segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ainda a crise da Embrapa



6 de abril de 2012 | 20h00 http://blogs.estadao.com.br/celso-ming/
Celso Ming
A Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) perdeu o bonde e enfrenta séria crise de identidade a ser resolvida – como a Coluna de domingo passado mostrou. Mas ela não está sozinha. Justamente quando o agronegócio assumiu importância nunca vista no Brasil, a mesma crise de identidade que acometeu a Embrapa alcançou outros centros de pesquisa agropecuária, financiados com recursos públicos consagrados pelas impressionantes contribuições do passado.
É o que aponta o pesquisador científico José Sidnei Gonçalves, do Instituto de Economia Agrícola do Governo de São Paulo. Ele se pergunta sobre o futuro do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Nos anos 50, o IAC garantiu enormes avanços na cafeicultura ao desenvolver variedades Novo Mundo e estender a cultura para fora das manchas de terra roxa, sobretudo para o Cerrado. Hoje, no entanto, também enfrenta crise de identidade e o risco de ser reduzido à insignificância.
Gonçalves se impressiona com a dizimação da rede das “Casas da Lavoura”, que fornecia assistência técnica para o agricultor paulista. Para ele, institutos públicos de pesquisa genética são esvaziados pelo desmonte de redes públicas de assistência técnica e extensão rural, antigos canais de distribuição das sementes feitas pelos centros públicos de pesquisa. E, também, com a “mudança de padrão de financiamento da produção agropecuária com base no crédito subsidiado”.
O principal agente de financiamento das safras deixou de ser o velho crédito rural, oferecido principalmente pelo Banco do Brasil. Passou a ser coberto pelo lançamento de letras de crédito agrário no mercado interno de capitais, por meio da rede bancária privada.
Nessa paisagem, o vazio deixado pelos institutos foi ocupado por grandes empresas do ramo – como Monsanto, Agroceres e Syngenta – que contribuem cada vez mais com sementes desenvolvidas pela iniciativa privada.
Outro especialista em Pesquisa Agropecuária, Luís Galhardo, vê mais fatores que têm esvaziado a Embrapa. Um deles foi o Plano de Demissão Voluntária há alguns anos, que aposentou, no auge de sua capacidade científica, grande número de pesquisadores que deixaram uma lacuna em seus quadros.
Galhardo reconhece que as leis que anteriormente proibiam processos de modificação genética (transgenia) paralisaram a Embrapa. Mas este não é para ele motivo suficiente para estagnar a empresa. Ele observa que a soja tolerante ao herbicida glifosato (produto hoje líder de mercado fornecido pela Monsanto) permitiu o aparecimento de plantas daninhas tolerantes ao próprio glifosato, que prejudicam a produtividade da cultura. Isso reabre perspectivas para novas variedades a serem desenvolvidas por outros centros de pesquisa.
Isso significa que a Embrapa tem um campo fértil pela frente, lembra Galhardo. Mas, para isso, tem de se livrar do jogo corporativista do seu atual quadro de pessoal, avesso às transformações. Não é o fim do mundo perder o bonde. Quanto a isso, é como o metrô. Logo vem outro.
CONFIRA
Ainda não há indícios de que o aplicador esteja trocando fundos de renda fixa, cuja remuneração vem sendo reduzida com a queda dos juros, por depósitos nas cadernetas. Essas pagam rendimento fixo (6,17% ao ano mais TR) que não são comidos nem pelo Imposto de Renda nem pelas taxas de administração.
Por que não mudou antes? O governo aceitou mudar o indexador das dívidas de Estados e Municípios. Mas avisou que não fará nada antes das eleições para não atropelar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Então por que não mudou antes?

