu capital, segundo dados de um dos órgãos reguladores do sistema bancário americano, o FDIC.
A lenta renegociação deu tempo para os bancos digerirem o problema. O Citibank foi o primeiro a reconhecer perdas, cinco anos depois, com uma provisão de US$ 3,3 bilhões. Koo afirma que essa solução gradual serviu de exemplo para a crise bancária japonesa na década de 1990 e deveria nortear a limpeza de balanços dos bancos americanos de hoje.
Rhodes foi indicado para chefiar o comitê de credores do México porque falava espanhol, conhecia bem a região e tinha acumulado experiência renegociando dívidas da Nicarágua e da Jamaica. Mais tarde, assumiu também o comando dos comitês do Brasil e da Argentina, entre outros.
Quando estudante na Brown University, no Estado de Rhode Island, Rodhes fez duas viagens de navio pela América Latina. Enquanto servia refeições para a tripulação e lavava o convés, consolidou seu espanhol e aprendeu um pouco de português. Virar banqueiro não era sua primeira opção. Queria ser militar, como o pai, Edward Reginald, que lutou na Primeira Guerra Mundial. Mas teve que desistir porque machucou o joelho jogando lacrosse.
Bill Rodhes "é um chato", brinca um negociador brasileiro dos anos 1980. "Mas é determinado, tem sensibilidade política e conhece a região"
"Meu pai era muito favorável ao Brasil", disse Rhodes ao Valor. "Um dia depois de os Estados Unidos declararem que estavam entrando na Primeira Guerra, o presidente brasileiro mandou uma frota a Nova York para nos apoiar."
Rhodes queria trabalhar numa companhia petrolífera, ou algo assim, na América Latina, mas, em meio à recessão de fins da década de 1950, o melhor emprego que encontrou foi no Citibank. Na Venezuela, ele se casou, teve uma filha e dirigiu os negócios locais do banco. Nos anos 1970, voltou ao Brasil pela primeira vez, para participar de um congresso, e foi apresentado ao então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen. "Uma das mentes mais brilhantes que conheci."
O banqueiro assumiu a chefia do comitê de credores do Brasil em 1983, a pedido de Volcker, então presidente do Fed, depois do colapso da primeira fase de renegociação da dívida. Nessa época, já formava a reputação de um hábil diplomata das finanças, não só por negociar com os governos, mas sobretudo por conseguir a convergência de, em alguns casos, mais de 500 banqueiros de diferentes partes do mundo.
Em seu livro, com prefácio de Volcker, Rhodes procura passar adiante muito do que aprendeu nesses anos de negociação. Por exemplo, confiar nas próprias convicções a respeito do que considera certo e errado. Assim, às vezes contrariava o que pensavam seus colegas banqueiros. Uma de suas táticas era, para dar um empurrão em negociações mais difíceis, varar noites negociando, para o cansaço quebrar as resistências dos mais radicais.
"É um chato", brinca um negociador brasileiro dos anos 1980. "Mas é um sujeito determinado, com suas convicções, e ao mesmo tempo com sensibilidade política e bom conhecimento da América Latina."
Rhodes tinha como estilo dar a palavra primeiro a cada um dos presentes nas salas de negociação. Em fins dos anos 1980, o "New York Times" fez um perfil descrevendo o banqueiro como alguém capaz de obter bons resultados porque tinha apreço ao método nas negociações - embora, afirma o jornal, alguns de seus detratores de então alegassem que ele prestava mais atenção ao processo do que ao resultado.
Ex-ministro do Desenvolvimento, o embaixador Sérgio Amaral negociou com Rhodes em 1988. Ele, que fez carreira no Itamaraty, não concorda muito com a definição de banqueiro diplomata para Rhodes. "A negociação diplomática é muito mais suave, porque o diplomata é por definição um conciliador", afirma. "Não tem os momentos de tensão, pressão ou irritação presentes na renegociação da dívida."
Havia de tudo um pouco nas reuniões com os banqueiros, de conciliação a confrontos, de cooperação a golpes abaixo da cintura. O comitê de banqueiros, diz Amaral, tinha um assessor que vazava informações para a imprensa e depois colocava a culpa no Brasil. Os negociadores brasileiros, de outro lado, pediam para o Banco Central torcer "no limite do razoável" as previsões de necessidades de financiamento externo, para obter condições mais vantajosas dos bancos. Uma pequena bobeada técnica dos bancos permitiu que o Brasil economizasse US$ 60 milhões.
