sábado, 27 de agosto de 2011

A industrialização a qualquer custo e a nova Política Industrial

Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 4331 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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Artigo de Amilcar Baiardi enviado ao JC Email pelo autor.
A expansão industrial terminou por ser no Brasil um modelo de crescimento econômico baseado essencialmente no setor secundário, revelando-se, ao longo do tempo, setorialmente centralizador, espacialmente concentrador, urbanamente aglomerador e socialmente excludente. Na primeira metade na década de cinqüenta, quando a economia do país ingressava na fase de implantação da indústria de bens de capital, completando o ciclo da industrialização tardia, um amplo espectro do pensamento nacional, localizado no Instituto Superior de Estudos Brasileiros, ISEB, defendia a industrialização a qualquer custo. Ignácio Rangel era, naquele ambiente, o único cético em relação aos rumos das, então, políticas de fomento industrial. Criticava nas mesmas a falta de planejamento para promover a integração e reduzir a capacidade ociosa da economia nacional, entendida como sendo constituída pelos recursos humanos e naturais colocados à margem da dinâmica expansionista. Antecipava, por outro lado, os efeitos perversos da concentração industrial, como a formação de megalópoles e os desequilíbrios regionais, antevendo a possibilidade, não muito distante, de esgotamento do padrão de industrialização baseado na substituição de importações.

Como alternativa, recomendava uma política de desenvolvimento fundamentada nos usos dos recursos ociosos, a qual suporia, dentre outras medidas, a reforma agrária, o povoamento ao longo dos eixos rodoviários e a desconcentração produtiva, setorial e regionalmente. Sua voz não foi ouvida e as interpretações parciais das teses da Cepal, de Raul Prebisch, falaram mais alto, fazendo com que a industrialização, a qualquer custo e acelerada, se tornasse a política de Estado no Brasil, por décadas.

Como se nada houvesse mudado, como se revoluções científico-tecnológicas não tivessem ocorrido de lá para cá, como se a assimetria nos mercados só fosse possível mediante a transformação industrial, como se não houvesse possibilidade de agregação de valor ao longo das cadeias derivadas da produção vegetal-animal e mineral e da qualificação dos serviços, anuncia-se uma nova política industrial, "Plano Brasil Maior", e, associada à mesma, a criação de um ente, "uma Embrapa para a Indústria", a Embrapii. A industrialização a qualquer custo volta a ser agenda da política industrial. Passa-se a idéia da necessidade de intervenções que restaurem a competitividade da indústria convencional sem avaliar se haverá lugar para elas em uma nova divisão internacional da produção industrial.  Em síntese, pretende-se reverter a chamada "desindustrialização" com receituário fortemente eivado de subsídios e, para modernizar o discurso, anuncia-se a criação de um órgão que, definitivamente, seria a ponte entre a pesquisa e o desenvolvimento, P&D, e as empresas do setor secundário.

É ocioso lembrar que subsídios generosos desestimulam a inovação. De outra parte, convém sempre insistir que os problemas de escassa geração de patentes e de baixa apropriação de inovações pelo setor industrial no Brasil, não se devem à falta de legislação e de órgãos, pois já se tem a "lei da inovação, a "lei do bem", a ABDI, o Sibratec, a Anpei, a rede de INCTs etc. Esquece-se também, quando se propõe a analogia tendo em vista o sucesso da Embrapa, que o setor agropecuário é menos concentrado, com poucas barreiras à entrada, sendo comum ter-se no mesmo, inovações induzidas por grupos de pressão de produtores rurais, o que foi estudado por Hayami e Ruttan na década de setenta do século passado. Em todo o mundo, o setor agropecuário é tido como aquele no qual as forças de mercado são o determinante principal da mudança técnica, teorias da demand pull, vis à vis as influencias derivadas da visão da oferta tecnológica como um impulso autônomo ou quase autônomo, teorias do technolgy push. Dizendo de outro modo, o que vale para setor agropecuário, uma empresa estatal que gera e difunde inovações, não se aplica mecanicamente ao setor secundário.   

A primeira coisa a se fazer quando se pensa em macropolíticas de incentivo à produção, é não se considerar como anomalia que a composição do PIB esteja mudando, favorecendo aos negócios derivados da agricultura, silvicultura e mineração e reduzindo participação dos setores convencionais da indústria brasileira. Parque industrial convencional deixou de ser uma meta para a maioria dos países industrializados, que não abrem mão de ofertar no mercado internacional bens com elevado valor agregado, resultantes de conhecimento científico embutido. Por outro lado, a economia brasileira tem especificidades e não se pode ver este processo de mudança estrutural do PIB como sendo uma mudança precoce e não virtuosa e muito menos supor ser uma apocalipse a redução da participação da indústria convencional na renda nacional. Entender esta mudança como sendo própria e exclusiva de economias maduras é, de outra parte, um reducionismo. A Austrália e o Chile têm tecidos produtivos com menos adensamento setorial e maior peso de agroindústrias e nem por isso perdem nas trocas internacionais.