A Embrapa perdeu o bonde


Celso Ming
 Com toda razão, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) segue sendo festejada por sua participação decisiva no grande salto do agronegócio brasileiro. Mas, nesse ramo, não basta competir. E ficar parado é condenar-se à insignificância.
Há cinco anos, sementes com tecnologia da Embrapa respondiam por 50% da produção de soja do Brasil; hoje, não passam de 10% – estima a consultoria Céleres. Esse encolhimento não se deve apenas à insuficiência de recursos para pesquisa, mas também a graves equívocos estratégicos do passado.
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Durante bom tempo, contaminada por preconceitos ideológicos, a administração da Embrapa se recusou a avançar no desenvolvimento de técnicas de modificação genética. Temia pela produção de aberrações vegetais e de prejuízos para a saúde e para o meio ambiente. Bastou isso para que a pesquisa nacional do setor se ananicasse. Abriu-se espaço enorme, hoje dificilmente recuperável, para sementes transgênicas de grandes multinacionais, como Monsanto, Syngenta e Bayer CropScience.
A regulamentação para liberação das culturas transgênicas no Brasil ocorreu em 2005. Desde então, a CTNbio, organismo encarregado de aprovar sementes geneticamente modificadas no País, liberou 32 variedades, duas produzidas pela Embrapa. Nenhuma delas está no mercado.
O encolhimento do orçamento resulta, em grande parte, desse desvio original corrigido tarde demais. Enquanto empresas privadas destinam US$ 2 bilhões por ano para pesquisas em biotecnologia, a Embrapa conta só com US$ 200 milhões.
Ou seja, a empresa sobrevive estrangulada por insuficiência de recursos. Uma saída seria abrir seu capital, para que reforçasse seu patrimônio sem perder sua condição de empresa pública. Desde 2008, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) tenta aprovar no Congresso o aumento do seu capital nos moldes de Petrobrás e Banco do Brasil, ambas de economia mista e ações negociadas em bolsa. Mas essa resposta tem hoje nova fonte de preconceitos: é percebida por certos meios como privatização disfarçada, como se a privatização fosse o diabo. Seu presidente, Pedro Arraes, por exemplo, deixou clara há alguns dias sua posição ao Valor Econômico. Quer uma Embrapa puro-sangue, com 100% de capital estatal, e o Legislativo fora dessa discussão.
Se for para esse lado, a Embrapa periga deixar de ser empresa de ponta e se recolherá a pequenos nichos. Há quem pondere, como Flávio Finardi, presidente da CTNBio, que o foco principal da Embrapa não é lucrar, mas fornecer ao pequeno produtor meios de se desenvolver com baixos custos. Mas o próprio Finardi não vê objeção para esse processo ser financiado com capitais obtidos no mercado: “Não teria nada de privatização nisso”.
No entanto, fica nítida a necessidade de se rever o papel da Embrapa. Ou muda ou será rebaixada para a terceira divisão. O sócio-diretor da consultoria Céleres, Anderson Galvão, adverte: “Existe uma crise de identidade a ser resolvida, a Embrapa perdeu o bonde”. / COLABOROU GUSTAVO SANTOS FERREIRA



Embrapa quer transgênicos tolerantes a longas secas

Autor(es): Por Tarso Veloso | De Brasília
Valor Econômico - 02/02/2012
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/2/2/embrapa-quer-transgenicos-tolerantes-a-longas-secas/?searchterm=Pedro%20Arraes

