quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Liberar compra de terra para estrangeiro favorece 'ambientalistas de mercado'


CIDADANIA

Por: Virginia Toledo, Rede Brasil Atual

Última atualização às 17:41
  

Projeto de congressista do DEM coloca em risco soberania nacional no campo, além de favorecer nova modalidade de especulação financeira (CC/Mauricio Rar)
São Paulo –  Para o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Gerson Teixeira, caso o Projeto de Lei 4059, de 2012, que regula o comércio de terras nacionais para empresas estrangeiras seja aprovado, a nova legislação protegerá a "manutenção de latifundários improdutivos" por conta também da possível aprovação do novo Código Florestal.
Ele explica que, o texto do Código associado à liberação desregrada de venda de terra para estrangeiro traduz o momento hegemônico do agronegócio. "Na área excedente de reserva legal, uma empresa pode usar essa área para venda de cota dessa reserva, ou seja, ele fará comércio com elas. Esse grande latifúndio improdutivo deixa de ter conotação negativa e estará cumprindo uma função ambiental, climática e aí não pode mais ser desapropriado. É um golpe mortal na reforma agrária. Acrescente a isso passarmos a ter estrangeiros donos de terras no Brasil", considera. Teixeira conclui dizendo que a bancada ruralista no Congresso é, hoje, agente terceirizada do capital agrícola do país.
Atualmente, o comércio de terras para estrangeiros e empresas brasileiras controladas por estrangeiros sofre restrições por conta de  um parecer da Advocacia Geral da União (AGU). A operação é liberada para a compra de, no máximo, 50 módulos fiscais para pessoas físicas e 100 módulos fiscais para empresas estrangeiras – a medida varia conforme a região do país.
Confira a entrevista:
Como a comercialização de terras é regulamentada hoje? Como era antigamente?
Durante todo o tempo que a AGU  regulamentou a compra, só quem ficou teoricamente sujeito a restrições foi a pessoa física estrangeira. Mas, devido a essa frouxidão que houve, os órgãos oficiais e os cartórios não fizeram controle dessas compras de terra no Brasil. Então boa parte do nosso território está em mãos de estrangeiros. De todo modo, não havia uma lei específica e aí o deputado Beto Faro (PT-BA) apresentou esse projeto para regulamentar. E nesse projeto ele aproveita alguns termos da lei antiga e atualiza e coloca mais restrições.
Então pessoa física só pode comprar até 50 módulos fiscais no Brasil. E cada município tem um modulo fiscal diferente , o maior é na Amazônia, que é de 100 hectares. E pessoa jurídica, até 100 módulos fiscais.
Como foram propostos esses números?
Surgiu na Comissão da Agricultura a criação de uma subcomissão para estudar o tema e orientar o Congresso, proposta apresentada por Faro. Essa subcomissão foi criada e existiu por oito meses e depois foi apresentado um relatório mostrando que esse tipo de legislação é encontrada em várias partes do mundo .
Esse projeto proibia empresa estatal estrangeira de comprar terra no Brasil, empresa brasileira controlada por capital estrangeiro também. E aí, durante todo o tempo o deputado tentou costurar esse projeto com o governo, mas o governo não deu muita importância para o tema. Foi quando os ruralistas decidiram então apresentar um substitutivo, porque eles tinham maioria, e aí eles derrubaram o projeto do Faro, aprovaram esse que flexibiliza tudo, do Marcos Montes (PSD-MG).

Quais são as consequências que esse novo projeto trará caso seja aprovado?
Pode acontecer o que aconteceu no Código Florestal. O governo primeiro aceitou a indicação de um relator totalmente favorável ao que os ruralistas queriam. E aí, quando o governo quis evitar o pior, a coisa já estava feita. Então essa questão das terras pode ser que aconteça a mesma coisa. A intervenção tardia no tema complica ainda mais os resultados do processo no Legislativo.
Agora imagine uma lei que permite a qualquer empresa ou pessoa jurídica poder vir aqui e comprar o que quiser de terra. Já temos o que eu chamo de "agronegócio verde", como é o mercado de carbono, agora também teremos o "mercado de reserva florestal", que o Código Florestal instituiu.
Há exemplos de que isso, de fato, ocorre?
Eu tenho recebido pesquisadores de universidades americanas que estudam investimentos de fundos de REDD, em compra de terra no Brasil. Também entidades não governamentais da Noruega estão estudando investimentos de fundos de pensão de lá no Brasil. (REDD é a sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, em que empresas pagam a governos de países que tenham florestas para mantê-las em pé, compensando os danos ambientais que suas atividades provocam onde estão instaladas).
Os chineses então, nem se fala. Imagina a China, que é grande demandante de matéria prima, que é o suporte agrícola. Nós seríamos como o prolongamento do território deles. A própria estatal chinesa já veio aqui e já usou "laranja" pra comprar terra. E aí o projeto do Marcos Montes nem sequer exige aprovação prévia de um projeto grande pelo governo. Não tem qualquer tipo de controle, muito menos de regulamentação plena.
Esse projeto é tão ousado que eles mandam, inclusive, legitimar todas as aquisições de terra estrangeira no passado independentemente da lei vigente. E cria uma certa perplexidade. Os agricultores mesmo não têm interesse em dividir suas terras com empresas estrangeiras . Porque se for liberado eles vão comprar tudo. O setor da cana, por exemplo, vai ser o primeiro a passar praticamente todo para o capital internacional.
E como fica a reforma agrária com tudo isso?
A reforma agrária já está totalmente comprometida com o Código Florestal. Pelo novo código, pode-se ter um imóvel improdutivo, um latifúndio, de 50 mil hectares – pode até ser posseiro – a área tem que ter reserva legal, e parte dessa reserva legal pode ser usada para o mercado de carbono.
Na área excedente de reserva legal, de floresta, o proprietário pode usar para venda de cota de reserva florestal, ou seja, quem destruiu suas reservas poderá comprar áreas preservadas de outra propriedade. Esse grande latifúndio improdutivo deixa de ter essa conotação negativa . Então ele estará cumprindo uma função ambiental, climática e aí não pode mais ser desapropriado. É um golpe mortal na reforma agrária. Mas mesmo assim os próprios setores de esquerda ainda não perceberam.
E se você quer saber, isso é um presente do que eu chamo de "ambientalistas de mercado". Que além dos novos negócios verdes que eles ganharam no mercado de carbono e reserva florestal, ainda tem o latifúndio improdutivo blindado. Esse projeto do Marcos Montes e o Código Florestal têm muito vínculo entre si, porque da forma que está sendo concebido, sem qualquer tipo de restrição de aquisição do tetrritório nacional por estrangeiro, ele traduz esse momento que a gente vive, de hegemonia do agronegócio.

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