terça-feira, 14 de junho de 2011

Combate à inflação ressalta papel do BNDES na economia

Autor(es): Paulo Prada | The Wall Street Journal, do Rio
Valor Econômico - 13/06/2011
 

Por trás da expansão econômica do Brasil há um banco estatal que mantém crédito para as empresas. Agora esse motor de crescimento está colidindo com outra necessidade: controlar a inflação.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social anunciou semana passada um empréstimo de R$ 2,7 bilhões à Eldorado Celulose e Papel, do grupo JBS, com juro abaixo das taxas de mercado.
Dois dias depois, o Banco Central aumentou a taxa de juros pela quarta vez no ano, para 12,25%, a mais alta de qualquer grande economia.
As medidas contrastantes ressaltam o papel de protagonista, cada vez mais controverso, do BNDES. Embora o sucesso econômico do Brasil nos últimos anos seja conhecido em todo o mundo, pouco se reconhece o quanto isso se deve a enormes financiamentos públicos. Para ter uma ideia da escala, os empréstimos concedidos pelo BNDES ano passado, só no Brasil, são o triplo do montante que o Banco Mundial emprestou para mais de cem países.
O problema, dizem os que questionam a sensatez disso, é que, ao alimentar a demanda numa economia já em rápido crescimento, esse crédito todo acaba impulsionando a inflação e deixando o Banco Central sem alternativas que não a de impor juros estratosféricos - que oneram outros tomadores de empréstimos e valorizam a moeda, prejudicando as exportações. O real subiu quase 40% em relação ao dólar em dois anos.
"O governo está tentando aquecer e resfriar a economia ao mesmo tempo", disse Marcos Mendes, economista que assessora o Senado. "As autoridades monetárias têm poucas opções que não seja manter a rigidez enquanto o governo continua despejando dinheiro em veículos como o BNDES."
O debate sobre o papel do BNDES tem ficado mais intenso agora que o Brasil começa a ver alguns dados econômicos menos favoráveis. As previsões de crescimento para 2011 foram cortadas para a faixa de 3,5% a 4%, cerca de metade do índice do ano passado. A expansão no primeiro trimestre foi de 4,2% sobre igual período de 2010.
Embora o desemprego seja de modestos 6,4% e esteja em declínio, a inflação subiu substancialmente, para uma estimativa de 6,5%, mais de um ponto porcentual acima do ano passado. O mercado imobiliário está cheio de especuladores, provocando altas de dois dígitos nos preços em algumas cidades e alimentando temores de uma bolha.
Alimentos básicos como arroz e feijão praticamente dobraram de preço em três anos. "As coisas ficaram melhores por um tempo, pois há mais trabalho para todos", diz Rosângela Oliveira, de 47 anos, ex-operária em São Paulo atualmente afastada por invalidez. "Mas agora as coisas estão tão caras que os ganhos estão desaparecendo."
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, defende a grande oferta de crédito do banco, dizendo que ele só está preenchendo o vácuo deixado pelo setor privado.
Por causa do histórico de volatilidade econômica do Brasil, diz ele, os bancos brasileiros tinham tradicionalmente pouca disposição em apostar no futuro concedendo crédito de longo prazo. "Ou o BNDES financia ou ele não acontece", afirma.
De qualquer modo, o financiamento estatal é para o governo mais que questão de estímulo econômico. Para o governo do Partido dos Trabalhadores, no poder há mais de oito anos, o crédito estatal é também um meio de atingir metas mais amplas, como a de projetar o crescente poderio econômico brasileiro no exterior. O banco quer fomentar grandes empresas brasileiras com ampla abrangência mundial.
A ideia, inspirada, em parte, por um estudo de anos atrás e de que Coutinho foi um dos autores, é que o Brasil precisa de multinacionais conhecidas para concorrer com os países ricos e gigantes emergentes como a China.
"O Brasil tem, relativamente a outras economias em desenvolvimento, um número pequeno de empresas de porte global", disse Coutinho ao Wall Street Journal. A maioria são "formiguinhas", disse.
Para corrigir isso, o banco financia grandes fusões e aquisições, ajudando as empresas brasileiras que provaram ter competência para abocanhar concorrentes.
De 2007 a 2009, o BNDES emprestou mais de R$ 4,5 bilhões para um frigorífico que antes era de propriedade familiar, o JBS SA, para ajudá-lo a adquirir o controle de outras empresas de alimentos, como as americanas Swift & Co. e Pilgrim"s Pride Corp. A isso se somou o financiamento anunciado semana passada para a Eldorado Celulose.
Com essas decisões, o banco é "a única instituição no Brasil em que a ideologia do governo é claramente visível", diz um de seus ex-presidentes, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Lembrando como o regime militar usou o BNDES para promover a industrialização, ele acrescenta: "Na época, como agora, o objetivo era moldar o capitalismo brasileiro."
Os dirigentes do BNDES dizem que é errôneo culpar o crédito do banco pela alta da inflação e dos juros. Pelo contrário, argumentam, a inflação mostra como o crédito dele é necessário. A alta dos preços ao consumidor, dizem os dirigentes do banco, simplesmente prova que o país precisa de mais investimento - para garantir que a oferta futura de bens e serviços atenda à demanda.