Após o grave problema da seca na região Sul, causado pelo fenômeno La Niña, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está acelerando os estudos genéticos para o desenvolvimento de variedades transgênicas de cana, soja e milho resistentes à estiagem prolongada.
A estatal quer se concentrar em 2012 nas pesquisas de aumento da produtividade dessas três culturas, que têm baixo rendimento em algumas regiões devido a características climáticas.
Os melhores resultados até agora foram conseguidos com a cana. "Dentre várias amostras testadas, uma delas já mostrou tolerância maior ao clima seco. Não é uma pesquisa de curto prazo, mas estamos fazendo progressos", disse o diretor-presidente da estatal, Pedro Arraes, ao Valor. A preocupação do governo é aumentar a produção para evitar, no futuro, uma redução maior da oferta de etanol no mercado doméstico.
O presidente da estatal também ressalta avanços em outras áreas de pesquisa. Entre elas, a do sistema de integração lavoura-pecuária, que já se encontra em fase final de testes. Ao todo, foram usados 192 campos de observação para medir qual proporção das terras deve ser dividida entre florestas e plantações para mitigar os efeitos do gás metano expelido pelos rebanhos.
O próximo passo para o projeto será a construção de uma central de consolidação em Campinas (SP) para trabalhar com os dados coletados. Arraes avalia que até o fim do ano a central deverá estar pronta. Após o fim das pesquisas, a Embrapa vai se unir a um consórcio com cinco empresas privadas para treinar esses técnicos nos procedimentos de extensão rural.
Apesar dos planos ambiciosos da estatal, o orçamento para 2012 será praticamente o mesmo do ano passado, próximo de R$ 1,8 bilhão. Mesmo com a promessa do governo de cumprir a meta do superávit primário, de 3,1% do PIB, Arraes diz não crer em um arrocho nos recursos da Embrapa. "Os sinais que temos recebido do governo é de que não haverá contingenciamento dos nossos recursos", afirma o presidente da empresa.
Em arrecadação indireta, dinheiro proveniente de royalties, Laboratórios Virtuais da Embrapa no Exterior (Labex), patentes e outras fontes - exceto o Tesouro Nacional - a estatal contabilizou R$ 40 milhões em 2011. "Estamos expandindo o pilar científico pelo mundo. Vamos criar um Labex na China e outro no Japão. Hoje, temos 10 laboratórios virtuais espalhados em quatro continentes", diz Arraes.
Em 2011, a Embrapa ganhou reforço em seu quadro de funcionários. O número de servidores alcançou 9.843 no ano passado. Em 2010, eram pouco mais de 9 mil. O crescimento se deve ao rápido ritmo de contratações. "Nos últimos dois anos, foram admitidas quase 1,7 mil pessoas. Mesmo com a saída de alguns servidores, conseguimos aumentar o quadro", afirma Arraes. Só na área de pesquisa para a cana-de-açúcar são 189 servidores.
Com o aumento das pesquisas pelo país, a Embrapa vai construir, até o fim do ano, o terceiro maior banco de germoplasma do mundo. Em Brasília, o centro vai armazenar até 750 mil espécies diferentes. Essa unidade será uma "central" para depósito de sementes, já que cada centro regional conta hoje com um pequeno estoque de variedades. "Cada centro que trabalha com um produto tem sua coleção, que fica armazenada por 20 anos. Ao todo, são 27 bancos de germoplasma espalhados pelo país, entre os quais arroz, feijão, milho, sorgo, soja, mandioca e guaraná", exemplifica.
A Embrapa também vai desenvolver este ano um projeto de gestão rural, amparado em um processo de zoneamento georreferenciado. Todos os biomas serão pesquisados para que se saiba qual cultura se adapta melhor a determinadas localidades. Em seguida, a Embrapa oferecerá consultoria aos produtores para que migrem para as culturas que melhor se desenvolvem em suas regiões. "Poderemos identificar um produtor que poderia ter uma maior produtividade com outra cultura em sua região", afirma Arraes.
A Embrapa, segundo o presidente da estatal, quer abandonar a imagem de empresa pesquisadora para se aproximar mais dos produtores. Após "décadas" de pesquisa intensiva, a estatal quer refazer sua imagem no Brasil e no exterior como "parceira" dos produtores e não somente como fornecedora de tecnologia para produção. Este ano, a empresa lançará duas ferramentas, a revista CTagro e o site Webagritech.
O lançamento dos produtos está marcado para o aniversário da estatal, no dia 26 de abril. O site, em produção desde 2009, será um "guia" para que o produtor possa ter um passo a passo desde o preparo da terra até a colheita. A revista terá uma linguagem técnica, voltada para discussões com maior caráter científico.

Embrapa perde terreno na pesquisa agrícola

Embrapa vive dilema por competitividade
Autor(es): Gerson Freitas Jr. e Tarso Veloso | De São Paulo e Brasília
Valor Econômico - 21/03/2012
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/3/21/embrapa-perde-terreno-na-pesquisa-agricola/?searchterm=Pedro%20Arraes

Principal responsável pela modernização da agricultura brasileira e pela transformação do Cerrado em uma das maiores fronteiras agrícolas do planeta, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) corre o risco de se tornar irrelevante na criação de tecnologias para a produção das principais commodities exportadas pelo Brasil, hoje dominada por companhias estrangeiras

