terça-feira, 24 de maio de 2011

Comunidades Eclesiais, Ecumênicas e Ecológicas de Base

Re-encantar as Comunidades Eclesiais de Base
 
"Pelo benefício ecológico em favor do meio-ambiente o catador por sua própria natureza e pelo seu trabalho, é já e no mínimo, um cristão anônimo neste início do século XXI, em que o nosso planeta está doente. Os catadores individualmente – mais de um milhão de pessoas no Brasil – exercem também as nobres funções de Médicos do Planeta e deProfetas da Ecologia", escreve Antonio Cechin.
Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais, autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
Eis o artigo.
Já se tornou lugar comum entre os formadores de consciência, exaltar biografias de pessoas guindadas que foram, pelo voto popular, ao posto mais alto em seu respectivo país. Os biografados são tanto mais dignos de encômios quanto mais humildes foram suas origens. Se a essa característica de nascimento em meio pobre é aliada a uma vida de grandes sofrimentos, tais personagens são duplamente glorificados. Assim no Brasil, um operário como Lula, sendo eleito presidente da república depois de várias tentativas, sempre frustradas por se tratar de um operário metalúrgico, sem nunca ter tido acesso a algum curso de nível superior. Quando finalmente conseguiu chegar aos píncaros da presidência, sua biografia virou livro e até roteiro de cinema.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, considerado o príncipe dos sociólogos brasileiros, quando concorrente de Lula, orgulhava-se pessoalmente de “ter tido um pé na cozinha”.
O fato de um negro como Obama, chegar à presidência dos Estados Unidos, mau grado todo o ranço racista daquela civilização necrófila, continua sendo considerado verdadeiro milagre a deixar todo o mundo boquiaberto.
Não menos surpreendente foi a escalada da primeira mulher à presidência do Brasil. Para essa façanha, tiveram que escoar 510 anos de história da nação. Dilma, se não é de origem humilde, ainda jovem optou pela causa dos pobres, arriscando a própria vida em favor dos oprimidos do país. Compensou suas origens de classe média com sobrecarga de sofrimentos que a fizeram passar pelos cárceres e pelas torturas. Ontem como guerrilheira, havia-se jogado de corpo inteiro contra a ditadura militar. Hoje, mais do que presidenta, Dilma ostenta também a gloriosa função de chefe suprema das forças armadas, instituição que a massacrou há tão poucos anos. A continência que lhe fazem coronéis e generais quase até nos arranca um sorriso quase a exclamar “quem te viu e quem te vê!”
Por que será que chegar ao posto mais alto, tendo como ponto de partida origem das mais humildes, somada a uma qualidade de vida em meio a grandes sofrimentos, acaba sendo motivo de glória com direito a reconhecimento universal?
Sou de opinião que, no fundo e por trás de tudo, está o fato paradigmático que aconteceu com o homem mais importante, de maior influência em toda a história da humanidade. Esse homem todo poderoso porque Filho do próprio Deus, é Jesus de Nazaré. Ele nasceu na miséria de um abrigo para animais. Foi numa gruta, nas periferias de Belém, em berço rodeado de esterco. Sua vida foi por demais sofrida, semeada de perseguições.  Morreu pregado numa cruz erguida em cima de um monte, para escárnio de todos os passantes. Tudo isso apesar de ter vivido “só fazendo o bem”, expressão sempre repetida nos livros sagrados.
Nazareno, numa de suas parábolas, a do filho pródigo, para descrever seu personagem em situação demiséria extrema, fê-lo exercer a profissão de guardador de porcos. Devorado pela fome, desejava até comer junto com os porcos, a mesma comida que estes, mas o patrão nem mesmo isso lhe permitia. A absoluta necessidade de saciar a fome o fez refletir e decidir o retorno à casa paterna.
Essa minha interpretação de que uma trajetória de vida iniciada com nascimento o mais humilde que se possa imaginar, e de uma vida semeada de sofrimentos incríveis, vejo agora corroborada pelo jornalista Marcos Rolim, num de seus comentários sobre o levante atual dos países árabes, acrescido do terrorismo em conseqüência da eliminação pura e simples de Bin Laden. Pinço do comentarista de apenas meia frase de um longo artigo:  “a mensagem de Cristo carrega um potencial subversivo que explica, em parte, as razões pelas quais as sociedades que conheceram o cristianismo tiveram maiores chances de incorporar a noção de Direitos Humanos na modernidade” (Zero Hora, 8 de maio de 2011, pág.12)
Quem é que hoje não inveja ter uma trajetória de vida o mais próxima possível do Homem Jesus de Nazaré? No mundo ocidental o caldo cultural é profundamente cristão. Em conseqüência, o perfil de um herói e mesmo de um santo tem que se aproximar da trajetória de Cristo.
