O processo de redistribuição de renda e redução de pobreza no Brasil, em curso desde o início dos anos de 1990, refletiu fatores atuantes do lado da demanda e da oferta. Do lado da demanda, controle da inflação com o Plano Real e os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, asseguraram o poder médio da moeda, colocando à disposição dos consumidores maior e mais estável poder de compra.
Entretanto, para redistribuir renda é preciso também produzir mais bens e a menores custos, ou seja, é preciso que a renda adicional seja gasta em bens cujos preços relativos não estejam em alta. Nesse sentido, entende-se que o agronegócio atuou do lado da oferta, ajudando a tornar real a transferência nominal de renda proporcionada pelos vetores de demanda.
Assumindo-se que os maiores beneficiários do controle da inflação e dos programas de transferência de renda despendem grande parte de sua renda em bens de origem agropecuária, em especial alimentos, para que a distribuição fosse efetiva, foi importante que os preços relativos desse setor não crescessem ao passo que o poder de compra do consumidor aumentava.
O termo "transferência do agronegócio" é aqui entendido como a perda ou ganho de renda decorrente de mudanças nos preços relativos e na produção do setor. É, portanto, a diferença entre a renda gerada (a preços constantes) e a renda apropriada (a preços reais) pelo agronegócio. Entre os anos de 1996 e 2008, a relação entre essas medidas indicou que o produto do setor cresceu com preços reais decrescentes.
Em termos monetários, a renda transferida pelo agronegócio da agricultura (lavouras) foi de R$ 398 bilhões - isso no acumulado do período. O setor pecuário (engloba diversas atividades deste ramo, como bovinocultura, avicultura, suinocultura etc) transferiu parcela ainda mais significativa: R$ 439 bilhões, o que representou 52% da transferência do agronegócio entre os anos de 1996 a 2008 (Figura 1).
Figura 1 - Transferência acumulada dos setores agrícola e pecuário, em R$ milhões de 2008
Fonte: Silva, 2010.
Em relação aos segmentos que compõem o agronegócio (insumos, primário, indústria e distribuição), o primário - que representa exatamente o produtor rural - foi o que mais "cedeu" renda (Figura 2). No segmento primário da agricultura, as transferências, bastante oscilantes, chegaram no acumulado do período, a R$ 179 bilhões. No segmento primário da pecuária, este montante foi ainda maior, alcançando um acumulado de R$ 214 bilhões.
Figura 2 - Renda transferida no acumulado do período pelos segmentos do agronegócio agrícola e pecuário - R$ milhões de 2008
Fonte: Silva, 2010.
Os segmentos de Indústria e Distribuição (transporte e comércio) também sofreram significativas perdas: o Industrial transferiu R$ 166 bilhões, sendo R$ 104 bilhões de produtos derivados do setor agrícola e R$ 62 bilhões de derivados da pecuária - veja que, ao contrário do visto no segmento primário (produtor rural), no segmento da indústria, transferência da agricultura foi maior que a da pecuária.
Do segmento da Distribuição, foram transferidos R$ 318 bilhões, sendo R$ 148 bilhões derivados do setor agrícola e R$ 170 bilhões referentes à pecuária. O segmento de Insumos transferiu as menores parcelas de sua renda, chegando, até mesmo, a receber renda em diversos momentos.
No balanço do período (1995 a 2008), o segmento de insumos para a agricultura recebeu o total de R$ 33 bilhões, na pecuária o segmento foi beneficiado com cifra relativamente menor: R$ 8 bilhões.
A análise dos preços enfrentados pelos agentes ligados ao agronegócio ajuda a melhor compreender os resultados da transferência de renda expostos acima. No caso da pecuária, os recuos de preços mais significativos, em especial no segmento primário, justificam as maiores transferências derivadas do setor.
A partir da Figura 3 pode-se constatar que os preços pagos pelos insumos para pecuária tendeu sempre a crescer, enquanto os preços dos produtos primários e industriais desse setor mantiveram tendência de queda, sendo que, no final do período, os preços destes segmentos recuaram em média 7% e 14% em relação aos níveis de 1995. Paralelamente, os preços pagos pelos insumos aumentaram próximo de 20%, pesando, portanto, no desempenho do setor.