"A maneira de sustentar crescimento é expandir a oferta mais que a demanda", diz João Carlos Ferraz, recentemente promovido a vice-presidente do BNDES. "Isso nos torna o parceiro mais estratégico e de longo prazo do banco central, porque ajudamos a evitar gargalos inflacionários."
O banco é a força financeira por trás de inúmeros projetos de infraestrutura e de outros tipos no Brasil. Suas iniciais são exibidas em canteiros de obras que vão de rodovias amazônicas ao centro do Rio. O banco já emprestou R$ 5,8 bilhões para empresas controladas pelo homem mais rico do Brasil, o bilionário Eike Batista, para projetos como dois portos.
"Não há nenhum recanto da economia em que não tenha se envolvido", diz João Roberto Lopes Pinto, um cientista político que mora no Rio e ajudou a convencer o banco a divulgar mais dados sobre seus empréstimos, que são tantos que até mesmo outras partes do governo às vezes reclamam que não conseguem entendê-los totalmente.
O banco mostrou seu valor depois que a crise financeira secou o crédito mundial, em 2008. O banco abriu as torneiras. O resultado para o Brasil foi um 2009 meramente estagnado - e seguido por uma bela recuperação em 2010, graças, em parte, ao papel do Brasil como exportador de commodities à China.
Os contribuintes bancam parte dessa conta. Os brasileiros já pagam o FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, para financiar o banco. Para suplementar isso e o faturamento com a carteira de crédito, o governo injetou R$ 185 bilhões do Tesouro nos cofres do banco nos últimos dois anos.
O Tesouro também banca a diferença entre os juros que o banco cobra - que podem ser de 6% - e as taxas de até 14% pelas quais o governo capta para o BNDES nos mercados mundiais. Essa diferença custa ao governo cerca de R$ 20 bilhões por ano, de acordo com uma estimativa.
O banco foi fundado em 1952, para apoiar grandes projetos necessários para elevar o Brasil ao mundo desenvolvido. Financiou estradas e represas e ajudou a trazer uma fábrica da Volkswagen ao país. O regime militar usou o banco para industrializar o país ainda mais.
O governo centrista dos anos 90 alterou seu papel, usando-o para supervisionar a privatização de monopólios estatais como a Vale SA. Mas a partir de 2002 o governo esquerdista de Luiz Inácio Lula da Silva, para quem vender ativos públicos era heresia, mudou o papel do banco novamente e passou a usá-lo para reafirmar a participação do Estado nas principais empresas brasileiras.
Quando um grupo de empregados da Vale vendeu suas ações, em 2003, o BNDES exerceu o direito de comprá-las em vez de deixar que investidores privados o fizessem. Mais recentemente, o banco apoiou a saída de Roger Agnelli da presidência da Vale. Agnelli resistia à pressão do governo para que a empresa se diversificasse para além da mineração para criar mais empregos.
Em troca dos empréstimos, o banco às vezes ganha uma participação ou assentos no conselho, o que aumenta a influência do governo nessas grandes empresas. Coutinho, que está na presidência do BNDES desde 2007, está nos conselhos da Vale e da Petróleo Brasileiro SA, cuja sede fica ao lado do prédio em que trabalha no Rio. O banco tem debêntures conversíveis da JBS que logo lhe propiciarão 31% da empresa.
Alguns críticos alegam que um banco de desenvolvimento deveria fazer menos para titãs empresariais e mais para nutrir pequenas empresas e setores econômicos nascentes, em parte para diversificar a economia brasileira, dependente das commodities. Apenas um quarto dos empréstimos do BNDES no ano passado foram para empresas com faturamento inferior a R$ 60 milhões. Coutinho diz que o banco reserva seus empréstimos mais baratos para empresas em setores "inovadores", mas que eles não são tão abundantes quanto ele gostaria.
Outros criticam o financiamento de aquisições empresariais no exterior. "Como é que o Brasil se beneficia quando a JBS compra uma empresa americana que vende comida americana a consumidores americanos? Isso nem aumenta nossas exportações", diz Mansueto Almeida, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea.
O principal ponto do crédito do BNDES que preocupa alguns é que ele continua a um ritmo bem superior ao de antes da crise, apesar da recuperação da economia brasileira. O banco concedeu R$ 168,4 bilhões ano passado, o maior valor de sua história.
"Uma coisa é ter um plano de emergência para um momento de crise mundial, outra é tornar isso a política normal", diz Gustavo Loyola, ex-presidente do BC.
O governo reduziu seu aporte ao banco a R$ 55 bilhões este ano e quer reduzi-lo mais, embora esse valor também continue bem acima do nível de antes da crise. Coutinho definiu planos para reduzir lentamente o papel do BNDES na economia, diminuindo a porcentagem que financiará de grandes projetos.
Realisticamente, esse papel só pode diminuir até um certo ponto, por causa dos grandes projetos de infraestrutura previstos para a Copa do Mundo e a Olimpíada de 2016. Estádios e outras instalações terão de ser erguidos. O governo também quer modernizar redes de energia, estradas e ferrovias. Só para a planejada linha férrea que deve ligar São Paulo a Rio, o BNDES deve emprestar R$ 20 bilhões.

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