segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Conjuntura da Semana. Agências de risco: a face arrogante do mundo econômico


18/7/2011
 
 
A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU.  A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Sumário:
Agências de risco: a face arrogante do mundo econômico
Agências de risco devastando países e vidas
“Wall Street quer sangue”!
Quem são as agências de risco?
O caso argentino. Arrogância e descaso

Crise se alastra
Agências de risco retornam ao centro do debate
Enquadrar as agências?
Brasil está livre da crise?

Conjuntura da Semana em frases
Eis a análise.
Agências de risco devastando países e vidas
No segundo semestre de 2000, os movimentos sociais brasileiros intensificavam a organização do Plebiscito Nacional da Dívida Externa, uma Consulta Popular sobre a legitimidade da dívida e a pertinência de uma auditoria. À época, Gustavo Franco, recém saído da presidência do Banco Central, reagiu: “Imagine o que as agências poderão fazer se o plebiscito da CNBB tiver como resultado que a dívida externa não deve ser paga. Me ocorre perguntar o que o País vai ganhar com isso, além de um rating pior?” [n.1].
Um dos mais prestigiados economistas da Era FHC temia que o Plebiscito Popular da Dívida Externa influenciasse a agências de risco e piorasse o rating – a classificação – do país no cenário econômico mundial.
As agências de risco, basicamente três delas - Moody's, Standard & Poors's (S&P) e Fitch Ratings – foram o terror dos países latino-americanos e asiáticos nos anos 80 e 90. Continuaram exercendo influência nos anos 2000, porém, perderam poder, particularmente na América Latina, com o enfraquecimento do neoliberalismo nos países da região. Mesmo assim, continuaram desfrutando de prestígio como se verificiou em 2008 quando a agência de risco Standard & Poors (S&P) promoveu o Brasil ao chamado grau de investimento - investment grade.
Na época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou a notícia. "É uma conquista do povo brasileiro, que esperou por isso durante tantos e tantos anos", disse. Para o presidente, o novo status do País assumiu um significado a mais. "É o aval de que passamos a ser donos do nosso nariz." "Nâo resta dúvida que agora somos um país sério", disse o então presidente Lula.
Para ser “país sério” se fazia necessário ter uma boa nota no ranking das agências de risco. Durante décadas países asiáticos e latino-americanos foram amaldiçoados por essas agências. Desempenhavam papel similar ao da Congregação para a Doutrina da Fé no tempo da Inquisição: julgavam e condenavam ao anátema aqueles países que não cumpriam as obrigações determinadas pelo mercado financeiro.
O “pão que o diabo amassou” que durante anos países pobres e emergentes comeram das mãos das agências de risco, voltou-se para alguns países da Europa e, supreendentemente, até mesmo para a meca do capitalismo mundial, os EUA. As agências de risco após espalham pavor pelo continente europeu, ameaçando países do porte como a Espanha e Itália, ameaçam agora os EUA.
A diferença é que na época em que as “Moody´s Standard & Poors da vida” rebaixavam os países asiáticos e latino-americanos, taxando-os de pária no mercado internacional, ninguém se importava. Países como o Brasil, México e a Argentina, os maiores do continente latino-americano, foram castigados duramente por anos a fio pelas agências de rating e abondonados à própria sorte. Agora, entretanto, a intelligentsia européialevanta sua ira contra essas agências.
O papel de verdugo exercido pelas agências de risco com o beneplácito dos países ricos é lembrado pelo jornalista Janio de Freitas: “Foi com prepotência, com mal disfarçado gozo pela humilhação imposta, com a força do neocolonialismo em sua forma financeira, que os Estados Unidos e o bloco entendido como Europa tripudiaram sobre nós, em nossos decênios de desarranjos econômicos e financeiros. Mais desemprego, maiores arrochos salariais, aposentadorias mais degradantes, câmbio extorsivo, defaults e rolagens com juros de assaltantes cada vez mais gananciosos - eram as ordens e exigências deles que constituíam os assuntos de todos os dias, no país reduzido ao estado de servidão financeira”.
Segundo o jornalista, “Estados Unidos e a hoje União Europeia experimentam, ou por pouco ou por breve que seja, o sofrimento que impuseram em tão larga escala, com tanta indiferença pelas vidas dolorosas e com tanto benefício próprio”.
A mais recente crise econômica mundial e o papel dessas agências de risco fazem-nos reviver, como diz Janio de Freitas, “dolorosamente” as décadas em que os países pobres e em desenvolvimento foram vítimas daqueles que se julgavam os portadores da verdade no mundo da economia.