Principal responsável pela modernização da agricultura brasileira e pela transformação do Cerrado em uma das maiores fronteiras agrícolas do planeta, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) corre o risco de cair no ostracismo no que diz respeito à geração de tecnologias voltadas à produção das principais commodities exportadas pelo Brasil, atualmente dominada por multinacionais estrangeiras.
A Embrapa é considerada fundamental para o país do ponto de vista estratégico e social, mas vem enfrentando dificuldades para competir no mercado de biotecnologia após o início das liberações de sementes transgênicas no país, em meados da década passada. Sem recursos suficientes para grandes projetos, dificuldades para estabelecer parcerias com outras empresas e resistências à entrada do capital privado, a estatal vê sua participação despencar em alguns dos segmentos mais dinâmicos do agronegócio.
São os casos da soja, do milho e do algodão. Responsáveis por quase metade do Valor Bruto da Produção (VBP) agrícola brasileira, essas culturas passaram a ser dominadas por empresas como Monsanto, DuPont, Syngenta, Bayer CropScience e Dow AgroSciences.
Não há números públicos sobre a fatia de cada empresa no mercado brasileiro de sementes, mas diferentes fontes ouvidas pelo Valor estimam que a Embrapa vendeu menos de 15% das sementes de soja e 10% dos híbridos de milho comercializados no país na última safra.
Segundo um consultor, que preferiu não se identificar, a participação das variedades "BR" no mercado caiu a um terço do que era há apenas cinco anos. "Em Mato Grosso, maior produtor de grãos do país, nossa participação é praticamente zero", diz um graduado pesquisador da estatal. A predominância das multinacionais nesses segmentos é explicada pelo lançamento de sementes geneticamente modificadas para resistir ao uso de determinados herbicidas ou ao ataque de pragas, como a lagarta.
Os transgênicos mudaram o paradigma da pesquisa biotecnológica, cada vez mais voltada para a descoberta de plantas que dispensem o uso de agrotóxicos, sejam resistentes à seca ou mais nutritivas. Mas também fizeram disparar os custos associados ao desenvolvimento de novos cultivares. Segundo a organização americana pró-biotecnologia ISAAA, a descoberta, o desenvolvimento e a autorização de um único transgênico custa, em média, US$ 135 milhões (cerca de R$ 230 milhões).
Desde que foram regulamentados no Brasil, em 2005, a Comissão Nacional de Biotecnologia (CTNBio) liberou 32 variedades de plantas geneticamente modificadas - 31 para as culturas de soja, milho e algodão. Deste total, a Embrapa desenvolveu apenas duas: uma variedade de feijão resistente ao vírus do mosaico dourado e uma semente de soja tolerante a herbicidas, em convênio com a Basf. Nenhuma está no mercado.
A velocidade que os produtores adotam a nova tecnologia impressiona. Na safra 2011/12, os OGMs responderam por 85% da soja, 67% do milho e 32% do algodão cultivados no Brasil, segundo a consultoria Céleres. No caso do milho, desde 2009 mais de três quartos de todos os registros de novas sementes são híbridos transgênicos.
Entre analistas e pessoas próximas à empresa, prevalece a opinião de que faltam recursos para que a companhia enfrente de igual para igual as grandes multinacionais do setor, embora os recursos destinados à estatal tenham mais que dobrado na última década.
Apenas a Monsanto investe mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 1,7 bilhão) anualmente em pesquisa e desenvolvimento de novas sementes, montante próximo ao que gastam suas principais concorrentes. A quantia corresponde a quase todo o orçamento da Embrapa para 2012, de R$ 2 bilhões. De acordo com a estatal, no ano passado, os recursos destinados diretamente à pesquisa ficaram próximos de R$ 170 milhões, montante aquém do necessário para fazer frente ao poder de fogo das gigantes.
Desde 2008 tramita no Congresso um projeto de lei, de autoria do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que propõe a capitalização da Embrapa por meio de uma abertura de capital, transformando-a em uma empresa de economia mista com ações negociadas na bolsa - modelo semelhante ao da Petrobras e do Banco do Brasil. A proposta foi rejeitada pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, em 2009, e aguarda uma data para ser apreciado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O parecer do relator, o senador Gim Argello (PTB-DF), já está pronto e é favorável à ideia.
