Pleno uso evitaria 5.000 viagens por dia de caminhão na Dutra, diz estudo
Para analistas, falha é do modelo de concessão; MRS, que opera linha, afirma que problema de logística traz restrição
DIMMI AMORA
ENVIADO ESPECIAL AO VALE DO PARAÍBA
Enquanto o governo tenta emplacar o trem-bala entre Rio e São Paulo, a linha ferroviária existente entre os dois centros mais importantes do país trabalha com uma ociosidade de 66,2% no transporte de carga.
É o que mostra estudo feito pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a pedido da Folha, sobre o chamado Ramal de São Paulo.
Se fosse utilizado em sua plenitude, evitaria cerca de 5.000 viagens diárias de caminhão de carga (27 toneladas) pela via Dutra, que acompanha seu traçado, o que representa 36% do movimento de caminhões do último trecho de São Paulo.
O trecho principal começa em Barra Mansa (RJ) e vai até o bairro do Brás (SP). O levantamento usou parâmetros mínimos de tráfego e atestou que ele poderia levar 35,3 milhões de toneladas anuais de carga. Em 2010, transportou 11,9 milhões.
O modelo da concessão é apontado por especialistas como um dos fatores para essa realidade. A via é administrada desde a década de 1990 pela MRS Logística, empresa que tem como principais sócios a Vale e a CSN.
"Não temos poder de fazer a MRS transportar mais carga pelo ramal, mesmo ocioso. Queremos que, se ela não usa, outros possam usar", afirma o presidente da ANTT, Bernardo Figueiredo.
A empresa diz que não consegue carregar mais volume por problemas logísticos e devido ao compartilhamento de trilhos com trens de passageiros em São Paulo.
Mas especialistas apontam o fato de que a linha acaba transportando só produtos que interessam a sua controladora, da área de mineração e siderurgia, e que não é adaptada para cargas de menor volume e maior valor -que vão em contêineres.
PRIVATIZAÇÃO
"Para a Vale, a MRS não é receita. É custo. Foi uma falha na privatização não ter permitido a entrada de terceiros na via", diz Antonio Pastori, economista e ex-funcionário do BNDES na área de logística, ressalvando que o problema é semelhante nas outras concessões pelo país.
Segundo o estudo, 92,7% do volume transportado em 2010 refere-se apenas a três produtos: minério de ferro (86,3%), carvão mineral (2,7%) e siderúrgicos (3,7%). Outros 18 produtos ficaram com apenas 7,3% do volume.
Apesar da alta de 20% no volume transportado em 2010 ante 2006, a concentração em minério, carvão e siderúrgicos é praticamente a mesma de cinco anos atrás.
Roda de trem é exportada por rodovia
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2205201103.htm
Fábricas no Vale do Paraíba que ficam entra a Dutra e a linha férrea são obrigadas a escoar produção pela estrada
Parte da capacidade ociosa da ferrovia entre Rio e São Paulo começa a ser usada para o transporte de areia
DO ENVIADO AO VALE DO PARAÍBA
Na estreita faixa que separa a via Dutra e a linha férrea, há centenas de empresas instaladas. Uma delas, a MWL do Brasil, em Caçapava (SP), produz rodas e eixos para trens. Mas uma parte dos equipamentos ferroviários da MWL é exportada sem conhecer os trilhos brasileiros.
O domínio da carga de minério na via faz com que o desvio de 30 metros entre a linha e a fábrica da MWL esteja coberto de mato e areia por falta de uso. Dezenas de fábricas com desvios semelhantes encontram-se na mesma situação.
Marcus Vinicius Hypólito, administrador do terminal multimodal que ainda recebe carga dos trens, diz que por ali passavam no início da década passada milhares de contêineres por mês vindos da ferrovia. Mas há dois anos a operação parou, e os equipamentos vão por rodovia.
"A região tem potencial para levar contêiner por trem, mas seria necessário uma política pública para coordenar vários clientes com pequenos volumes."
AREIA
Enquanto a política pública não vem, o capital vai se arrumando. Parte da grande capacidade ociosa da linha começou a ser usada para transportar areia. Em cinco anos, esse transporte subiu de 1,21 milhão para 1,58 milhão de toneladas. É 10% da demanda de São Paulo.
Cada milhão de toneladas transportado por trem tira 80 mil viagens de caminhão. José Roberto Lourenço, diretor de projetos da MRS, olha para um terminal multimodal de areia em Jacareí, na borda da Região Metropolitana de São Paulo, e diz com pesar: "É o nosso tipo de carga. Mas não temos capacidade de levar mais".
O motivo da recusa está à frente. A partir de Itaquaquecetuba, a linha sai das bucólicas paisagens do Vale do Paraíba para as cidades do entorno. Lá, os trem urbanos de passageiros da CPTM e os de carga compartilham trecho de 12 km até Suzano.
Os comboios da MRS só podem passar das 9h às 15h e das 21h às 3h, controlados pela CPTM. A velocidade não é baixa (perto de 13 km por hora, em média), mas não é possível fazer programação.
"Estamos há um ano tentando licença para fazer uma linha exclusiva. O Ibama já nos deu, mas a agência reguladora de transportes, não", afirma Lourenço.