Apesar de fatos de políticos como os citados acima, terem sido badalados pela imprensa como inusitados e dignos dos maiores elogios, duvido que dentro do contexto nacional, haja itinerário biográfico mais glorioso e sensacional – excetuado Jesus Cristo – do que o do catador. Ontem ele individualmente era um papeleiro, um carrinheiro, um lixeiro. Se referiam a ele como sendo um “pária da civilização urbana”, muito próximo e quase sem diferenciação  de um cão, de um gato, de um rato. Como esses três tipos de animais, nosso catador começou a fuçar nos depósitos de lixo, com eles disputando comida. E agora, não é que deu a louca no cinema quando há poucos dias atrás alçou à candidatura de seu maior prêmio – o “Oscar” – o filme “Lixo Extraordinário” consagrando definitivamente os catadores como heróis por excelência!...
Nem é nosso o apelo à dificuldade de, em certas circunstâncias, ter dificuldade na diferenciação de diferenciar um catador de um animal. É de Manuel Bandeira, clássico da poesia, quem o estigmatizou através deste poemeto:
“Vi ontem um bicho no fundo do pátio
catando comida entre os detritos
quando encontrava alguma coisa
não examinava nem cheirava
engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
não era um gato,
não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem!...
No apelo final ao próprio Deus vai todo o espanto do poeta – por ter sido obrigado pelas circunstancias a confundir um vivente “feito à imagem e semelhança do Criador” com os próprios animais. É uma espécie de pedido de perdão.
O filme “Ilha das Flores” de Jorge Furtado, cineasta da Casa de Cinema de Porto Alegre, curta-metragem catalogado entre os primeiros lugares na lista dos 100 melhores em toda a história do cinema, foi muito feliz ao documentar o catador de primeira jornada, disputando alimento com os porcos, com fama de os mais imundos dos mamíferos. Isso acontecendo logo ali, na Ilha Grande dos Marinheiros, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, onde até para as aves do céu sobra comida.
Como a natureza é sábia, ou melhor, como é sábio aquele que está por detrás da natureza, o Pai Criador! Ele que “tudo tem feito bem” segundo os livros sagrados, para garantir a continuidade da vida, criou todos os seres vivos atormentados desde o instante do nascimento pela fome, quer se trate de humanos, animais ou plantas. A fome é o motor que os faz correr em busca do alimento e assim a vida pode ir seguindo.
O catador sem fonte de renda, em sua busca desesperada para saciar a fome, não escolhe lugar para catar. Nem é de estranhar que privilegie, em meio à sociedade consumista, os depósitos de lixo. Como é uma criatura provida de razão, aos poucos vai descobrindo que, misturadas à comida, há outras coisas que podem ter ainda alguma utilidade.
Quando, em final de jornada, retorna a seu abrigo, em baixo de ponte ou viaduto, até seus próprios vizinhos, deitados ao relento, lhe solicitam algum tipo de descarte. É só mais um passo e inicia uma rotina de trocas. Outro passo mais e a troca começa a render um troco, isto é algum dinheiro.. Neste ponto ele, inconscientemente se torna um trabalhador. Vira “classe social” ainda que a mais baixa do planeta. Desperta então, dentro dele, uma fúria sagrada em busca dos lugares em que são atirados os resíduos, as sobras. Para ele, agora catador, lixo não é mais lixo, muda-lhe nome e definição. Passa a ser por ele chamado de rejeito ou resíduo e o define como matéria-prima acumulada com valor. Tudo o que tem valor se vende e se compra. É a inexorabilidade do mercado dentro do sistema capitalista.
Em conseqüência de suas descobertas vai conseguindo melhorias, quase sem perceber. Passa a se alimentar melhor, tem melhores roupas para se vestir, e mesmo lhe aparece pela frente algum cantinho para melhor se abrigar, nem que seja ainda embaixo de uma marquise. Sem se dar conta, vai se inserindo lentamente na sociedade consumista.