A abertura de capital enfrenta enormes resistências na cúpula da estatal que, segundo apurou o Valor, atua para derrubar a proposta. Para o presidente da estatal, Pedro Arraes, a Embrapa deve continuar a ser 100% pública. "Essa é uma convicção minha e dos servidores da estatal", defende. Segundo ele, a proposta do senador petista também não tem o respaldo do Planalto. Arraes afirma, ainda, que a discussão começou de maneira equivocada. "A proposta tem um problema de mérito. Qualquer mudança na questão jurídica de empresa pública tem que ser iniciativa do Executivo e não do Legislativo".
Amaral garante que não abre mão da proposta. "Posso me sentar para debater e, quem sabe, formular um substitutivo, mas o conceito vai permanecer", garante o senador. "Existe muita falta de informação sobre o assunto e alegações de que se trata de uma privatização, algo que não é verdade. Mais da metade das ações ficará na mão do governo", explica. Para Argello, a alocação de recursos para pesquisa agropecuária "tem sido muito prejudicada e tende a continuar assim" se nada for feito.
Para seus opositores, a proposta de abertura de capital da estatal, que poderia, em tese, culminar na entrada de empresas concorrentes no conselho da Embrapa, colocaria em risco os interesses e a soberania alimentar do país. "O modelo de economia mista tem sido bem-sucedido no Brasil, mas Banco do Brasil e Petrobras vendem produtos e serviços acabados. O negócio da Embrapa é o conhecimento agregado, o futuro e a segurança alimentar do país", afirma Vicente Almeida, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf).
Almeida, ele próprio um pesquisador da Embrapa, observa que, sob a égide do mercado, a Embrapa estaria pressionada a investir apenas nos segmentos mais rentáveis do agronegócio, deixando a agricultura familiar, que responde pela maior parte dos alimentos consumidos no país, à margem do processo de inovação.
Segundo ele, essa pressão já acontece, ainda que de modo indireto. "Hoje, apenas 4% do orçamento para pesquisa é destinado aos segmentos da agricultura familiar. Onde está o foco na segurança alimentar? A Embrapa não precisa de mais recursos, mas redirecionar suas ações e atender efetivamente ao interesse público. Se a empresa quer competir no segmento das commodities, pode criar uma subsidiária, com capital aberto, para isso", defende.
Um ex-membro da cúpula da Embrapa afirma que a estatal vive um momento de redefinição de seu papel. "Restringir a Embrapa à sua agenda social é o fim da empresa, porque quem banca é o Estado, e os recursos são escassos. Em contrapartida, o perigo de ser uma S.A. é o mercado impor uma agenda estritamente comercial", afirma. "Ir aonde o mercado não vai é o papel da Embrapa, mas ela perde importância estratégica se abrir mão dos mercados economicamente mais importantes", afirma um ex-ministro da Agricultura.
Além disso, o governo Lula intensificou o papel da Embrapa como instrumento de política diplomática, com diversos acordos de cooperação com países pobres, sobretudo no continente africano, um território de crescente interesse por parte das multinacionais. Não fica claro qual seria o espaço para a empresa cumprir essa agenda após uma abertura de capital.
Uma alternativa para levantar recursos, prevista na Lei de Inovação, seria a constituição de Empresas de Propósito Específico (EPEs). Nas EPEs, empresas públicas e privadas se associam em projetos exclusivos, como o desenvolvimento de uma semente de soja resistente à seca ou uma variedade de milho com maior teor de proteína.
Mas o modelo esbarra em questões burocráticas e jurídicas. De acordo com o estatuto da Embrapa, para sair do papel, cada parceria depende da autorização do presidente da República. Além disso, explica um ex-dirigente da Embrapa, há dificuldades técnicas para se avaliar os ativos da estatal disponibilizados nessas associações e dúvidas sobre qual é o limite de atuação dos órgãos públicos de fiscalização sobre essas sociedades. "Nenhuma empresa privada quer abrir suas contas, torná-las públicas para seus concorrentes. Ainda é preciso esclarecer qual é o limite do Tribunal de Contas nesses casos", diz a fonte.
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7. Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 4473 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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Agricultura brasileira, do bonde ao trem-bala, artigo de José Sidnei Gonçalves

