sexta-feira, 6 de abril de 2012

A Embrapa precisa de maior apoio, artigo de Wanderley de Souza

Jornal da Ciência (JC E-Mail)
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Edição 4471 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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Wanderley de Souza é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diretor de Programas do Inmetro, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina. Artigo publicado no Jornal do Brasil de terça-feira (3).

O bom senso aconselha que sempre se deve apostar em iniciativas que, reconhecidamente, deram certo. Se uma instituição responde positivamente ao investimento nela realizado, é fundamental que a mesma mantenha certa taxa de crescimento, sempre acompanhado de uma avaliação permanente para analisar o efeito do investimento realizado.

Se esta é a política adotada pelos grandes grupos industriais, deveria também ser praticada nas instituições científicas, especialmente naquelas que têm características empresariais. Infelizmente, não é o que se passa no Brasil e gostaria de exemplificar esta questão com uma instituição que é uma unanimidade nacional, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Criada em 1973 e vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tem como missão "viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade". A Embrapa conta hoje com 46 unidades de pesquisa distribuídos por todo o País, com um quadro funcional de cerca de nove mil e seiscentos empregados, sendo que cerca de dois mil e quatrocentos são pesquisadores bem treinados no País e no exterior.

Seu desempenho é reconhecido por todos, inclusive pelos setores econômicos, normalmente avessos ao reconhecimento do papel da Ciência e da Tecnologia no processo de desenvolvimento sustentável. Afinal, a atuação da Embrapa, quase sempre muito bem articulada com as instituições universitárias que atuam no setor agrícola, mudou radicalmente o panorama da produção animal e vegetal em nosso país.

Graças a investimentos em recursos humanos e infraestrutura laboratorial a instituição atuou no sentido de incorporar os cerrados brasileiros no sistema produtivo fazendo com que a região passasse a responder por cerca de 50% da produção agrícola nacional, fazendo com que o Brasil seja o segundo produtor mundial de soja. Merece ainda destaque a transformação ocorrida na região do vale do São Francisco, hoje grande produtor e exportador de frutas. No campo da produção animal aumentamos, no período de 1975 a 2009, por vinte e duas vezes a produção de frango, por quatro vezes a produção de carne bovina e suína, por três vezes a produção de leite e etc. Todo este resultado é hoje responsável por boa parcela das nossas exportações.

Em 2010 tive a oportunidade de integrar uma missão oficial do governo brasileiro para discutir a cooperação Brasil-China. Logo primeira reunião quando os colegas chineses apresentaram suas principais demandas, foi com surpresa que ouvimos o pedido de instalação naquele país de um Labex. De início, desconhecia a que eles se referiam. Fomos salvos por um colega da Embrapa, que explicou que o Labex é uma unidade da Embrapa no exterior, hoje presente nos Estados Unidos, Coreia do Sul, França e Inglaterra. Este fato por si só é um atestado do prestígio internacional da Embrapa.

Como vem evoluindo a atividade científica da Embrapa no cenário científico brasileiro? Os dados disponibilizados pelo sistema "Web of Science" ou pelo sistema Scopus aponta que a Embrapa vem mantendo uma posição variável entre a oitava e nona posição no "ranking" nacional. Entre 2000 e 2010 a produção científica da Embrapa cresceu 1,8 vezes. No entanto, esta taxa de crescimento é bem menor que a obtida por outras instituições, como a Unesp, a Fiocruz, a UFRGS, a USP, a Unicamp e a UFRJ que cresceram 3,8, 3,6, 3,4, 3,1, 2,2 e 2,0 vezes, respectivamente. Logo, a taxa de crescimento científico da Embrapa tem sido menor do que o de outras instituições, o que é preocupante para o seu desempenho no futuro.

Por outro lado, o orçamento da Embrapa para o corrente ano é inferior ao executado nos últimos três anos. Tendo em vista a importância estratégica da Embrapa para o País, é fundamental que a instituição volte a ter um crescimento significativo do seu orçamento bem como do número de pesquisadores e técnicos, procurando se posicionar entre as cinco mais produtivas instituições científicas e tecnológicas do País. Estas ações por parte do governo são fundamentais para que o País continue tendo no setor agrícola um componente importante nas nossas exportações. Cabe ainda ressaltar que outros países vêm fazendo investimentos crescentes no setor agrícola, sobretudo com a incorporação de novas técnicas biotecnológicas, o que implica na necessidade de darmos mais atenção a este setor para evitarmos surpresas desagradáveis em poucos anos.