Chegado a essa etapa do seu itinerário de vida, ele começa a caminhada para a inserção de corpo inteiro no capitalismo. Ei-lo mais um pobre cooptado pelo consumismo. Pobre com cabeça de rico. Para aumentar um pouco mais seu ganho pode até virar carrinheiro ou carroceiro, conforme o tipo de tração de seu meio de transporte: humano ou animal. A poetisa Maria Carpi captou com grande felicidade o sonho de ascensão social que conseguiu ler nele:
“Lá vai Jesus da Silva
puxando seu carrinho
de lixo reciclável.
Acomodou no veículo
de trastes, câmaras
vazias para amortecer
as paradas cardíacas
do óbolo longe cuspido.
Um desperdício feito
cão que esmola seus calos.
Suando além do sobejo,
teria um cavalo que seria
um sobressair-se na vida
mendiga. Um alistar-se
além do semáforo e das
comportas e fugas d’água.
Mas ser Jesus é não ter
pressa e  escrever a pé
a eternidade, arrastando
o sobrante da estreita porta’.
Até aqui o perfil individual da maioria dos catadores que conhecemos, sem nunca terem freqüentado uma escola, formados exclusivamente pela escola da vida. Faz parte da sua história, a marchinha de carnaval dos anos 50:
“Ai que vida triste, tão cruel,
Tem o homem que cata papel!
Sua profissão é um buraco
Só pode ir pra casa depois
De encher o saco.”
Apesar do mundo que o cerca fazê-lo objeto até de chacota, uma pessoa de fé que sabe ler os “sinais dos tempos” na expressão do Evangelho de Jesus Cristo, recuperada pelo bom papa João XXIII, neste ano em que “a terra geme em dores de parto” como preconiza a Campanha da Fraternidade deste ano de 2011, podemos envolver nosso carrinheiro com a áurea de um Bem-aventurado, proclamando: “Feliz de ti, catador, porque és um Profeta da Ecologia e um Médico do Planeta!” Temos certeza que a Terra agradece respondendo: Amém! Assim seja!
Se lhe dermos uma mãozinha, a partir desse momento de sua caminhada, ele pode dar o salto mais qualitativo da vida, transformando-se não só em autêntico cidadão mas também em perfeito cristão. Aliás pelo benefício ecológico em favor do meio-ambiente o catador por sua própria natureza e pelo seu trabalho, é já e no mínimo, um cristão anônimo neste início do século XXI, em que o nosso planeta está doente. Os catadores individualmente – mais de um milhão de pessoas no Brasil – exercem também as nobres funções de Médicos do Planeta e de Profetas da Ecologia.
Infinitamente melhor maiores são essas façanhas quando ele entra para um Coletivo de Catadores ou uma Comunidade Ecológica de Base. Nem a própria Bíblia minimiza a profissão de Catador. Jesus de Nazaré, a Mãe Maria, os Patriarcas e os Profetas, quando faziam suas orações, assim falavam de Deus e a Deus:
“O Senhor levanta da poeira o indigente
e do lixo ele retira o pobrezinho,
para fazê-lo assentar-se com os nobres,
assentar-se com os nobres do seu povo” (salmo 112)

Mas o que é mesmo uma Comunidade Ecológica de Base?
Diferentemente de uma fábrica ou de uma firma em que há um patrão e muitos empregados ou operários; diferentemente de uma associação em que os sócios têm apenas um elo jurídico que os liga em função de um mesmo objetivo; diferentemente de uma cooperativa em que os cooperativados têm apenas uma que outra relação de colaboração mútua, não necessitando trabalhar um ao lado do outro; a nossaComunidade Ecológica de Base é antes de tudo e acima de tudo um Mutirão. Só o mutirão é porta de entrada para uma autêntica Comunidade.
