domingo, 22 de abril de 2012

Campeão escolhido


Míriam Leitão - Míriam Leitão
O Globo - 22/04/2012
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/4/22/campeao-escolhido
 

O grupo que é exemplo da política do BNDES de formar campeões nacionais mantém mais emprego nos Estados Unidos do que no Brasil e deu prejuízo em três dos últimos cinco anos. O presidente do JBS, Joesley Batista, explica que as vantagens da globalização de grupos nacionais vão do prestígio à abertura de mercado. A companhia já fechou quatro das cinco empresas que comprou na Argentina.
O banco colocou uma montanha de recursos em frigoríficos. Fez isso de duas formas: emprestando dinheiro subsidiado, via BNDES, e virando sócio das empresas, por meio do BNDESPar. Desde 2005, o BNDESPar investiu quase R$ 12 bilhões em três frigoríficos - JBS, Marfrig e BRF - na compra de ativos, subscrição de ações e aquisição de debêntures. O JBS, escolhido para ser o campeão nacional, ficou com a maior parte, R$ 8,1 bi. Em empréstimos, a empresa recebeu mais R$ 2,5 bi. Os números mostram como o BNDES incentivou a compra de uns por outros e aumentou a concentração no setor.
Em uma controversa operação, o dinheiro público foi usado para comprar 99,9% de debêntures lançadas pelo JBS para financiar a compra da Pilgrim"s Pride, nos Estados Unidos. A exigência feita pelo banco foi que a empresa abrisse capital no mercado americano. Veio a crise, e ela não cumpriu o prometido. O banco então converteu as debêntures em ações, e hoje é dono de 31% do JBS que, no ano passado, deu prejuízo exatamente pela compra da Pilgrim"s Pride. O Estado é o segundo maior sócio, depois da família Batista, que tem 44,6%:
- Uma coisa eu posso garantir a você, o BNDES nunca colocou dinheiro no JBS para salvar a empresa, ao contrário do que aconteceu com Aracruz, Sadia e outras na crise de 2008. O prejuízo é parte do processo de consolidação. Somos especializados em comprar empresas deficitárias, que administradas por nós dão lucro. No primeiro momento, o resultado é negativo mesmo - disse Joesley.
Em março de 2007, quando a empresa abriu capital, a ação valia R$ 7,9. Na sexta-feira, valia R$ 7,6. O banco aumentou sua participação no momento em que o grupo adquiria mais ativos, como o frigorífico Bertin, e expandia para novas áreas. No mesmo período, as ações caíram. Chegaram a valer R$ 3,5 em outubro do ano passado. Joesley Batista acha natural que o banco público seja um dos donos da sua empresa:
- O BNDES é meu sócio há três anos e é sócio da Weg há 30 anos.
Os dados do JBS mostram uma evolução explosiva dos ativos e um crescimento grande da dívida. Pelos dados da Economática, a empresa tem uma dívida líquida sobre patrimônio líquido de 65%. A dívida bruta sobre patrimônio líquido é de 95%. Em 2011, houve prejuízo de US$ 496 milhões com a unidade de frango nos Estados Unidos, e foi justamente isso deixou o grupo no vermelho no ano.