Hora de revalorizar a Embrapa

O Estado de S. Paulo - 05/04/2012
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/4/5/hora-de-revalorizar-a-embrapa

Não há como entender a transformação do Brasil numa potência agrícola, capaz de produzir muito e com muita eficiência, sem levar em conta a contribuição da Embrapa, celebrada durante anos como um dos principais institutos de pesquisa agropecuária de todo o mundo. Mas a Embrapa é hoje bem menos importante do que foi durante um quarto de século, desde sua criação nos anos 70. Perdeu relevância como fornecedora de sementes, num mercado há vários anos dominado por grandes empresas multinacionais, e, na era Lula, deixou de receber do próprio governo a atenção e os recursos necessários a um trabalho relevante de pesquisa, de inovação e de criação de oportunidades para a produção rural brasileira.
Durante anos, a empresa liderou as pesquisas relevantes para o Brasil, contribuindo para a expansão de culturas novas e comercialmente importantes, como a soja, para o aumento da produtividade de lavouras essenciais para a dieta do brasileiro, para o barateamento da alimentação e também - dado nem sempre lembrado - para a ocupação produtiva de novas e amplas porções do território, como as enormes áreas de Cerrado.
Depois de anos de liderança, cumprindo uma função estratégica da máxima importância, a Embrapa começou a perder terreno. Demorou, por preconceito de seus dirigentes, a avançar na pesquisa de transgênicos, enquanto o setor privado se expandia velozmente nessa área científica e tecnológica. Quase ficou sem rumo, quando o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ensaiou submetê-la à sua política de aparelhamento político. Mas, quando isso ocorreu, sua presença no mercado de sementes já havia sido consideravelmente reduzida, em consequência de mudanças no financiamento das lavouras. [ie, quando pretendeu propalar demagogia, frente às perdas de rentabilidade dos produtores, revelou que pela legenda partidária sua responde "portfólio dos traders". Estes dispensam os produtores, se monopolizam a circulação do mais-produto, com o qual especulam horrores, mormente pra quem tem os olhinhos nem puxados, mas fechados pra própria comida. A EMBRAPA não deve, na minha opinião, dedicar-se à pesquisa transgênica dos grãos a esta altura já "desregulamentados", negociados antes em Chicago do que na BM&F, senão secundariamente; são muito mais promissores os investimentos conjugados nas culturas locais tradicionais, praticamente extintas; digo conjugados porque se trata de conjugar agropecuária com o setor de serviços, de onde há de vir o impulso para a formação de capital propriamente industrial. Há duas maneiras de abordar publicitariamente a coisa: ou se recupera o discurso de Josué de Castro, tratando de nível nutricional, disfarçando que constitui capital adicional (por isso, a ênfase no conjugado); ou se inventa um discurso para as Olímpiadas e para a Copa, no estilo de um novo descobrimento do Brasil, para consumo por aqui e, oportuna e proximamente, exportação. Exótica pra eles, benfazeja para os pequenos e interditados produtores agrícolas das regiões mais exóticas, até mesmo para "nós mesmos", deste país.]
Nos últimos 20 anos, empresas privadas, principalmente multinacionais fornecedoras de sementes e de insumos agroquímicos, assumiram crescente importância no financiamento do custeio agrícola. Isso alterou a ordem dos procedimentos. Tradicionalmente os agricultores tomavam empréstimos bancários - oficiais, na maior parte - e em seguida compravam as sementes, fertilizantes e defensivos para o plantio e para o trato das lavouras. Muitos ainda seguem esse roteiro. Um grande número, no entanto, passou a negociar diretamente com as empresas fornecedoras de insumos.
Como parte do novo sistema, esses produtores passaram a vender antecipadamente a safra, ou parte dela. Pode ter sido uma solução cômoda para agricultores e para a indústria, e uma das consequências da mudança foi a criação de um mercado cativo, ou quase, para as sementes desenvolvidas pelo setor privado.
Essa mudança havia começado antes da difusão dos transgênicos, como observa o agrônomo e economista José Sidnei Gonçalves, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola do governo paulista. Sem participar do novo padrão de financiamento, a genética desenvolvida pelo setor público ficou fora do jogo. "Ao menos para as grandes lavouras, o trem-bala do capital financeiro fechou as portas ao custeio da safra, fechou as portas na cara da pesquisa pública", comenta o pesquisador.
A Embrapa e outros institutos públicos de pesquisa e difusão de tecnologia contribuíram de forma decisiva para a criação de uma agropecuária moderna e competitiva no Brasil. Mas o setor privado, munido tanto de um sistema de pesquisas quanto de um eficiente aparelho comercial e financeiro, implantou um novo jogo, enfraquecendo os vínculos entre as entidades públicas e o mercado. O corte do orçamento da Embrapa e as mudanças de orientação do governo contribuíram de forma adicional para a sua perda de relevância.
É hora de repensar a missão da Embrapa e as formas de financiar suas atividades. Não tem sentido separá-la do mercado e da linha ambiciosa de trabalho seguida com sucesso durante décadas, mas é preciso replanejar seu papel estratégico e sua posição no sistema produtivo. Será o caso de abrir seu capital, como já se propôs? Não é fácil a resposta, mas seria um erro grave descartar essa hipótese por mero preconceito. É preciso pensar o futuro da Embrapa com criatividade e ousadia à altura de sua história.

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