segunda-feira, 9 de abril de 2012

O petróleo é nosso, mas as embarcações...


Autor(es): Henrique Gomes Batista
O Globo - 08/04/2012
 

País tem 273 plataformas e navios com bandeira "gringa", alguns até feitos aqui

Recursos tributários e de custos elevados levaram o país a explorar seu petróleo com navios e plataformas estrangeiros. Há casos, inclusive, de embarcações feitas no Brasil que carregam bandeiras "gringas". Segundo levantamento da Marinha, há atualmente 273 embarcações nestas condições, com 30 países representados em mares nacionais, incluindo até nações sem litoral, como Luxemburgo. Destas, 180 estão afretadas para a Petrobras e 26 são da estatal, embora registradas em países como Panamá, Libéria e Ilhas Marshall.
A prática de registrar navios no exterior é legal e generalizada no setor, que não gosta de comentá-la. Embora exista diversos casos de embarcações estrangeiras que estão temporariamente por aqui - principalmente sondas -, também é comum casos de navios e plataformas que atuam no litoral brasileiro há décadas com registro em outras nações. Benefícios para o setor do petróleo, vantagens nas exportações e altos custos trabalhistas causam essa situação.
A estatal, por exemplo, utiliza sua subsidiária na Holanda (Petrobras Holanda) para fazer uma triangulação e, com isso, pagar menos impostos. Especialistas indicam que registrar a embarcação em um país pode fazer com que a operação de barcos e plataformas custe metade do preço que seria para "arvorar" nestas embarcações a bandeira verde-amarela, como é dito no setor.
- A diferença dos custos é muito grande, pois com a bandeira de outro país há uma necessidade de menos tripulantes, os custos trabalhistas são menores, não há a incidência de impostos sobre combustíveis e não há cobrança de impostos sobre a importação de peças - explica o consultor Nelson Carlini.
Petrobras não comenta situação, que é legal
A Petrobras se recusou a falar sobre o assunto e explicar por que 26 plataformas e sondas de sua propriedade têm bandeira estrangeira, além da quase duas centenas de afretadas. Mas uma fonte da companhia explicou que isso ocorre pelo uso de uma operação que permite as empresas petrolíferas fugirem do pagamento de diversos impostos federais e estaduais (ICMS).
A Petrobras, assim como todas as demais petrolíferas que operam no Brasil, se utilizam do Repetro, um regime especial de importação e exportação de equipamentos destinados às atividades de exploração e produção de petróleo no país. O Repetro foi criado em 1999, dois anos após o fim do monopólio do petróleo, para atrair e incentivar os investimentos no setor petrolífero, com a redução de impostos na importação de equipamentos, suspensão ou isenção de tributos.
Assim, pelo Repetro, a Petrobras por exemplo, constrói uma plataforma no Brasil, e é feita uma "exportação ficta", ou seja, simulada. Com isso, durante sua construção, já é beneficiada por uma série de reduções de impostos. Após ser "exportada" - sem sair da costa brasileira -, a plataforma é importada, também de forma simulada, recebendo novamente outras isenções de impostos, como o Imposto de Importação e o ICMS.
Segundo uma fonte técnica da Petrobras, a operação não é ilegal, mas pode ser questionada do ponto de vista de política nacional, se é adequada pela geração de tributos.
-- É uma operação tributária legal para fugir de tributos federais e estaduais. Com isso, essas plataformas têm que ter bandeira estrangeira e, em alguns casos, até parte da tripulação também é estrangeira. Acredito que na Bacia de Campos há cerca de cinco mil estrangeiros trabalhando embarcados - disse a fonte.
Alguns empresários e advogados do segmento naval lembram que essa situação tem relação com o declínio da indústria naval brasileira. Para eles, sem o Repetro, a produção de petróleo naqueles momentos, em que o óleo estava com uma cotação muito abaixo da registrada atualmente, poderia ser até mesmo inviabilizada. Com os novos benefícios, partir para o registro de bandeira estrangeira foi um pulo, dizem.
Especialistas: frota nacional representa mais qualidade
Alguns especialistas, contudo, alertam que a questão da bandeira não é tão essencial assim e que países relevantes no mercado, como os Estados Unidos ou nações europeias, abriram mão de brigar por isso. Ainda assim, os Estados Unidos e grandes nações europeias figuram entre as principais bandeiras em mares nacionais.
Outros empresários e especialistas do setor lembram que uma grande frota nacional é uma diferença qualitativa relevante. De qualquer maneira, os elevados e ultrapassados impostos para embarcações com bandeiras brasileiras mostram desequilíbrios do setor.
Procurada, a Receita Federal não comentou o assunto. A Marinha, em nota, informou que as embarcações de bandeira estrangeira devem cumprir o previsto na legislação nacional e nas convenções e códigos internacionais ratificados pelo Brasil. Os militares também esclareceram que há aumento no número tanto de embarcações nacionais como internacionais e que "a Marinha do Brasil encontra-se preparada para enfrentar os desafios, que já estão acontecendo".

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