Figura 3 - Evolução dos preços reais dos segmentos do agronegócio pecuário (R$ de 2008)
Fonte: Silva, 2010
A agricultura também enfrentou custos crescentes na aquisição de seus insumos (Figura 4), mas os preços recebidos pelos produtores, apesar de oscilantes, não caíram expressivamente, o que ajudou a compensar o aumento de custos.
No caso do segmento primário da agricultura, a aceleração dos preços recebidos entre os anos de 2002 e 2004 impediu que, no acumulado de 1995 a 2008, o segmento transferisse uma parcela ainda maior de sua renda. Diferente do observado na pecuária, que durante todo o período registrou recuo real nos preços recebidos pelos produtores, refletindo, portanto, num maior montante de renda transferida pelo segmento primário do setor. Ao final de 2008, enquanto o segmento primário agrícola havia transferido R$ 179 bilhões, na pecuária, este montante chegava a R$ 214 bilhões.
"Antes da porteira", o crescimento vertiginoso dos preços dos principais insumos para agropecuária explica o ganho de renda pelo segmento, seja na agricultura (R$ 33 bilhões) seja na pecuária (R$ 8 bilhões).
Figura 4 - Evolução dos preços reais dos segmentos do agronegócio agrícola (R$ de 2008)
Fonte: Silva, 2010
No balanço do período, o cenário de queda de preços somado ao aumento da produção, representou perda de renda ao agronegócio, mas, ao mesmo tempo, significou melhora do poder aquisitivo dos consumidores, em especial das famílias de baixa renda - as quais despendem parcela significativa da renda em alimentos.
Esse resultado só foi possível devido ao intenso aumento de produtividade no agronegócio que aliviou os custos do setor, favorecendo os recuos de preços. Ao mesmo tempo, sabe-se que a produtividade é movida pela adoção de novas tecnologias, o que se dá na expectativa de aumento de lucro (ou redução de prejuízos) por parte dos que a fazem. Nesse sentido, há que se garantir preços que remunerem os esforços de produção do agronegócio para que desestímulos não surjam, o que, em períodos futuros, poderia refletir em redução da oferta de alimentos e, portanto, em elevação dos preços.
Por Adriana Ferreira Silva, economista e mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa; doutora em Economia Aplicada pela Esalq/USP; pesquisadora do Cepea/Esalq/USP.
Entretanto, para redistribuir renda é preciso também produzir mais bens e a menores custos, ou seja, é preciso que a renda adicional seja gasta em bens cujos preços relativos não estejam em alta. Nesse sentido, entende-se que o agronegócio atuou do lado da oferta, ajudando a tornar real a transferência nominal de renda proporcionada pelos vetores de demanda.
Assumindo-se que os maiores beneficiários do controle da inflação e dos programas de transferência de renda despendem grande parte de sua renda em bens de origem agropecuária, em especial alimentos, para que a distribuição fosse efetiva, foi importante que os preços relativos desse setor não crescessem ao passo que o poder de compra do consumidor aumentava.
O termo "transferência do agronegócio" é aqui entendido como a perda ou ganho de renda decorrente de mudanças nos preços relativos e na produção do setor. É, portanto, a diferença entre a renda gerada (a preços constantes) e a renda apropriada (a preços reais) pelo agronegócio. Entre os anos de 1996 e 2008, a relação entre essas medidas indicou que o produto do setor cresceu com preços reais decrescentes.
Em termos monetários, a renda transferida pelo agronegócio da agricultura (lavouras) foi de R$ 398 bilhões - isso no acumulado do período. O setor pecuário (engloba diversas atividades deste ramo, como bovinocultura, avicultura, suinocultura etc) transferiu parcela ainda mais significativa: R$ 439 bilhões, o que representou 52% da transferência do agronegócio entre os anos de 1996 a 2008 (Figura 1).
Figura 1 - Transferência acumulada dos setores agrícola e pecuário, em R$ milhões de 2008
Fonte: Silva, 2010.
Em relação aos segmentos que compõem o agronegócio (insumos, primário, indústria e distribuição), o primário - que representa exatamente o produtor rural - foi o que mais "cedeu" renda (Figura 2). No segmento primário da agricultura, as transferências, bastante oscilantes, chegaram no acumulado do período, a R$ 179 bilhões. No segmento primário da pecuária, este montante foi ainda maior, alcançando um acumulado de R$ 214 bilhões.