José Sidnei Gonçalves é engenheiro agrônomo, doutor em ciências econômicas e pesquisador científico do IEA-APTA. Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo de hoje (10).
A queda da importância das sementes selecionadas de materiais genéticos produzidos pelas instituições públicas de pesquisa avança na agropecuária brasileira. Nos anos 1970, exceto o milho híbrido - privado nos anos 60 -, as sementes selecionadas eram oriundas da genética pública. Hoje, nas lavouras de cana para indústria, soja, milho e algodão, quase todo o material vem da genética privada.
 
O tema não era tratado pela grande mídia até a publicação da coluna de Celso Ming 'A Embrapa perdeu o bonde' (1.º/4, B2), para ser lida e refletida, pois toca na ferida ao abordar a redução da participação das variedades públicas de soja. Na linha desse texto, há que compreender como a grande mudança no padrão de financiamento do custeio da agropecuária brasileira condena à insignificância a participação das sementes de variedades públicas não só da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mas também de todas as estruturas públicas de pesquisa.
 
Pois bem, essa liderança da genética pública está sendo corroída e desapareceu em lavouras relevantes que não apenas a soja. O mesmo ocorreu na pesquisa estadual paulista, que criou a agricultura tropical brasileira com o café IAC Mundo Novo (1952), o qual libertou esse produto da terra roxa, permitindo seu cultivo nos solos arenosos e nos cerrados. Em 1972 a mesma pesquisa lançou a IAC 12 para baixa latitude (a soja tropical). O algodão, até 1989, vinha da genética pública paulista (IAC). Nos cerrados, no pós-1995, mais que a mecanização da colheita e a enorme escala, houve troca do material genético público (IAC) do algodão meridional (SP e PR) pelas variedades importadas. Lembre-se que a construção da cotonicultura brasileira em terras paulistas e, depois, paranaenses foi resultado da genética pública paulista, que ganhou reconhecimento mundial.
 
Essa mudança não ocorreu pela transgenia usando variedades da genética tradicional, o que mostra ser o caso da soja apenas uma etapa de um processo mais longo, basta não voltar as costas à História. Isso se acelerou com a lógica de tomada de decisão dos lavradores diante do novo padrão de financiamento do custeio agropecuário. Nos anos 70 o lavrador ia ao banco tomar crédito rural subsidiado e, com dinheiro na conta, escolhia o material genético assistido pela ampla rede de extensão rural estatal que disseminava a genética pública.
 
O crédito subsidiado foi desmontado com a crise da dívida pública no começo dos anos 80. E as empresas de insumos com plantas construídas no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) criaram mecanismos privados para financiar o custeio das safras, cuja forma pioneira foi o contrato de soja verde. Em 1995 foi criada a Cédula de Produto Rural, tornada com liquidação financeira em 2000. E no mesmo quinquênio surgiram as novas legislações sobre sementes e direitos de propriedade intelectual.
 
Nos anos seguintes as empresas de agroquímicos compraram as de sementes privadas e a reforma do setor público reduziu a capacidade local da extensão rural estatal. Como exemplo, a antiga rede estadual paulista de Casas da Lavoura hoje praticamente inexiste. Quem agora fornece assistência técnica são as poderosas redes das empresas privadas de sementes, que multiplicam ensaios de demonstração em todo o espaço das principais lavouras.
 
As diferenças de produtividade e de qualidade entre as sementes disponíveis para as principais lavouras são pouco relevantes (em torno de 5% a 7%). Sem a assistência técnica e extensão rural pública irradiar seus resultados - material genético, para manter padrão de alta resposta nas culturas anuais, exige troca quase todo ano - e sem acesso ao novo padrão de financiamento, a genética pública ficou de mãos amarradas. E os instrumentos privados foram ampliados, em 2004, com os novos títulos financeiros dos agronegócios (CDCA, CRCA, LCA e WA). Os planos de safra das grandes lavouras, pelas suas regras, cobrem cerca de um terço do custeio da safra. E semente é custeio. Trata-se de um novo padrão de financiamento com base na venda antecipada. Os lavradores que plantavam para vender passaram a vender para plantar, numa inversão da lógica da tomada de decisão de produzir.
 