Nos EUA, o JBS é uma potência. Segundo ele, lá o grupo tem um milhão de cabeças de gado em confinamento. Este ano, engordará 2,2 milhões de cabeças. Compra 1.300 carretas de milho por dia, é o maior comprador de milho americano. Tem 70 mil empregados, 10 mil a mais do que no Brasil. Abate oito milhões de frango por dia:
- Quando o Mauro, embaixador brasileiro, pede uma audiência com o secretário de Agricultura dos Estados Unidos, ele atende porque a nossa empresa é o que é na economia americana. De lá, eu consigo alcançar mercados que não recebem carne brasileira. Foi porque estamos nos Estados Unidos é que começamos a exigir a elevação do preço para a nossa carne.
Ele diz que a empresa aprende na comparação entre as duas economias:
- Lá, para abater 6.000 cabeças eu preciso de três mil funcionários; aqui, preciso de seis mil. A produtividade lá é o dobro. A nossa indústria é muito primitiva. Lá, eu tenho cinco advogados; aqui, tenho 50. Lá, eu tenho 37 causas, aqui eu tenho sete mil.
Há outras diferenças gritantes. Aqui, como contei na coluna de ontem, que pode ser lida no meu blog, a empresa tem sido acusada de comprar carne de produtores que cometem crimes ambientais. Há até um caso de compra de gado de fazenda acusada de trabalho escravo:
- Nos Estados Unidos existe o conceito do "Animal Welfare". Lá eles mandaram fechar outro dia um frigorífico por causa da acusação de maltratar uma vaca.
Além do Brasil e Estados Unidos, a empresa está na Austrália, México, Uruguai, Paraguai e Argentina, e tem escritórios em todos os continentes. A ida para a Argentina não deu certo. Eles compraram cinco empresas e já se desfizeram de quatro:
- A Argentina enfrenta problemas. Seu rebanho diminuiu em dez milhões de cabeças nos últimos anos.
A empresa está entrando em outras áreas. Este ano vai inaugurar a Eldorado, na área de celulose, para a qual ganhou novo empréstimo do BNDES: R$ 2,7 bi.
- Normalmente, o grupo não constrói empresas, mas compra ativos com problemas e melhora a gestão. A Eldorado está sendo uma experiência de vida - diz Joesley.
O JBS tem um banco, o Original, que recebeu R$ 850 milhões do Fundo Garantidor de Crédito para absorver o Banco Matone. Coincidentemente, logo depois, o banco fez uma aposta pesada na queda da taxa de juros. Foi naquele primeiro corte, em agosto de 2011, que surpreendeu o mercado. Mas não o Banco Original. Ele ganhou muito dinheiro na queda das taxas e deu lucro de R$ 158 milhões no ano. A CVM investigou e não encontrou sinal de informação privilegiada. Joesley credita o acerto à capacidade de análise da equipe.

