quarta-feira, 15 de junho de 2011

O estrangeiro voltou para valer?

Autor(es): Beatriz Cutait | De São Paulo
Valor Econômico - 03/06/2011
 
Maio pode marcar um ponto de inflexão para a bolsa brasileira. Apesar da queda de 2,3% do Índice Bovespa, seu principal referencial, o investidor estrangeiro voltou a marcar forte presença no mercado acionário local.Depois de três meses de vendas superando as compras, o investidor externo retornou com força, deixando um saldo líquido de R$ 2,9 bilhões em maio. Foi o resultado mais alto desde os R$ 3,1 bilhões de setembro de 2010, quando o Ibovespa acumulou valorização de 6,6%.
O saldo elevado deste mês, porém, não conseguiu impedir a queda do índice, já que os recursos não foram para os papéis de maior peso no referencial, ligados a commodities e bancos. As principais altas do Ibovespa em maio foram de ações de empresas ligadas à economia local, como consumo e construção. Os papéis de companhias de telecomunicações também figuraram na lista, por conta de eventos societários no setor.
Considerada a grande vilã do descolamento do mercado acionário doméstico em relação ao de Wall Street e das bolsas europeias, a inflação está gradualmente perdendo força, o que já parece surtir efeito na disposição dos estrangeiros em atuar na Bovespa. A percepção do mercado é de que os efeitos das medidas macroprudenciais do Banco Central e da alta de juros começam a ser sentidos.
A inflação teve sua cota de participação na saída dos estrangeiros da Bovespa de fevereiro a abril, diz o analista da Citi Corretora César Crivelli. Ele destaca que houve ainda fatores internacionais que levaram o estrangeiro a trocar os mercados emergentes pelos desenvolvidos.
"As expectativas de inflação estavam altas e alguns índices, acima da média", lembra. "Agora, no curtíssimo prazo, as projeções estão se reduzindo e nossa visão é que, à medida que esta questão estiver sendo equacionada, com indicadores melhores que o esperado e as expectativas ao menos acomodadas, o fluxo deve voltar."
Para Crivelli, este parece ser um ponto de inflexão da atuação do investidor externo, ainda que haja algum "ruído" de curto prazo. O analista acrescenta que, assim que o mercado enxergar que o aumento da taxa Selic não precisará ser expressivo, a renda variável poderá ter um alívio.
Os estrangeiros puniram demais a Bovespa por conta do cenário mais pessimista, mas está havendo um retorno, constata Crivelli. O que não pode acontecer é a inflação "sair da curva" de novo, diz. "As expectativas têm de continuar a surpreender e os índices têm que mostrar que o pior já ficou para trás."
Com números de inflação melhores, o investidor mostra maior confiança nas políticas fiscal e monetária do país, diz o estrategista de renda variável da CM Capital Markets, Rafael Espinoso. "Havia muitas dúvidas no mercado sobre o novo governo, que começaram agora a clarear e, além disso, os preços dos ativos contribuem para um retorno do estrangeiro, porque o Brasil está ficando barato".
A saída do estrangeiro não ocorreu apenas na Bovespa, mas nos mercados emergentes como um todo, dado um excesso anterior de investimentos, afirma Pedro Martins Junior, estrategista de renda variável para América Latina do Bank of America Merrill Lynch. O Brasil, contudo, sofreu mais, em parte por ter sido um dos mercados preferidos ao longo de 2010. "Tecnicamente, todo mundo estava muito "comprado" em Brasil, o que já levaria a uma saída desproporcional."
O Brasil, observa, acabou também liderando, dentro do grupo de países emergentes, as preocupações com inflação, tanto em termos de expectativas como dos números correntes. O estrategista considera ainda que empresas ligadas a commodities ainda exerceram pressão de baixa sobre o Ibovespa, principalmente Petrobras e Vale, que sofreram com os sinais de ingerência do governo.
"Um raio x do comportamento da bolsa mostra que metade dele está ligada a commodities e outra, aos juros", afirma Martins. A percepção dele é de que, para essa segunda metade, a situação está melhorando. "Sentimos que existe uma disposição maior do estrangeiro em comprar papéis de bancos, varejo e construção, a dúvida macroeconômica ainda paira, mas, na margem, há uma melhora", afirma Martins.
Já no caso das ações dependentes do desempenho das commodities, o mercado opera em compasso de espera, diante das incertezas com relação ao fim da política de expansão monetária nos EUA - o chamado "quantitative easing" - e ao início de um aumento dos juros básicos americanos, além da desaceleração econômica em curso no país e os problemas fiscais na Europa.
Espinoso, da CM Capital Markets, observa que o investidor internacional está aproveitando o momento para comprar ativos de companhias brasileiras ligadas à economia doméstica, como do setor de consumo. Mas ainda mostra insegurança com relação aos papéis da Vale e da Petrobras, diante da influência do governo, e de bancos, em função de números maiores de inadimplência.
O economista da Mirae Asset Otavio Aidar diz que as incertezas com relação à economia brasileira têm diminuído, mas destaca que uma parte estrutural não está resolvida e que o cenário externo pode ajudar. Segundo o economista, o arrefecimento das economias americana e chinesa pode dar um impulso ainda maior para o controle da inflação brasileira. "A cautela impera na economia americana, porque ainda temos algumas incertezas, mas o cenário no Brasil, principalmente, para o estrangeiro é muito melhor que há dois meses", assinala.
Mas se o estrangeiro dá uma esperança para a retomada da Bovespa, ele não deixa de se garantir no mercado futuro, fazendo hedge (proteção). Na BM&FBovespa, os estrangeiros detêm um total líquido de 93.678 contratos de venda de Índice Futuro, que os protegem de um eventual recuo do referencial, o maior volume do ano.
O estrategista do Bank of America Merrill Lynch avalia que está havendo, neste momento, uma mudança de padrão. "No passado, quando havia uma incerteza em relação à bolsa, víamos uma saída pura e simples do estrangeiro", diz. "Hoje é custoso para o investidor mandar dinheiro para fora e trazer novamente, diante do IOF." Assim, os que acham que a fase negativa é temporária se protegem no mercado futuro.
Crivelli, da Citi Corretora, acrescenta que essa estratégia pode influenciar a recuperação do mercado. "O momento em que o investidor começar a zerar a posição vendida no mercado futuro pode dar um pouco mais de consistência e trazer força para o mercado à vista."

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