sexta-feira, 27 de maio de 2011

Capital remunerado

Autor(es): Fernando Torres | De São Paulo
Valor Econômico - 26/05/2011
 
As grandes companhias do país remuneraram mais o capital em 2010 do que a média do setor empresarial brasileiro. Levantamento feito pelo economista Marcelo D"Agosto com 105 grandes empresas com ações na bolsa mostra que, na média, 36% da riqueza gerada por essas companhias teve como destino a remuneração do capital - seja dos credores ou dos acionistas.
Na média brasileira, usando dados do Produto Interno Bruto (PIB) como referência, apenas 25% da riqueza criada remunerou o capital.
Essa riqueza não se confunde com o lucro das companhias. Ela representa o "valor adicionado" por elas. Grosso modo, essa medida indica a contribuição das empresas para a formação do PIB. [subsistência dos capitalistas, renda de luxo]
O cálculo tem como base o faturamento bruto, descontados os custos com insumos comprados de terceiros, como matérias-primas, mercadorias e energia. A sobra, que é a riqueza criada, é repartida então entre os donos do capital (acionistas e credores), governo e trabalhadores.
"Em termos relativos, a remuneração média do capital que é conseguido pelas grandes empresas é 44% superior ao alcançado pela média total de todas as atividades econômicas do Brasil", afirma o especialista.
Da parcela de 36% do valor adicionado que remunerou o capital das companhias com ações em bolsa no ano passado, 21 pontos percentuais se referiram à fatia dos acionistas - absorvida por retenção de lucros ou distribuição de dividendos -, enquanto os credores ficaram com 15 pontos percentuais via pagamento de juros.
Entre as empresas do estudo, os destaques foram Fibria, Vale e PDG, que destinaram respectivamente 74%, 68% e 66% do total da riqueza gerada em 2010 para remuneração do capital.
Ainda que isso não seja verdade em 100% dos casos, o economista considera que a remuneração maior do capital pode ser um sinal de que as empresas conseguem construir um "fosso econômico" ao redor de suas atividades.
O termo foi cunhado para designar o conjunto de vantagens competitivas de uma empresa, geralmente associado ao seu tamanho, sua estrutura de custos, à gama de serviços oferecidos e às dificuldades que os atuais clientes encontram para substituir os serviços ou produtos e os seus ativos intangíveis, tais como marcas, patentes e reservas legais de mercado.
A diferença na remuneração do capital pode se justificar pelo fato de as empresas abertas, pelos setores em que atuam, serem mais intensivas em capital.
As 105 empresas da amostra usada por D"Agosto distribuíram valor adicionado de R$ 645 bilhões em 2010, montante equivalente a 17% do PIB.
O levantamento evidencia também que há diferença em termos de tributação. Os demonstrativos das grandes empresas mostram que o recolhimento de tributos equivale, em média, a 37% do valor adicionado a distribuir. No Brasil, os dados consolidados sobre as contas públicas apontam que a arrecadação total com receitas tributárias e contribuições equivale a 30% do PIB. O que explica a tributação maior do primeiro grupo, segundo D"Agosto, "é a presença de grandes companhias em setores altamente tributados, como energia, telecomunicações, bebidas e fumo".
Da amostra usada, as empresas que tiveram maior parcela do valor adicionado em 2010 entregue na forma de tributos foram Souza Cruz, Light e CPFL, com percentuais de 79%, 74% e 71%.
A diferença observada na remuneração do capital e do setor público é compensada na remuneração de pessoal, último componente de distribuição do valor adicionado. Como nas grandes empresas a remuneração do capital e a tributação representam parcelas relativamente mais elevadas, a participação média dos salários sobre o valor adicionado total a distribuir é menor, de 27%.
No Brasil como um todo, o cálculo dessa fatia foi feito com base na relação entre a massa salarial e o PIB, que foi de 45% em 2010. A partir da diferença entre a fatia destinada aos salários e ao governo, D"Agosto chegou à fatia de 25% que sobra para o capital.
Para fazer comparações de demonstração de valor adicionado com o PIB, o professor Ariovaldo dos Santos, da Fipecafi, prefere usar séries longas e aponta como um dos motivos a diferença de metodologia dos cálculos. Enquanto a contabilidade chega no valor adicionado a partir das vendas, o PIB é calculado pela produção. "Se uma empresa produzir 10 e não vender nada em determinado ano, o economista vai dizer que ela fez 10 e o contador zero. Se no ano seguinte ela vender os 10 e não produzir nada, ocorrerá o contrário", afirma Santos.
Ele ressalta ainda que o cálculo do PIB depende muito de estimativas, enquanto que a contabilidade é baseada em dados mais estruturados e verificáveis.
Em relação à distribuição do valor adicionado, ele chama atenção ainda para variações que podem ocorrer de um ano para o outro, a depender do cenário econômico. "Em 1999, numa amostra de quase mil empresas, 36,6% foram para tributos e 41% para o capital. Em 2003, 43,6% foram para tributos e 35,5% para capital", exemplifica.

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