Enviado por Míriam Leitão - 
21.4.2012
 | 
9h00m
COLUNA NO GLOBO

Carne na brasa


O maior grupo brasileiro de carne, o JBS, foi notificado pelo Ministério Público do Mato Grosso pela compra de 3.476 cabeças de gado de fazendas embargadas pelo Ibama, instaladas em áreas de preservação ou flagradas em trabalho escravo. Joesley Batista, o presidente do grupo, me disse que está mais preocupado com a vida humana em risco no Brasil, porque 5 milhões de bois são abatidos por ano sem inspeção sanitária.
— As árvores derrubadas hoje podem afetar a vida humana daqui a 50 anos, mas, neste momento exato, brasileiros estão comendo carne de frigoríficos municipais sem qualquer fiscalização. O veterinário assina o bloquinho de notas, fingindo que fiscalizou, e nem olha o boi. É uma calamidade. Terríveis doenças podem ser contraídas, como a teníase, que leva à loucura. O hospício está cheio de doido que comeu carne que as autoridades não fiscalizaram — diz Joesley.
O Brasil virou o campeão mundial do mercado de carne no mundo, o BNDES colocou muito dinheiro público no projeto de concentrar e globalizar o setor. O JBS foi escolhido para ser o maior. Analisei o tema, li relatórios, falei com ONGs, Ministério Público, BNDES, e tive uma conversa de duas horas e meia com o presidente do maior frigorífico do Brasil e do mundo.
Joesley garante que fez esforço e aumentou o controle para eliminar da sua cadeia produtiva as fazendas envolvidas em crime.
Se o JBS não comprar o bicho, outros compram. Todo mundo compra. Eu fico sendo o chato. Assinei o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público, por isso sou vigiado, mas e os que não assinaram? O BRF, empresa grande e emblemática também, tem duas plantas de abate de bovino em Mato Grosso, mas não assinou o compromisso que assinamos. O Carrefour, Pão de Açúcar, Walmart não querem saber de onde vem a carne — afirma.
Em 2009, houve uma ofensiva contra o desmatamento e outros crimes da pecuária. O Greenpeace divulgou relatório provando a ligação dos grandes frigoríficos com produtores que praticavam crimes de trabalho escravo, desmatamento ilegal, invasão de terra indígena. A ONG Repórter Brasil também investigou e denunciou. O Ministério Público Federal iniciou a campanha “carne legal”. O MP, em vários estados, iniciou ações contra frigoríficos.
Os grandes supermercados assumiram compromissos públicos de que só comprariam carne de quem vigiasse sua cadeia produtiva. Foi assinado um acordo dos grandes frigoríficos de que em seis meses eles eliminariam esses crimes da sua cadeia produtiva. Não cumpriram. Ganharam novo prazo. Marfrig e Minerva não foram apanhados em novos casos, mas o JBS, sim. O MP do Acre iniciou uma Ação Civil Pública contra o JBS, em abril de 2011, por comprar de produtores com crimes ambientais e trabalhistas, mas, em seguida, o grupo assinou um TAC, que estará completamente em vigor apenas em setembro. Já no Mato Grosso, em outubro de 2011, o MP notificou a empresa porque comprovou pelo Guia de Transporte Animal, que o JBS havia abatido 3.476 cabeças de gado de 34 fazendas que cometeram crimes: 13 delas, propriedades embargadas pelo Ibama; outras, por desmatamento ilegal de produtores que grilaram terras dos indígenas Marãiwatsede; e uma (144 bois), da lista suja do trabalho escravo. Depois da notificação, a empresa não comprou mais desses produtores.
— Não somos certificadores de frigorífico, mas os compradores internacionais nos perguntam se o JBS compra de produtores com atividades ilegais. Dizíamos que ele estava com um prazo para cumprir o acordo. Agora, informamos que eles não estão cumprindo — diz Paulo Adário, do Greenpeace.
A ONG lançou a campanha “Salve a sua pele”, na Feira de Bolonha, na Itália, no fim de 2011, e fez um desfile de modelos denunciando aos compradores de couro essa conexão.
Joesley Batista diz que os sistemas de informação dos órgãos públicos sobre as fazendas são falhos:
— Muitas vezes, na hora que eu compro o boi a fazenda não está na lista do Ibama nem do Ministério do Trabalho. Depois do abate, ela entra. Por isso, melhorei o sistema de fiscalização e já até devolvi boi comprado. Mas aí o outro vai e compra. Digo sinceramente, 90% do tempo eu me preocupo com outro problema gravíssimo que é a saúde humana em risco no Brasil.
A denúncia que ele faz sobre a inspeção sanitária é de fato grave. Isso não abona os outros erros. O ideal é atacar os dois problemas.
Joesley me entregou um relatório com os seguintes números: há 206 frigoríficos no Brasil que têm inspeção sanitária federal. Que é bem feita e rigorosa, segundo ele. Há 422 frigoríficos que só têm inspeção estadual. Há níveis diferentes de qualidade da fiscalização. Minas é o pior estado, segundo Joesley. Os municípios fiscalizam 762 estabelecimentos:
— Existe um sistema de padrão internacional, o Riispoa, de inspeção. Ele só é cumprido pelos fiscais do Ministério da Agricultura. Nos estados, há alguma exigência. Nos municípios, o que acontece é brincadeira. Ninguém olha nada. Das 35 milhões de cabeças de gado abatidas por ano no Brasil, 20 milhões estão sob inspeção federal, os outros 15 milhões são abatidos com pouca ou nenhuma análise. Os brasileiros que comem essa carne estão correndo riscos.

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