Num momento de maior irritação, relata Amaral, Rhodes o acusou de tentar transformar a negociação da divida numa assembleia das Nações Unidas, numa referência ao plenário conhecido pelas manobras protelatórias e falta de decisão. Naquele momento, interessava ao Brasil protelar. Todos esses pequenos atritos, porém, não impediram que fosse fechado um acordo. "No final, havia a percepção dos dois lados de que estávamos fazendo algo positivo, tanto para o Brasil quanto para os bancos", afirma Amaral. "Ele é um negociador competente e teve a habilidade de manter os bancos unidos."
Rhodes relata no livro que, em 1983, tomou um avião com dois outros banqueiros, para convencer o governo brasileiro a assinar um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que o comitê de credores impunha como condição para renegociar a dívida. Dias depois, o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, foi a Paris dizer ao então diretor-gerente do Fundo, Jacques de Larosière, que aprovava a ideia de acordo.
Presidente do Banco Central na época, Carlos Langoni deixou o cargo em seguida porque considerava muito duros os termos do acordo. "O tempo mostrou que eu estava certo, e o FMI foi evoluindo", disse Langoni. "O FMI teve que adaptar os termos do acordo, porque era impossível o país cumprir aquilo." O Brasil se comprometeu com sete cartas de intenção em apenas quatro anos - e descumpriu todas.
A solução definitiva para a crise, no caso brasileiro, veio com a assinatura final do Plano Brady, em abril de 1994, que previa um desconto na dívida. Se havia negociadores hábeis de um lado e de outro, por que demorou tanto? Rhodes acha que levou muito tempo para todos perceberem que aquela era uma crise muito profunda. Em retrospecto, ele diz que os planos do FMI eram rígidos demais, apoiados apenas em medidas de austeridade, sem apontar saídas para o crescimento dos países.
No caso do Brasil, afirma, a moratória declarada em 1987 por iniciativa do então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, atrapalhou um bocado. Amaral, o negociador brasileiro que tirou o país da moratória, pondera que ela teve efeito ambíguo. "Não era o melhor caminho, não sou favorável, não tinha a menor chance de dar certo", afirma. "Mas deu um susto nos bancos e muitos dizem que, sem ela, os credores não teriam cedido."
Anos mais tarde, em 1999, o Brasil voltaria a se ver em dificuldades, quando altos déficits públicos e em conta-corrente obrigaram o país a deixar a moeda flutuar. De novo, bateu-se às portas do FMI - e descumpriram-se os termos da primeira carta de intenções.
Fraga, que assumiu o Banco Central em meio à crise, relata que, naquela época, "havia pressões difusas" vindas de organismos em Washington, para uma reestruturação da dívida. "Tínhamos plena convicção de que isso não era necessário, porque nosso balanço de pagamentos era administrável."
O Brasil desenhou um plano para os bancos manterem as linhas de empréstimo. A lógica era viajar pelo mundo e mostrar aos banqueiros que, com uma taxa de rolagem dos empréstimos inferior a 100%, as contas fechavam. "A participação do Bill foi muito importante nesse processo todo", diz Fraga. "Se um banco percebesse que os outros estavam rolando os empréstimos,, ninguém tinha motivos para abandonar o Brasil." Naquele ano, a economia cresceu 1%, mas poderia ter encolhido 4% sem uma solução para a crise cambial.
Em 2002, Rhodes deu apoio decisivo ao Brasil também na eleição do presidente Lula, quando parte do mercado financeiro internacional temia uma moratória brasileira. Rhodes foi a Brasilia e soube em primeira mão, do próprio Lula, que Antonio Palocci seria o ministro da Fazenda. "Ele percebeu muito cedo que o governo Lula não iria se atirar pela janela", relata Fraga. "Apoiou o Brasil como um formador de opinião."
O ex-banqueiro trabalha hoje numa sala relativamente modesta, num prédio não muito longe da Quinta Avenida, onde brasileiros gostam de fazer compras, lotada de lembranças de países que, de uma forma ou de outra, a ele são agradecidos. A lista inclui não só países da América Latina, mas também da Ásia e Europa Oriental, como Coreia e Polônia.
Depois de uma hora de conversa com o Valor, a pergunta final: existe um país fora dos Estados Unidos em que ele se sente em casa? "Gosto do Brasil", respondeu Rhodes, surpreendendo quem achava que diria Venezuela, onde viveu por muitos anos e nasceu sua filha. "O Brasil é, tradicionalmente, o melhor amigo dos Estados Unidos na América Latina."

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