Mutirão é coisa muito antiga, remonta à época em que os índios eram os únicos habitantes destas terras. Hoje já quase se perdeu o costume do Mutirão. Só gente pobre, quer do campo quer da cidade, de vez em quando ainda trabalha dessa forma.  A própria palavra é mais conhecida através de corruptelas lingüísticas de tipo bem popular, como puxiru ou pexiru. É vocábulo de origem guarani que significa trabalho ou ato de trabalhar. As comunidades guarani dos Sete Povos das Missões só sabiam trabalhar em mutirão. Na Comunidade Indígena, a cuja frente está um cacique e a parte religiosa é dirigida por um pajé, todo mundo trabalha junto. Índio não conhece trabalho individual. Eram os guarani dos primórdios, um povo de agricultores já muito antes de chegarem os padres jesuítas para os evangelizar. O jeito sempre comunitário de trabalhar, o designavam com o vocábulo Tupãbaê, cuja tradução é “Trabalho de Deus” ou “Trabalho para Deus” querendo significar que pelo simples fato de todo mundo pegar junto, em todas as pontas, como Comunidade estão realizando o projeto de Deus na terra. Sem conhecer a Bíblia já “ganhavam todos o pão ao suor de seus rostos” expressão da Escritura Sagrada desde que Adão e Eva se exilaram a si próprios do Paraíso Terrestre em que viviam, porque não quiseram obedecer a Deus que os criou. Tomaram posição contrária às leis da natureza saída da mão do Criador.
Só trabalhando juntos, em mutirão, é que se refaz na Terra, o Paraíso Terrestre. Portanto é falsa a interpretação que se ouve por aí, de que Deus castigou os homens “expulsando-os do paraíso” e condenando-os ao trabalho às expensas de muito suor. Infelizmente essa interpretação acabou originando a expressão “comer o pão que o diabo amassou”.   
O mutirão dos papeleiros inicia quando dois ou três decidem trabalhar juntos. Começa aí o “refazimento do Paraíso Terrestre”. É do Mestre Jesus esta frase:”quando dois ou mais se unem e se reúnem, aí estou Eu no meio deles”. Nós mais Deus na Comunidade, é a restauração do Paraíso inicial.
No Coletivo de Catadores, no Mutirão, todos melhoram em qualidade de vida e em alegria interior. Em qualidade de vida, porque juntos produzem mais e com isso ganham mais.Em alegria interior porque aprendem a partilhar entre todos dentro do princípio “de cada um de acordo com suas possibilidades para cada um de acordo com suas necessidades.” Nesse princípio está a base daquilo que os historiadores chamam de socialismo primitivo, eminentemente comunitário onde se criam relações interpessoais ricas, onde todo mundo conhece todo mundo, onde existe auxílio mútuo e onde as pessoas realmente se amam.
Antoine de Saint Exupéry, aviador e escritor, que escreveu o livro-poema intitulado “O pequeno Príncipe”, em seu outro livro “Terra dos Homens” prorrompe em determinado momento com a voz de comando: “Mete-os juntos a construir uma torre e os terás transformado em irmãos”. É o milagre realizado pelo MUTIRÃO, sempre comunitário em sua própria essência.
Conflitos na Comunidade de Catadores? Há até demais. Ainda mais quando reunimos, como aqui, os mais lascados da sociedade. Porém se criamos um bom ambiente de muita alegria, mesclado de muito canto porque “quem canta, seus males espanta.” Lembro de ter lido em Santo Agostinho: “Como é que posso brigar com o meu irmão se até a minha voz casei com a dele cantando um salmo”.
A fim de facilitar a organização dos mutirões, em nossas Comunidades Ecológicas de Base, garantindo-lhes uma arrancada correta, seguida de uma CAMINHADA sem retrocessos, nos falta, no Brasil, uma lei regulamentando aquilo que é eminentemente economia solidária de raiz porque inventada por gente da categoria mais lascada que existe.
Quatro coisas, extremamente simples, bastariam para essa lei nacional com sua devida   regulamentação, funcionarem com a perfeição que se espera do Mutirão.
1) Um livro de atas. Sim, porque necessitamos, para a criação de uma Comunidade, que o grupo de catadores decididos a inaugurar um Mutirão, se reúnam debaixo de uma árvore ou ao redor de uma mesa, a fim de conversar e planejar juntos, desde o primeiro momento em que decidiram “pegar juntos”. Essas atas devem receber sempre as assinaturas de todos. Tudo no mutirão deve ser fruto de uma unanimidade.
2) Um Regimento Interno, que nada mais é do que o modus vivendi ou a rotina do trabalho cotidiano. Nele estão previstos os horários de início, pausas e término. Além disso deve também conter as regras ou mandamentos da Partilha, e as regras necessárias a uma boa Coordenação. Também se necessita estabelecer a sistemática das penas para quem não observar as convenções estabelecidas entre todos.. Ótimo seria que também fôssemos ao cartório registrar o nosso Regimento Interno. Com o documento assim registrado teríamos facilidade para parlamentar com todo e qualquer funcionário de poderes públicos que viesse bisbilhotar, quiçá em busca de trabalho escravo.