CONCENTRAÇÃO
O presidente da ANTP (Associação Nacional de Transportadores Públicos), Ayrton Camargo e Silva, diz que a ferrovia nacional foi moldada para carga de grande volume e baixo valor (minério) -por isso há a dificuldade de operar carga de baixo volume e alto valor (contêiner).
Segundo ele, para a ferrovia SP-RJ ter melhor utilização, seria necessário, além de resolver os gargalos, conhecer melhor os pontos de origem e destino das cargas.
Outro dado que mostra a concentração de carga é a quantidade de fluxos que passam no trecho.
O estudo diz que em 2006 havia 220 pontos de origem e destino ao ano passando no ramal. Isso significa que um trem saiu de um ponto e chegou a outro usando o ramal de São Paulo. Em 2007, o número foi a 251, para cair a 176 em 2010. Ou seja, menos carga saiu ou chegou a menos lugares.(DIMMI AMORA)
Compartilhar rede impede melhor uso, afirma MRS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2205201105.htm
O presidente da MRS Logística, Eduardo Parente, disse que os problemas logísticos e de compartilhamento da linha com a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) impedem um melhor uso da ferrovia.
Segundo ele, nos trechos de até 400 quilômetros, as ferrovias tendem a ser pouco competitivas em relação aos caminhões para pequenas quantidades de carga.
"A carga precisa ser levada da indústria ao terminal ferroviário por caminhão e aí há perda de tempo. Numa distância longa, é possível recuperar o tempo. Nas curtas, é mais difícil", disse Parente.
Mas o problema específico em SP é, segundo Parente, o compartilhamento com os trens urbanos. Os trens têm prioridade no uso da rede e a carga só passa em 12 horas por dia. Além disso, há restrições operacionais, como redução de peso e velocidade no trecho compartilhado.
Para aumentar o volume transportado, seriam necessários dois investimentos. O primeiro é a construção de linha compartilhada em Itaquaquecetuba, que levaria as cargas para Santos sem passar por São Paulo. O investimento é de R$ 120 milhões.O segundo seria a construção do ferroanel norte, ligando a região de Jundiaí a Itaquaquecetuba. Segundo ele, com esse anel, que custaria R$ 2 bilhões, seria possível não passar com cargas pelo centro de São Paulo.
País precisa de mais ferrovias para elevar competitividade
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2205201106.htm
MANOEL A.S. REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Brasil é um grande produtor de commodities agrícolas e minerais, itens com baixo valor agregado e transportados em elevadas quantidades ao longo de grandes distâncias.
Tais produtos não podem ser onerados com valores altos de frete, para evitar o comprometimento de sua competitividade.
Assim, o sistema ferroviário e também o hidroviário são os ideais para o seu transporte nas longas distâncias, embora no Brasil isso seja realizado em larga escala por meio do transporte rodoviário, de alto custo e baixa capacidade, o que reduz fortemente sua competitividade internamente e nas exportações.
Nossa rede ferroviária possui 28 mil quilômetros de extensão, número pífio quando comparado ao das redes de outros países semelhantes em porte e recursos naturais (a rede hidroviária é insignificante, mesmo tendo o país uma das maiores redes de rios do mundo).
Durante muitos anos, o país deixou de considerar e planejar sua rede de transporte de baixo custo. Hoje, há consciência dessa falha e certo afobamento para minorar o problema.
A maioria das ferrovias concentra-se no Sul e no Sudeste e parcialmente no Nordeste e esteve por anos sob controle e operação estatal, até o início dos anos 1990, quando foi concedida à iniciativa privada.
As regiões Norte e Centro-Oeste, que correspondem a cerca de 65% do território nacional, são um quase completo vazio de ferrovias.
Por meio do PNLT (Plano Nacional de Logística e Transportes), desenvolvido pelo Ministério dos Transportes, em cooperação com o Ministério da Defesa, foi planejada a implantação de mais 12 mil quilômetros de ferrovias até 2025, com uma distribuição geográfica que permitirá cobertura muito mais ampla do território nacional e a desejável prática da intermodalidade (sequência conveniente de sistemas de transporte).
Essa implantação permitirá o acesso ferroviário de grande parte do território nacional a qualquer um dos principais portos marítimos do país, de norte a sul.
A nova realidade fica ainda aquém das necessidades do país, mas permitirá uma redução expressiva dos custos logísticos das commodities e de outros produtos, proporcionando o desejável aumento da competitividade e das exportações brasileiras para o mercado global.
Resta o governo acelerar essas implantações. É preciso que dê sua contribuição e ajuste a regulação correspondente, de forma a tornar atraentes para a iniciativa privada os investimentos nessas implantações.
Um fator de importância é que as concessões sejam realizadas de forma a permitir a fluidez do transporte nas longas distâncias, ao contrário do que foi feito nas concessões iniciais, que criaram blocos limitados a regiões relativamente restritas, dificultando a integração.
MANOEL A.S. REIS, professor da FGV-EAESP, é coordenador do GVcelog (Centro de Excelência em Logística e Supply Chain).
Nenhum comentário:
Postar um comentário