As empresas de sementes privadas (na maioria, de agroquímicos) utilizaram-se desses mecanismos para ocupar o mercado de sementes. E as estruturas públicas, mesmo a Embrapa, não têm mecanismos para emitir títulos financeiros. Daí as sementes públicas foram alijadas do mercado. Novos desdobramentos estão por vir em outras lavouras. Uma grande multinacional comprou empresa de ponta da genética canavieira e, recentemente, lançou novos materiais genéticos num mercado que há décadas já era totalmente dominado pela genética privada de capital nacional
.
 
Em síntese, há que ser comemorado o artigo de Celso Ming, pela coragem de trazer a evidência da perda de espaço da genética pública para a agricultura. Os aspectos ideológicos são maléficos, mas constitui célere equivoco a afirmação de que a Embrapa perdeu o bonde. Na verdade, o trem-bala do capital financeiro não parou na estação da genética pública. Ela está condenada à insignificância no modelo institucional atual em face do padrão de financiamento do custeio da safra via venda antecipada lastreada em títulos financeiros emitidos pelo setor privado.
 
Para as grandes lavouras, o trem-bala do capital financeiro no custeio da safra fechou as portas na cara da pesquisa pública. E se assiste à internacionalização da base genética da agropecuária brasileira. Há, ainda, que discutir a enorme regressividade desse modelo de financiamento do custeio de safras via títulos financeiros. As próprias regras, além da falta de traquejo para operar nesse mercado, põem à margem do processo massas expressivas de lavradores. Em suma, há que reinventar a ação pública para a agricultura brasileira, que não mais viaja no bonde do crédito subsidiado, mas no trem-bala do capital financeiro.







São Paulo, quarta-feira, 11 de abril de 2012Opinião
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Embrapa
Há tarefas que as virtudes do mercado não podem realizar adequadamente. Não se pode e não se deve esperar que uma empresa privada, que só pode sobreviver se gerar lucro, distribuir dividendos e criar valor para seus acionistas, atenda corretamente ao interesse social se tiver objetivos conflitantes entre o curto e o longo prazo.
É o que pode acontecer, por exemplo, quando a pesquisa e a inovação ocorrem em empresas que são, ao mesmo tempo, produtoras e disseminadoras de bens que incorporem seus resultados.
Suponhamos, para simplificar o argumento, uma empresa que produza um eficiente fungicida para combater doença que ataca a produção de feijão. Um dia, seus cientistas constroem com sucesso uma variedade de feijão resistente ao fungicida que ela mesma produz. Qual será a provável reação da sua administração, cujo primeiro dever é proteger o valor do patrimônio de seus acionistas? Patentear a inovação e colocá-la na prateleira! Até quando? Até que o valor dos seus investimentos na produção do fungicida seja completamente amortizado.
O "mercado" apresenta uma "falha". Não funciona adequadamente pela simples e boa razão que o "incentivo" que lhe determina a ação -a maximização dos lucros- subordina o interesse coletivo ao "curto-prazismo" do interesse privado. Em outras palavras, o feijão resistente aos fungicidas que beneficiaria toda a sociedade terá a sua disseminação controlada pela velocidade da depreciação do investimento já feito para produzir o fungicida, condicionada ainda à possibilidade de garantir a remuneração dos dispêndios feitos com a pesquisa -ou seja, à patente e ao controle do valor criado pela descoberta.
Se não houver a "garantia" da patente, o mais provável é que, devido ao interesse privado, a inovação de interesse social nunca veja a luz.
Foram constatações tão simples como essas que levaram o governo, em 1972, a criar a Embrapa, que transformou o maior "passivo" brasileiro, o cerrado, no nosso maior "ativo". Um ativo construído com dedicação, diligência e trabalho duro, que precisa continuar a ser defendido do "aparelhamento" ideológico-partidário.
Ao contrário do que pensam alguns de nossos economistas, a Embrapa não nasceu para competir com o setor privado. Nasceu para inovar, criar e transmitir conhecimentos, usando as empresas privadas como instrumento para disseminá-los. Ela não produz "distorções" no mercado.
Muito pelo contrário, corrige a sua miopia "prazo-curtista". É isso que torna incompreensível o misterioso e confuso "ruído" político atual sobre o seu importante papel para o desenvolvimento nacional.

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