sexta-feira, 27 de maio de 2011

Choques nos termos de troca e a demanda agregada

Autor(es): Tony Volpon
Valor Econômico - 26/05/2011

Qual o verdadeiro peso dos fatores externos para explicar o comportamento da economia brasileira? Olhando para o período pós-crise, por exemplo, se convencionou explicar a forte recuperação como fruto das políticas anticíclicas executadas pelo governo. Outra avaliação comum é atribuir a demanda interna como verdadeiro motor da economia. Enquanto todos entendem que fatores externos têm sido importantes, o fato de que a corrente de comércio se encontre abaixo de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) parece ser prova de que é no mercado interno que encontramos os fatores dinâmicos da nossa economia. Essa visão da economia brasileira, defendida com igual ênfase tanto pelos ortodoxos como desenvolvimentistas, está errada. Apesar dos acalorados debates entre essas correntes, ambas mantêm igual crença no mito de que a força da economia brasileira surge do mercado interno. Tanto o discurso ortodoxo, que vê nos excessos fiscais e monetários a causa principal dos problemas inflacionários, como o discurso desenvolvimentista, que vê nesses mesmos fatores a razão pelo alto crescimento, erram em não entender que são os fatores externos que explicam o que temos de bom (maior demanda e crescimento) e de ruim (maior inflação e câmbio apreciado) na economia brasileira.
A melhor métrica do impacto de fatores externos sobre a economia hoje é a tendência dos termos de troca, e como esses afetam tanto a demanda como a oferta agregada por uma variedade de canais. A alta dos preços de commodities foi desde 2003 importante para melhorar a posição externa do país. Apesar de alguma melhora nos termos de troca desde 2003, foi somente em 2007 que os preços das exportações começaram a subir de maneira mais consistente que os preços das nossas importações, movimento que acelerou depois da crise. De fato, a diferença entre os preços das exportações e os preços das importações se encontra hoje mais de 25 vezes maior que a média dessa diferença desde 2000.
Tal movimento representa um fortíssimo incremento de riqueza para o Brasil, que se irradia pela economia. O maior preço das nossas exportações eleva tanto a renda atual das empresas como o preço das ações.
O índice Bovespa, por exemplo, subiu mais de 350% desde 2006 em dólar americano. Essa grande alta na riqueza nacional gera vários efeitos. Do lado do consumo, sabemos que este sobe com o aumento da percepção de riqueza, ou "renda permanente". Do lado dos investimentos, temos na alta dos preços das exportações o principal fator que levou os níveis do investimento estrangeiro direto (IED) subir de US$ 18 bilhões em 2006 para US$ 48,4 bilhões em 2010; e os fluxos de carteiras de US$ 9 bilhões para US$ 63 bilhões no mesmo período.
Tal fluxo, para uma economia com baixa taxa de poupança (média de 17,3% do PIB desde 2006) tem sido vital para sustentar crescentes níveis de importações sem pressionar o balanço de pagamentos: o "quantum", ou quantidade, importada desde 2006 subiu 94% enquanto o quantum de exportações aumentou somente 4,4%, o que ajudou a diminuir o efeito inflacionário da expansão da demanda agregada durante esse período. Importação de bens de capital é hoje a maior categoria dessa pauta, representando 22,6% do total.
A queda relativa dos preços desses bens em relação às commodities tem permitido um maior incremento da capacidade instalada neste período de forte crescimento. Tudo isso explica a economia conseguir crescer nos níveis atuais sem romper a restrição externa (financiamento do déficit em conta corrente) ou interna (aumento descontrolado da inflação).
Há outros efeitos que não devem ser menosprezados. A melhora da nossa posição externa nesses anos, representada, por exemplo, pela alta das reservas do Banco Central de US$ 54 bilhões em 2006 para US$ 330 bilhões hoje, permite a queda de volatilidade na economia que gera forte redução nos prêmios de risco, permitindo a expansão do mercado de crédito. E, finalmente, o governo na sua função fiscal é um sócio privilegiado de todo esse processo, com suas receitas subindo de R$ 555 bilhões em 2006 para R$ 853 bilhões em 2010, permitindo um proporcional aumento dos seus gastos.
Enquanto o efeito do aumento dos termos de troca tem reconhecido papel na valorização do real, seu lugar na determinação da demanda e, portanto, no nível de juros merece igual atenção. Em recente estudo mostramos como se pode, com resultados estatísticos similares, substituir o hiato do produto em uma função de Taylor com o "hiato dos termos de troca" para explicar o nível da Selic desde 2006. De fato mostramos como um aumento de 1% no "hiato" da relação de trocas leva a Selic a subir 0,17%. Esse resultado mostra como o choque externo tem sido o fator determinante para a economia.
Essa demonstração tem, em nossa opinião, varias consequências para a política econômica. Primeiro, se a mudança nos termos de troca é a causa exógena do aumento da demanda agregada, o subsequente aumento no nível de juros e câmbio são necessários ajustes de equilíbrio. Qualquer tentativa de impedir esses ajustes via, por exemplo, intervenções no mercado de câmbio, terá efeito temporário e resultado infrutífero, causando inevitável efeito compensatório no equilíbrio geral via aumento da inflação.
De fato, a única forma de impedir uma maior pressão sobre o câmbio e a taxa de juros seria diminuir a pressão sobre a demanda por outros meios, como um menor nível de gastos fiscais e exuberância do crédito. A preocupante perda de competitividade do setor de manufaturados deve ser compensada via medidas microeconômicas, como a maior tributação do excedente de renda dos setores de commodities. Também temos que estar cientes que todos os mecanismos descritos acima que nos levaram à atual abundância podem se reverter. Somente se optarmos por não consumir, mas poupar e investir que vamos poder realmente criar as condições para que haja no mercado interno uma duradoura fonte de desenvolvimento econômico. [não concordo, porque o autor pendeu para só um lado. Como demostrou o comunicado #75 do IPEA, o capital vem da exportação de commodities, mas a acumulação possibilita-se pela inclusão, do aproveitamento da superpopulação relativa; quem paga são os gastos sociais do governo. Estes retornam para o Tesouro e... em meio ao regime de patentes da Terceira Revolução Industrial, essa reinversão acaba beneficiando os conglomerados estrangeiros, que abocanham os nichos expandidos. Aqueles bens de capital são IED, não transferem tecnologia etc. Pensando com palavras velhas, não há propriamente substituição de importação, mas de mercado, embora internalizado, repatriando os lucros para fora do país.]
Tony Volpon é diretor do Nomura Securities International, Inc.

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