sábado, 28 de maio de 2011

Brasil destrona a China

Autor(es): Javier Santiso
Valor Econômico - 27/05/2011
 

É o que dizem os responsáveis pelos fundos de capital de risco: prefere-se o Brasil a qualquer outro país, inclusive a China, para investir. Esses investidores pretendem, de maneira geral, aumentar suas operações nos países emergentes. De acordo com a última pesquisa realizada pela Empea/Coller Capital, publicada em abril de 2011, pretendem elevar a aposta nos emergentes a até 20% do total destinado a fundos de investimentos em participações. De todos os países em seu radar, o Brasil é o que rouba a cena, à frente da China e Índia. O resto do continente não se sai mal, com a América Latina superando a Índia, Turquia ou Rússia como destino favorito de seus investimentos.
O Brasil se configura, dessa forma, como uma das estrelas entre os destinos do capital de risco internacional. Os dados mais recentes da Latin American Venture Capital Association (Lavca), de fato, comprovam a crescente atratividade do país e do continente: em 2010, os fundos de capital de risco levantaram, na região, US$ 8,1 bilhões, 120% a mais do que no ano anterior. O valor é recorde. Southern Cross e Advent International levantaram fundos regionais em escala inédita, com US$ 1,7 bilhão de capital comprometido a cada um deles. A situação contrasta com o verificado nos Estados Unidos e Europa, onde o volume dos fundos levantados caíram, respectivamente, 7% e 32%.
O ano de 2010 também foi singular no que ser refere aos investimentos. Pouco mais de 200 fundos de capital de risco investiram US$ 7,2 bilhões na América Latina, o dobro do ano anterior. O Brasil concentrou 46% das operações e 76% do total de capital investido. Líderes mundiais do setor como Apax Partners, Silver Lake, TPG Capital e Warburg Pincus realizaram seus primeiros investimentos no país, enquanto o Blackstone ficou com 40% do Pátria e o JP Morgan, com o controle integral da Gávea, a empresa criada por Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil. Em 2011, novos participantes, como a inglesa 3i, já anunciaram sua chegada.
Outra tendência interessante é a atração cada vez maior pelo "venture capital" (VC), como é chamado o capital de investimento: os investimentos para a fase inicial de novas empresas, típicas dos fundos de VC, aumentaram 54% e o volume médio desses investimentos chegou a US$ 1,6 milhão em 2010 (acima da média de US$ 1 milhão de 2010). No total, os investimentos em VC chegaram a mais de 23% do total investido pelo capital de risco na América Latina. Embora o Brasil tenha poucas empresas "start up" que chegaram à Bovespa (Submarino é uma das exceções), estamos vendo surgirem cada vez mais projetos. Na área de jogos eletrônicos, emergiram "start ups" como Mentez, Tutudo ou Vostu e, na de comércio eletrônico, Buscapé, Xangô e muitas outras.
A Xangô despertou o interesse de vários fundos de VC internacionais, como o Redpoint Ventures (de San Francisco), Index Ventures (de Genebra) e BV Capital (de Hamburgo). A empresa também ilustra uma tendência crescente: o papel da diáspora brasileira que regressa ao país e a importância das conexões internacionais, da mesma forma como ocorreu em Israel e Índia. Seu fundador, Marco DeMello, voltou ao Brasil após quase 20 anos nos Estados Unidos, onde trabalhou para empresas como a Microsoft. Outro expatriado que criou uma "start up" bem-sucedida, Peixe Urbano, é Julio Vasconcellos, que trabalhou em Nova York e no Vale do Silício, depois de concluir seu MBA em Stanford. Essa conexão americana facilitou encontrar os primeiros investidores, o fundo californiano Benchmark Capital, que, ao lado do brasileiro Monashees, financiou o início da empresa na sua volta ao Brasil.
O fundos de VC californianos agora olham com atenção para o Brasil, multiplicando viagens, como no caso da Sequoia e Norwest Venture Partner, ou até instalando-se no país. Geoffrey Prentice, executivo da Skype que passou ao fundo de VC Atomico, que tem sede em Londres e foi fundado pelo criador do Skype, trasladou-se para o Brasil para iniciar investimentos em "start ups" brasileiras.
Também estão sendo criados fundos de capital de investimento locais, embora o mercado ainda seja incipiente: de acordo com dados de Cláudio Furtado, da Fundação Getúlio Vargas, menos de 20% dos investimentos em capital de risco realizados entre 2005 e 2009 foram de operações para o estágio inicial, típicas do VC. Esse trabalho também mostra que dos 144 fundos analisados apenas um punhado é de fundos de VC para financiar "start ups" tecnológicas.
Entre os fundos de destaque estão o já mencionado Monashees Capital, cofundado em São Paulo por Eric Archer. Esse fundo de VC é um dos maiores do país entre os especializados em empresas tecnológicas. Administra cerca de US$ 60 milhões e realiza um ou dois investimentos por ano, em operações oscilando entre US$ 500 mil e US$ 5 milhões. O Astella Investments (administrado por Edson Rigonatti), Ideiasnet (cofundado por um americano, Michael Nicklas) e o FIR são alguns dos outros fundos de VC brasileiros que começam a investir a partir do Brasil. A esses fundos se somam operadores globais, que também são provenientes da indústria. Destaca-se aqui o Intel Capital, que possui equipe em São Paulo e administra um fundo dedicado ao país e à região, com cerca de US$ 50 milhões. O Brasil não vai se transformar da noite para o dia em Israel, o El Dorado das "start ups" tecnológicas (cerca de 4 mil, maior densidade por habitante do mundo) e do VC (mais de 700 fundos locais e 220 internacionais procurando investir em "start ups" israelenses). Ainda assim, estamos vendo surgirem histórias de êxito, empresas de tecnologia, como a Tivit, adquiridas por capital de risco internacional por valores próximos a US$ 1 bilhão, ou o Buscapé, empresa de internet comprada pelos sul-africanos da Naspers. O Brasil ainda não tem empresas cotadas na Nasdaq (Israel possui mais de 60), mas tudo indica que esta nova década também possa ser a da inovação e tecnologia. Em todo caso, é isso que se deve desejar ao país do futuro convertido na potência do presente.

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