sábado, 25 de junho de 2011

PREÇO DE EXPORTAÇÃO EM ALTA LIMITA DÉFICIT EXTERNO

PREÇO DE EXPORTAÇÃO TORNA DÉFICIT NAS CONTAS EXTERNAS CONFORTÁVEL
Autor(es): João Villaverde e Sergio Lamucci
Valor Econômico - 24/06/2011
 
A relação altamente favorável entre os preços de exportação e de importação tem garantido um superávit comercial superior a US$ 20 bilhões no acumulado em 12 meses, ajudando a manter em níveis administráveis o déficit em conta corrente, hoje na casa de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Se os termos de troca - a razão entre cotações de vendas e compras externas - estivessem hoje nos níveis de 2005, quando estavam próximos da média histórica, o Brasil teria nos 12 meses até abril um rombo na balança comercial de US$ 21,7 bilhões, em vez de um superávit de US$ 23,2 bilhões, segundo cálculos do J.P. Morgan. A piora de quase US$ 45 bilhões do saldo comercial faria o déficit em conta corrente pular dos atuais US$ 48,9 bilhões (2,25% do PIB) para US$ 93,8 bilhões (4,3% do PIB).
Constantin Jancso, economista do HSBC, chega em uma conta bastante semelhante, olhando para um período diferente. De acordo com estimativas do HSBC, caso os preços das commodities estivessem no mesmo patamar real vigente em 2000, apenas o incremento no volume embarcado não seria capaz de suprir as necessidades do balanço de pagamentos - o déficit em conta corrente estaria próximo a 5% do PIB. Ele destaca que o atual patamar do déficit em conta corrente só não é maior graças ao aumento de preços dos produtos básicos, que impulsionam o superávit na balança comercial.
As contas dos dois economistas mostram a importância, para as contas externas, dos preços de commodities, que têm grande peso na pauta de exportações do país. O Brasil não está livre das incertezas do cenário global, ainda que o volume expressivo de reservas internacionais seja uma proteção importante. Uma desaceleração mais forte da economia global tenderia a afetar as cotações dos produtos primários, reduzindo o saldo comercial. Já uma deterioração da crise europeia, com o aumento da aversão ao risco causado por um eventual calote da Grécia, pode ter impacto negativo sobre os fluxos de capital estrangeiro que têm ajudado a financiar o rombo na conta corrente (as transações de bens, serviços e rendas com o exterior).Hoje, esses riscos são considerados relativamente pequenos, e um déficit inferior a 2,5% do PIB parece razoável. Além das reservas superiores a US$ 300 bilhões, os investimentos estrangeiros diretos têm superado com folga o buraco em conta corrente. Importante por cobrir integralmente o elevado rombo, esse fluxo crescente de investimento para atividades produtivas deve rondar US$ 60 bilhões neste ano, mas até mesmo esse financiamento pode ser reduzido caso haja uma desaceleração mais significativa da economia global ou um aumento mais forte da aversão ao risco.
Para o economista-chefe do J.P. Morgan, Fabio Akira, a dependência da balança comercial brasileira dos preços de commodities deixa claro que o Brasil está mais sujeito às oscilações do crescimento global, especialmente da China. "Do ponto de vista dos riscos externos, uma eventual desaceleração econômica da China teria mais impacto sobre o Brasil do que uma eventual piora da crise da Grécia, por exemplo", diz ele.
Nos 12 meses até maio, os termos de troca subiram 15,1%, beneficiados pelo fato de o Brasil exportar muitas commodities, que estão caras, e importar muitos bens manufaturados, que continuam baratos. Os preços de exportações acumulam alta de quase 25% em 12 meses e os de importações subiram pouco mais de 8%.
A situação das contas externas não está livre de riscos, mas há vários analistas que não veem problemas na trajetória atual do déficit em conta corrente. Para Sílvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, o rombo ainda está longe de se constituir um problema. "Crescemos forte nos últimos anos e continuamos num ritmo acelerado, ainda que inferior ao do ano passado. Como não temos poupança doméstica suficiente para bancar os investimentos necessários, precisamos nos financiar no exterior", avalia Campos Neto, para quem o déficit em conta corrente é "inevitável" nesta estratégia de crescimento. "O cenário mudou muito em relação aos anos 1990, quando vivemos crises geradas por grandes déficits em transações correntes."
Em 1998, quando o déficit corrente fechou em 3,9% do PIB, o Banco Central foi forçado a vender grande parte das reservas internacionais (então em US$ 74 bilhões, patamar recorde para o país) em seis meses para segurar a cotação do real em relação ao dólar, diante do temor de investidores estrangeiros com a capacidade do Estado arcar com o endividamento. "Desta vez, não só as reservas são cinco vezes superiores aos déficits, como não temos um câmbio fixo para defender", diz Jancso.
Há quem relate, porém, que a situação brasileira já começa a causar algum desconforto entre os investidores estrangeiros. Segundo um economista que auxilia controladores de fundos internacionais e áreas de tesouraria de empresas estrangeiras na escolha de oportunidades de investimentos em países emergentes, há crescente preocupação com a trajetória do déficit. "Não há alarme para o curto prazo, dizem, porque o déficit é financiável, mas alguns já começam a ficar ressabiados quanto ao médio prazo", diz o analista.
Para Bernardo Wjuniski, analista-sênior para América Latina da Medley Global Advisors, patamares inferiores a 3% de déficit na conta corrente são "administráveis", especialmente devido ao nível das reservas internacionais acumuladas pelo BC desde 2004 - atualmente, em US$ 333 bilhões. No entanto, pondera Wjuniski, o enorme ingresso de recursos externos no país - para investimento direto, aplicações financeiras e compra de ações - é impulsionado pela liquidez mundial.
"O governo americano está, desde o ano passado, emitindo dólares a juro zero, o que elevou o ingresso de capitais nos países emergentes e até a especulação com preços de commodities, que são negociadas em bolsa nos EUA", diz Wjuniski. "O cenário de liquidez vai mudar tão logo a situação econômica dos EUA e dos países ricos como um todo mudar, no médio prazo", afirma.
Para Wjuniski, muitos economistas não têm se dado conta do quão extraordinário é o período que o país vive hoje. "Estamos contando que o déficit é financiável porque o capital estrangeiro está entrando e continuará a entrar nesse ritmo no futuro".
As receitas a serem obtidas com a exploração do petróleo do pré-sal, porém, podem ajudar a amenizar os riscos relacionados à conta corrente, observa Akira. Embora seja difícil dimensionar hoje o ganho que haverá para a balança comercial e em que momento os recursos vão entrar no país, essa pode ser uma fonte de dinheiro importante, tornando mais sustentável a trajetória das contas externas no médio e no longo prazo.

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