3) Transparência na contabilidade. Para isso, semanalmente ou quinzenalmente, depois de vendido o fruto da triagem, no mutirão não se pode esconder de ninguédm a prestação de contas para a Partilha do resultado do trabalho de todos e de cada um. Torna-se absolutamente necessário até que, num cartaz, seja exposta, sempre afixada na parede, a relação de todos os catadores com seu nome, horas trabalhadas e o respectivo pro labore.
A questão da transparência no manuseio do dinheiro, despesas e ganhos, é o calcanhar de Aquiles de um mutirão de catadores. Os índios Guarani que entre nós inventaram o mutirão, eram agricultores e repartiam os alimentos que produziam na roça. Nunca quiseram saber de dinheiro. Nunca caíram na tentação do roubo e do enriquecimento. Os romanos se referiam ao dinheiro como “auri sacra fames” (sagrada fome de ouro) e os antigos Padres da Igreja de “esterco do demônio”.  Nós, nos mutirões dos catadores, no meio urbano, trabalhamos com resíduos sólidos que não têm absolutamente nenhum valor dentro da sociedade consumista em que vivemos, a não ser depois da triagem ou separação dos materiais. Só assim lixo vira matéria-prima à disposição das fábricas para a compra. Nesse momento em que trocamos materiais por dinheiro é o momento em que devemos acender a luz vermelha pois é chgegada “a ocasião em que pode nascer o ladrão” conforme o provérbio popular.
Também não podemos esquecer que a falta de transparência no manuseio do dinheiro na Comunidade dos 12 discípulos, animada por Jesus de Nazaré, foi a causa da desgraceira de Judas, apóstolo que se enforcou de tanto remorso, depois de ter traído seu Mestre, chegando ao cúmulo de negociá-lo, vendendo-o por um preço vil de 30 moedas, a inimigos sedentos de sangue, que acabaram com ele pregando-o numa Cruz.
Um Galpão de Reciclagem como se nomeia entre nós aqui no sul uma unidade de Triagem, tem a possibilidade ímpar de se tornar uma Comunidade não só Ecológica de Base, mas também Ecumênica de Base e Eclesial de Base. Começa o mutirão com, no mínimo duas pessoas, porque a Comunidade começa a partir de dois. Foi o próprio Jesus que estabeleceu o número mínimo quando disse: “onde dois ou mais estiverem unidos, lá estou Eu no meio deles”. Nesse Galpão teremos irmãos de ambos os sexos, de diversas religiões, conscientizados da nobreza do trabalho de despoluição do planeta doente, todos ecologistas, todos de fé, todos comunitários. Para orgulho de todos assim se expressava o maior ecologista dos Pampas, nosso saudoso José Lutzemberger: “Um único Catador faz mais, pelo meio-ambiente, no Brasil, do que o próprio ministro do meio ambiente.”
E se quisermos otimizar uma Comunidade de Catadores, temos que chegar a um máximo de 30. Só com este número garantir-se-á uma administração muito singela sem necessidade de duas categorias de funções: a administração ao lado da catação. Daí à origem de duas classes medeia apenas um pequeno passo.  Como não nos cansamos de repetir: no mutirão todos fazem juntos desde a coleta, a separação dos materiais, a venda. a partilha, a limpeza, etc. etc.
Resumindo:
1) Para os que dizem que as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base – estão em crise, nós os convidamos a radicalizar a Opção pelos Pobres – através da inserção não somente em meio a gente pobre, mas junto aos mais pobres do Planeta, os que estão no meio do lixo porque para eles foi o único espaço que sobrou.
2) Dizíamos entre nós, animadores de CEBs, nos tempos áureos do grande entusiasmo que, se chegássemos ao número de 100.000 Comunidades, o Brasil realizaria a grande revolução social. Chegamos às cem mil e a tal revolução continua a caminho.
