sábado, 25 de junho de 2011

A viagem do yuan pelo mundo

Autor(es): Yu Yongding
Valor Econômico - 24/06/2011
 

Recentemente, o banco HSBC divulgou um estudo otimista prevendo que a moeda chinesa, o yuan, se tornará uma das três divisas de liquidação de transações internacionais (ao lado do euro e dólar) em algum momento neste ano. Parece que a internacionalização do yuan vem progredindo sem que ninguém perceba. As principais questões pendentes são se ele chegará a ser uma moeda internacional importante em pouco tempo e se a moeda se tornará um desafio sério ao domínio do dólar.
Certamente, a China tem muitos benefícios a ganhar com a internacionalização do yuan: eliminação dos riscos cambiais aos quais muitas empresas chinesas estão expostas; maior eficiência de financiamento para as instituições financeiras chinesas; incentivos ao comércio com seus vizinhos, possibilitados pela redução nos custos; menor necessidade de manter ativos em dólar e arriscar-se a ter perdas de capital em suas reservas; futuro status como uma das principais moedas de reservas do mundo, o que daria à mais liberdade para manobrar sua política econômica internacional e doméstica.
O entusiasmo da China com a internacionalização do yuan desde 2009 reflete, em parte, sua frustração com falta de progresso na reforma da arquitetura financeira internacional e com o estado da cooperação financeira regional. Autoridades chinesas acreditam que a internacionalização é uma forma de a China determinar sua própria agenda, sem ficar excessivamente limitada por condições externas além de seu controle.
Até agora, a China obteve progressos significativos no uso do yuan como moeda de liquidação.
Apesar desses feitos, a internacionalização do yuan poderia facilmente dar errado. Por exemplo, vários incentivos foram fornecidos para encorajar as empresas a usar o yuan para liquidar transações, mas, com uma taxa de câmbio desvalorizadas e fortes expectativas de valorização no futuro, os importadores de produtos chineses se recusam a usar a moeda para pagar as transações, enquanto os exportadores estrangeiros mostram-se satisfeitos em aceitá-la como pagamento. Como resultado, mesmo com uma balança comercial igual, a China acaba com mais reservas internacionais, quando o uso do yuan como moeda de liquidação deveria reduzir seu acúmulo.
A internacionalização do yuan progride sem que ninguém perceba. As principais questões pendentes são se chegará a ser uma moeda internacional importante em pouco tempo e se vai se tornar um desafio sério ao domínio do dólar ainda este ano.
De fato, a internacionalização do yuan mostrou um padrão claro de assimetria. Os bônus denominados em yuans encontram forte demanda, mas os não residentes não têm grande incentivo para emiti-los. Além disso, embora as instituições de crédito estrangeiras mostrem-se dispostas em conceder empréstimos em yuans, esse dinheiro não é bem-vindo para os captadores estrangeiros. Tendo em vista as fortes expectativas de valorização, a internacionalização levará inevitavelmente a um grave descasamento cambial, com possíveis consequências prejudiciais para a prosperidade da China.
Um problema mais sério para a internacionalização do yuan é o que isso implica para os controles de capitais chinês. Embora a internacionalização de uma moeda não seja equivalente a liberalizar a conta de capital, o grau de internacionalização é condicional à liberalização da conta de capital. De fato, a internacionalização do yuan abriu um novo buraco na muralha chinesa dos controles de capitais.
Quando uma moeda passa por um processo prolongado de valorização em uma só direção, o capital especulativo direcionado à arbitragem cambial buscará todas as chances para entrar nesse mercado. O dinheiro especulativo intensificará a pressão de valorização e complicará a gestão macroeconômica. No fim do jogo, quando os especuladores realizarem lucros, isso levará a imensas perdas para o bem-estar econômico do país receptor.
O medo do dinheiro especulativo não foi a principal razão para a China ter se recusado, até julho de 2005, a desatrelar sua moeda do dólar. Depois, embora tenha permitido a valorização gradual do yuan, recorreu a controles de capitais para impedir a entrada de dinheiro especulativo. Os controles são mal vedados, mas funcionaram e é por isso que a China manteve efetivamente a estabilidade macroeconômica ao longo dos anos.
O objetivo-chave dos controles de capitais chineses é impedir que não residentes tenham ativos domésticos, denominados em yuans, não relacionados ao comércio exterior e a fluxos de capitais de longo prazo. A internacionalização do yuan, no entanto, encoraja os não residentes a ter mais yuans e ativos denominados em yuans. Como resultado, os depósitos na moeda de residentes em Hong Kong chegaram a 370 bilhões de yuans (US$ 57 bilhões), volume que poderia subir a 1 trilhão de yuans até o fim do ano.
A atratividade do yuan deveria decorrer dos fortes fundamentos econômicos da China e da confiança em sua economia. Se for decorrente da expectativa de valorização do yuan, o sucesso da internacionalização pode ser facilmente revertido, causando mais problemas para as autoridades monetárias chinesas resolverem no futuro.
Por sorte, as autoridades monetárias do país já perceberam a sutil distinção entre a demanda legítima por ativos denominados em yuans e o dinheiro especulativo. Isso significa que o ritmo de internacionalização da moeda poderia tornar-se mais comedido do que os investidores internacionais esperavam.
Embora a internacionalização do yuan seja necessária, deveria ser orientada pelos princípios do mercado e buscada de forma cautelosa. É vital seguir uma sequência apropriada de ajustes na política econômica. Seja qual for o caso, o caminho do yuan para tornar-se uma moeda verdadeiramente internacional promete ser acidentado.
Yu Yongding é presidente da China Society of World Economics, ex-membro do comitê de política monetária do Banco do Povo da China e ex-diretor do Institute of World Economics and Politics, da Academia Chinesa de Ciências.

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