Wall Street quer sangue!
O Brasil foi uma entre tantas vítimas dos “crimes econômicos” – a expressão é do economista francês Pièrre Salama [n.2] – cometidos pela banca financeira tendo como uma de suas pontas de lança as agências de rating.
“Wall Street quer sangue”! A afirmação teria sido usada pelo ministro Pedro Parente(ex-ministro chefe da Casa Civil de FHC) segundo Luiz Carlos Mendonça de Barros(ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações de FHC) numa alusão ao pacote fiscal do governo FHC em 1997, conhecido como “Pacote 51”. O pacote foi uma exigência do mercado financeiro internacional para a concessão de crédito para o país que se encontrava em grave crise econômica. O pacote foi elogiado pelas agências derating. Segundo Mendonça de Barros, “tivemos nota 7,5 na agenda do País desenvolvido e nota 1 na ação social”. À época FHC usou o velho e surrado bordão: “Apertem os cintos” [n.3].
A expressão “Wall Street quer sangue”! simboliza a Era do poder das agências de risco sediadas em Wall Street, poder que pelo visto não perderam como se observa na retomada da crise mundial. Essas agências em profunda sintonia com o FMI impuseram políticas draconianas de ajuste fiscal para garantir recursos dos países pobres e em desenvolvimento para o pagamento dos juros das dívidas devidos aos bancos e aos países ricos.
As políticas de Wall Street levaram em 1994 o México mergulhar em uma profunda depressão; em 1997 foi a vez das economias emergentes asiáticas [Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e Coréia do Sul] enfrentarem uma aguda crise econômica; em 1998 foi a vez da Rússia; em 2002 a argentina foi ao fundo do poço. O Brasil, por sua vez, “quebrou” ao menos três vezes [1987, 1998 e 2002].
Em comum a todas essas crises se viu o poder dessas agências de risco. As mesmas contribuiram para empurrar os países para o abismo. Sempre agindo e defendendo os interesses da banca financeira e do “quarteto divino” (a expressão é de Delfim Netto) –FMI, BIRD, BID e OMC  -  as agências de consultoria, de rating ou risco como são conhecidas, foram decisivas para carimbar essas economias como não confiáveis e, portanto, não merecedoras de apoio. No momento em que mais precisavam de apoio internacional, o garrote da banca financeira exigia mais e mais sacrifícios.
Em uma série de quatro reportagens publicadas pelo The New York Times em março de 1999, o jornalista David E. Sanger  descreveu como “chacina econômica”  o que aconteceu com países asiáticos, a Rússia e o Brasil [n.4].
As consequências em todos esses países foram dolorosas: desemprego, aumento da miséria, cortes no orçamento social, precarização dos serviços públicos. Países e vidas foram devastados. Contribuiu para esse agravamento a servilidade de governos que adotaram sem resistências o ideário do neoliberalismo. Quem não se lembra da afirmação do então presidente Menem de que “a Argentina mantém relações carnais com os EUA” ou então o modelo de FHC de inserção subordinada na economia internacional, ou até mesmo a adoção do dólar como moeda nacional pelo Equador?
Os países do hemisfério Sul foram humilhados pelas políticas econômicas decididas desde o Norte. Essa história foi contada em detalhes pelo economista Joseph Stiglitz numa obra intitulada La Grande Désillusion. Les échecs de la mondialisation (A grande desilusão. Os fracassos da mundialização) de 2002. No livro, Stiglitz relata, tomando como caso emblemático a Etiópia, o modus operandi do Fundo Monetário Internacional –FMI.
Os jornalistas Christian Losson e Vittorio de Filippis, comentando o livro num artigo para o jornal Libération, 15-4-02 [n.5], afirmam que de acordo com Stiglitz as políticas impostas aos países do Sul, “começa pelas sentenças ditadas pelas instituições internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio). Essas Instituições são como o Dr. Mabuse da mundialização, cujas ‘terapias de choque’ para os países pobres freqüentemente acabam com o paciente. ‘A guerra tecnológica moderna, escreve Stiglitz, é concebida para suprimir qualquer contato físico: as bombas são lançadas de 15 mil metros de altitude para que o piloto não ressinta o que faz. A gestão moderna da economia é igual. Do alto de um hotel de luxo, impõe-se sem culpa políticas que repensaríamos duas vezes se conhecêssemos os seres humanos de quem se vai devastar a vida’”.
