quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pacote de crédito ainda não decolou


Autor(es): Vinícius Pinheiro
Valor Econômico - 23/08/2011
 

Anunciado com grande alarde pelo governo no final do ano passado, o pacote para incentivar as emissões de títulos privados de longo prazo com o objetivo de financiar projetos de investimento e de infraestrutura ainda não saiu do papel. As medidas - baseadas em um conjunto de desonerações fiscais e estímulo às negociações no mercado secundário - esbarram em gargalos tanto na falta de regulamentação como em decisões recentes do próprio governo para conter a valorização do real.
Existe um consenso de que os recursos estatais não serão suficientes para dar conta da necessidade de investimentos do país, estimada em R$ 1,3 trilhão entre 2010 e 2013. O mercado de capitais - que seria a alternativa óbvia para suprir a lacuna que não poderá ser preenchida pelo setor público - há anos convive com um paradoxo: não conta com emissões de longo prazo em razão da falta de liquidez dos papéis, e a liquidez é restrita porque não existem títulos de longo prazo em circulação.
De um modo geral, os especialistas avaliam que o governo atendeu às principais carências do setor com as medidas de desoneração. Entre as novidades do pacote - editado na forma de medida provisória e convertido em lei em junho passado - está a isenção de imposto de renda para os estrangeiros que aplicarem em títulos privados. A expectativa é que o benefício fiscal produza o mesmo resultado de quando foi adotado com os papéis do governo, que tiveram forte aumento na procura por investidores de fora do país.
Desde janeiro, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentou essa parte da regra, todas as operações com prazo médio ponderado superior a quatro anos e cujos recursos sejam destinados a projetos de investimento já estão isentas de IR para os estrangeiros. Mesmo assim, nenhuma emissão foi realizada até o momento.
Embora esteja isento do IR, todo investimento externo em renda fixa no país está sujeito à cobrança de 6% de IOF na entrada dos recursos, medida adotada em outubro passado para conter a apreciação do real. "A cobrança acaba anulando o ganho com o IR", diz o advogado Fernando Tonanni, sócio do escritório Machado Meyer, que participou na semana passada de seminário sobre o tema realizado na Câmara Britânica (Britcham). Ele lembra que outras formas de captação, como empréstimos e bônus emitidos no exterior com prazo superior a dois anos, possuem alíquota zero de IOF.
A própria validade da resolução pode ser questionada do ponto de vista jurídico, segundo o advogado. "A regulação do CMN [Conselho Monetário Nacional] foi feita em cima da medida provisória, que sofreu mudanças em relação à lei aprovada pelo Congresso", pondera Tonanni.
Além do incentivo ao estrangeiro, o pacote baixado pelo governo em dezembro prevê a isenção do IR para pessoas físicas e a redução da alíquota para empresas, de 25% para 15%, no investimento em debêntures destinadas a projetos de infraestrutura. Na conversão da MP em lei, o Congresso estendeu o benefício a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. A definição dos tipos de empreendimentos que poderão se beneficiar da tributação menor, no entanto, ainda depende de regulamentação, o que impede a realização de qualquer emissão no mercado.
Outra crítica recorrente quando se fala em financiamento de longo prazo é a grande presença dos bancos públicos, que acaba inibindo a atuação dos agentes privados. "O BNDES poderia tirar o pé do acelerador em setores já consolidados", afirma Renato Mazzola, gestor de infraestrutura na área de private equity do BTG Pactual.
O executivo, que durante cinco anos atuou no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), considera que o mercado tem condições hoje de suprir a carência de recursos em áreas como rodovias e energia, o que abriria espaço para o governo ampliar os esforços em projetos de água e saneamento, setor em que os bancos comerciais possuem maiores restrições e onde o ganho econômico-social do investimento público seria ainda maior.
Incentivos fiscais à parte, os especialistas avaliam que o próprio governo acaba sendo um concorrente do setor privado por conta das altas taxas de juros da economia brasileira, que acabam inibindo tanto a iniciativa de empresas que precisam captar recursos no mercado como de investidores, que preferem a segurança e a boa remuneração proporcionadas pelos títulos públicos.

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