Os catadores no Brasil são hoje mais de um milhão mas com pouquíssimos grupos organizados, isto é, formando Comunidades na base do trabalho em Mutirão. E quem é que, neste mundo tem, a partir de Jesus de Nazaré, como Projeto, a construção de autênticas Comunidades mais do que a Igreja? Por isso, arregacemos as mangas e vamos ao trabalho de reconstrução do Paraíso Terrestre na Terra! Um milhão de catadores organizados em Comunidades de 30 pessoas, podem representar uma nova onda de mais de cem mil Comunidades Ecológicas-Ecumênicas-Eclesiais de Base (CEEE’s). Teremos ventos novos na Igreja e na Sociedade.Ao lado do MST que criamos a partir das CEBs e que nos enche de orgulho para as populações interioranas, pode surgir um movimento- réplica do MST para as cidades. Para o vôo da Revolução autêntica necessitamos de duas asas: a dos Profetas Ecológicos do Campo e a dos Profetas Ecológicos da Cidade.
Encerrando e para não dizer que não falei de flores, retorno ao começo deste texto para dizer que para além de nascimento humilde aliado a uma vida de muito sofrimento, o verdadeiro e decisivo critério valorativo de uma vida de qualquer pessoa, seja rica ou seja pobre, seja de alta ou baixa categoria social, seja homem ou mulher, é o critério estabelecido pelo Homem-Deus: “Pelos seus frutos os conhecereis”. È pelos atos, pelas obras que se revela grandeza humana ou mediocridade.
A propósito lembro que tivemos no Brasil um presidente da classe trabalhadora, um operário metalúrgico. Quando repórteres perguntavam a Lula, em seus últimos dias de governo, a respeito da Lei dos Resíduos Sólidos, divulgada popularmente como lei do lixo, e sobre Catadores, o presidente operário não conseguia sofrear a emoção, puxava o lenço do bolso e enxugava as lágrimas. Tive ocasião de contemplar essa cena através da televisão. Alguns dias depois do acontecido, tendo tido a rara oportunidade de chegar perto dele e de lhe apertar a mão pela primeira vez, ainda pude dizer-lhe: “Feliz é o Brasil que tem um presidente que chora sobre os catadores, a mais humilde categoria dos que constroem a nação!”
Lula, nos quatro últimos anos, foi celebrar seu Natal no meio dos Catadores do estado de São Paulo. No último natal, em 20 de dezembro do ano passado, como uma espécie de herança de governo, o presidente-operário deu um presentão aos últimos deste país. Presente só comparável em significado, ao dos magos ao Filho de Deus, quando este nasceu na cidade de Belém.
Lula não foi sozinho para o abraço de Natal aos catadores e de despedida. Levou a tiracolo os presidentes do Banco do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, da Caixa Econômica Federal, da Petrobrás e outros mais.  Numa mesa, postados à frente dos milhares de papeleiros presente, os administradores do dinheiro público assinaram investimentos para os recicladores do Brasil deixando de boca aberta os representantes, também papeleiros, de sete outros países da América Latina, desafortunados por não terem apoio algum em seus respectivos países, expressando em seus rostos uma inveja incontida dos colegas brasileiros.
Se o Mestre Jesus disse que o Reino de Deus é dos Pobres e que os últimos deste mundo tem que ser os primeiros em seu Reino, Lula já fez a sua parte. Organizar catadores em pequenas Comunidades Eclesiais de Base – Eclesíolas – e pelo fato mesmo empoderá-los num grande Movimento Popular, é tarefa nossa, da Igreja. Porque não partir para juntar papeleiros em coletivos e te-los conosco, trabalhando juntos de seis a sete horas por dia? Haverá jeito mais eficaz de ajudá-los a serem Comunidade Ecológica, Eclesial e Ecumênica de Base?
Neste Re-encantamento das Comunidades, Lula coloca à nossa disposição, recursos em superabundância, bastando para tanto apenas bons projetos. Com tais recursos, com toda a certeza se tornará fácil mais fácil “despregar da Cruz em que estão milhões de pobres em nosso país” na linha do discurso do grande Sobrino, teólogo da Libertação.
Será que é possível aspirar a algo mais neste mundo em atenção à Oração Sacerdotal do Mestre Jesus:”Pai eles (os catadores) estão no mundo mas não são do mundo!. Peço-te que não os tires do mundo...” Construir Comunidades de Catadores na linha doMutirão Guarani significa reconstruir o Paraíso Terrestre primitivo destas Terras de Santa Cruz. Será o penhor aqui e agora do Reino definitivo na pátria celeste. De dentro do projeto capitalista de nossa atual “terra de todos os males” assistir ao refazimento da “Terra Sem Males” da utopia guarani-missioneira.

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