Figura 2 - Renda transferida no acumulado do período pelos segmentos do agronegócio agrícola e pecuário - R$ milhões de 2008
Fonte: Silva, 2010.
Os segmentos de Indústria e Distribuição (transporte e comércio) também sofreram significativas perdas: o Industrial transferiu R$ 166 bilhões, sendo R$ 104 bilhões de produtos derivados do setor agrícola e R$ 62 bilhões de derivados da pecuária - veja que, ao contrário do visto no segmento primário (produtor rural), no segmento da indústria, transferência da agricultura foi maior que a da pecuária.
Do segmento da Distribuição, foram transferidos R$ 318 bilhões, sendo R$ 148 bilhões derivados do setor agrícola e R$ 170 bilhões referentes à pecuária. O segmento de Insumos transferiu as menores parcelas de sua renda, chegando, até mesmo, a receber renda em diversos momentos.
No balanço do período (1995 a 2008), o segmento de insumos para a agricultura recebeu o total de R$ 33 bilhões, na pecuária o segmento foi beneficiado com cifra relativamente menor: R$ 8 bilhões.
A análise dos preços enfrentados pelos agentes ligados ao agronegócio ajuda a melhor compreender os resultados da transferência de renda expostos acima. No caso da pecuária, os recuos de preços mais significativos, em especial no segmento primário, justificam as maiores transferências derivadas do setor.
A partir da Figura 3 pode-se constatar que os preços pagos pelos insumos para pecuária tendeu sempre a crescer, enquanto os preços dos produtos primários e industriais desse setor mantiveram tendência de queda, sendo que, no final do período, os preços destes segmentos recuaram em média 7% e 14% em relação aos níveis de 1995. Paralelamente, os preços pagos pelos insumos aumentaram próximo de 20%, pesando, portanto, no desempenho do setor.
Figura 3 - Evolução dos preços reais dos segmentos do agronegócio pecuário (R$ de 2008)
Fonte: Silva, 2010
A agricultura também enfrentou custos crescentes na aquisição de seus insumos (Figura 4), mas os preços recebidos pelos produtores, apesar de oscilantes, não caíram expressivamente, o que ajudou a compensar o aumento de custos.
No caso do segmento primário da agricultura, a aceleração dos preços recebidos entre os anos de 2002 e 2004 impediu que, no acumulado de 1995 a 2008, o segmento transferisse uma parcela ainda maior de sua renda. Diferente do observado na pecuária, que durante todo o período registrou recuo real nos preços recebidos pelos produtores, refletindo, portanto, num maior montante de renda transferida pelo segmento primário do setor. Ao final de 2008, enquanto o segmento primário agrícola havia transferido R$ 179 bilhões, na pecuária, este montante chegava a R$ 214 bilhões.
"Antes da porteira", o crescimento vertiginoso dos preços dos principais insumos para agropecuária explica o ganho de renda pelo segmento, seja na agricultura (R$ 33 bilhões) seja na pecuária (R$ 8 bilhões).
Figura 4 - Evolução dos preços reais dos segmentos do agronegócio agrícola (R$ de 2008)
Fonte: Silva, 2010
No balanço do período, o cenário de queda de preços somado ao aumento da produção, representou perda de renda ao agronegócio, mas, ao mesmo tempo, significou melhora do poder aquisitivo dos consumidores, em especial das famílias de baixa renda - as quais despendem parcela significativa da renda em alimentos.
Esse resultado só foi possível devido ao intenso aumento de produtividade no agronegócio que aliviou os custos do setor, favorecendo os recuos de preços. Ao mesmo tempo, sabe-se que a produtividade é movida pela adoção de novas tecnologias, o que se dá na expectativa de aumento de lucro (ou redução de prejuízos) por parte dos que a fazem. Nesse sentido, há que se garantir preços que remunerem os esforços de produção do agronegócio para que desestímulos não surjam, o que, em períodos futuros, poderia refletir em redução da oferta de alimentos e, portanto, em elevação dos preços.
Por Adriana Ferreira Silva, economista e mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa; doutora em Economia Aplicada pela Esalq/USP; pesquisadora do Cepea/Esalq/USP.
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