A essência da proposta de Prebisch/Cepal era reverter o comércio desigual e isso não tem, contemporaneamente, como única via, o apoio à indústria convencional. A recente onda de valorização de matérias primas e commodities tende a se manter e o Brasil pode se beneficiar exponencialmente, se prosseguir incorporando inovações de processo e ampliar a incorporação de inovações de produto aos setores que absorvem como insumos a produção primária. Pesquisa recente do BNDES (FSP de 19/08/2011) estima que, até 2014, aumentará a concentração de investimentos no setor primário, o que é um sinal inequívoco de dinamismo setorial. O crescimento do setor não significa exclusivamente expansão da produção de commodities e bens intermediários, pois não há limites para inovar na produção de bens finais, sejam eles alimentos diferenciados, alimentos terapêuticos, bio-fármacos, fibras naturais, tecidos, sementes modificadas geneticamente, bioenergéticos e derivados da produção mineral que possam ir além dos metais e ligas. Da mesma forma, não há limites para inovações de processo que reduzam o custo unitário dos bens produzidos, provenham eles do campo ou das minas.

A experiência italiana dos Distritos Agroalimentares sugere a possibilidade de determinados territórios, com tecido produtivo menos concentrado, se especializarem na oferta de bens derivados da produção vegetal e animal com elevado valor agregado e com facilidades de diferenciação e reciclagem expressivas. A Argentina começa também a ter sucesso com uma produção láctea modificada geneticamente, incorporando bio-fármacos, elevando assim sua capacidade de competição neste setor. As vantagens no comércio internacional e de participação no mercado doméstico dependem muito mais de estratégias empresariais que propriamente de benefícios de políticas como a "Brasil Maior".  O empresariado do chamado complexo agroindustrial tem demonstrado ser inovador, adotou boas práticas de gestão, é agressivo em termos de mercado internacional e aderiu às certificações que garantem aceitação dos seus produtos. Devidamente estimulados, estes agentes poderiam adensar as cadeias produtivas lançando novos produtos com maior sofisticação e com capacidade de serem formadores de preços.  Obviamente que nesta qualificação e adensamento das cadeias produtivas no setor primário, não se pode prescindir da presença do Estado na ampliação da competitividade sistêmica, por meio de investimentos em infraestrutura e remoção dos gargalos burocráticos.

O foco do "Plano Brasil Maior" não deve se restringir aos setores convencionais da indústria brasileira, re-editando medidas que favorecem essencialmente aos mesmos e negligenciando aqueles com maior dinamismo. Mais sábio seria criar incentivos para acelerar a modernização tecnológica em toda a economia, inclusive as cadeias minero-agrícolas, pois delas poderão resultar inúmeros bens finais com elevado valor de mercado, alguns até se beneficiando das vantagens monopólicas temporárias.

A recusa em ver com pessimismo o crescimento da participação do agronegócio no PIB brasileiro foi manifestada em  recente Painel intitulado "Agricultura Brasileira: Fazenda do Mundo", durante o 49º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, realizado no fim de julho em Belo  Horizonte, quando pesquisadores da Embrapa e professores-pesquisadores da UFV e ESALQ-USP, foram categóricos em não ver problema nesta expansão, uma vez que ela responde a vantagens comparativas inequívocas e vantagens competitivas construídas.

Em um debate recentíssimo no Centro Internacional Celso Furtado no Rio de Janeiro, idêntica posição foi assumida por pesquisador da UFRJ (FSP de 19/08/2011). Em lugar de recriar velhos subsídios com nova roupagem e centrar atenções na indústria convencional com criação de novos entes com as mesmas missões de apoio à transferência de tecnologia para setor industrial, o Brasil deveria pensar em um eficiente sistema nacional de inovações que coordenasse tudo que já existe e que estivesse voltado tanto para o setor secundário como para os setores primário e terciário, pois, o que conta, é a capacidade de produzir mercadorias que atraiam os consumidores e tenham preços competitivos, provenham elas de onde for mais viável técnica e economicamente.

Nesta trajetória, conviria abrir uma interlocução intensa com a Abipti, Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa Tecnológica (não somente com o INT e o IPT como está previsto na Portaria do MCTI 593 que cria o grupo de trabalho da Embrapii), com a rede de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, INCTs, que transfiram conhecimento para a indústria e com as representações de produtores de todos os setores, CNI, CNA etc., tentando, ao nível nacional, reproduzir experiências internacionais e gerar novas institucionalizações visando um sistema nacional de inovação, com governança, legitimado e que funcione.  

Amilcar Baiardi é professor titular da UFBA e da UFRB e doutor em economia pela Unicamp. Foi professor visitante da Universidade de Aarhus, Dinamarca, e da Universidade de Bolonha, Itália.

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