Stiglitz, dizem os jornalistas, em sua obra disseca a lógica do mercado financeiro e dos seus agentes, as agências de consultoria e o FMI. No livro, Stiglitz denuncia o pensamento “tamanho único” das agências de risco e do FMI. Particularmente sobre o FMI diz: “Eu raramente vi estudos de previsões do impacto das soluções Standardprescritas pelo FMI sobre a pobreza. Raramente vi debates e análises sobre os efeitos de outras orientações possíveis. Havia uma ordem e só uma’. É a cultura do copiar-colar, da relação Standard aplicável a todos os países: ‘Uma história, talvez apócrifa, diz que um dia, um programa de tratamento para um país foi copiado, emprestado (copiado-colado) em sua quase totalidade em um documento com orientações para outro país”.
Em um artigo intitulado “O que eu aprendi com a crise mundial” [n.6], Stiglitz classifica o papel da instituição e das agências de consultoria economica como “modelo ‘fábrica de salsichas’ para lidar com a economia”. Diz ele: “Os modelos matemáticos empregados pelo FMI são freqüentemente falhos ou desatualizados. Os críticos acusam a instituição de adotar uma abordagem ‘fábrica de salsichas’ para lidar com a economia, e eles estão certos. Sabe-se que as missões elaboram rascunhos de seus relatórios antes das visitas. Já ouvi falar de um incidente infeliz em que membros da missão copiaram grandes trechos do texto do relatório de um país e transferiram-nos integralmente para outro. Teriam conseguido ocultar a proeza, não fosse o fato de que o sistema de busca-e-troca do processador de texto não funcionou direito, deixando o nome do país original em alguns trechos do segundo relatório”.
Discorrendo sobre as crises nos países asiáticos, a crise da Rússia e do México, dizStiglitz: “Desde o fim da Guerra Fria, as pessoas encarregadas de levar o evangelho do livre mercado até os mais longínquos cantos do mundo ganharam um poder tremendo. Esses economistas, burocratas e funcionários agem em nome dos Estados Unidos e dos outros países industriais avançados, mas falam uma língua que poucos cidadãos medianos compreendem e que poucos dos responsáveis pelo traçado das políticas se dão ao trabalho de traduzir. Hoje em dia a política econômica talvez constitua a parte mais importante da interação dos EUA com o resto do mundo. Entretanto, a cultura da política econômica internacional na mais poderosa democracia do mundo não é democrática”.
Na América Latina – com o servilismo de governos – todos os países sofreram as consequências da arrogância do FMI e das agências de risco. Riccardo Petrella [n.7] dizia: “Quem fixa hoje a ordem do dia dos problemas a serem resolvidos, dos desafios a serem superados, das prioridades a serem executadas, dos meios a serem utilizados, não são os poderes públicos, nacionais ou internacionais, nem os sindicatos. A ordem do dia é feita pelo poder econômico e financeiro privado”.
François Chesnais, em artigo publicado no Le Monde Diplomatique [n.8] sobre o poder do mercado financeiro afirmava: "erigindo a economia ao patamar de esfera autônoma que regeria a sociedade inteira, o neoliberalismo buscou autonomizá-la da sua base política e social. Ele colocou as relações de mercado como ‘naturais’". ParaChesnais, “o FMI deu provas desta mesma miopia na sua teimosia em impor aos Estados, com problemas de pagamento, a adoção de políticas macroeconômicas brutais, acentuando os efeitos recessivos e desembocando na depressão”.
A rendição dos países pobres e em desenvolvimento à lógica financeira encontrou no continente latino-americano a Argentina como o caso mais exemplar. A Argentina foi o país que mais disciplinadamente seguiu o catecismo do Consenso de Washington e mesmo assim foi o que mais sofreu com as agências de rating e com o FMI. A adoção da política neoliberal pela Argentina significou a entrega do país ao capital financeiro, sangrando todo o sistema produtivo.  O país foi ‘esvaziado, desintegrado, saqueado”, constata o historiador argentino León Pomer, numa entrevista ao jornal mexicano La Jornada [n.9].
 A traumática experiência argentina, mas também do Brasil e de tantos outros países, e agora, a reincidência nos países ricos levanta uma questão: Como explicar o fenômeno de que instituições financeiras supranacionais e agências de consultoria e rating tenham mais poder do que milhares de agentes econômicos e até mesmo das instituições econômicas de um país, como o Banco Central?
Quem são as agências de risco?
O fascínio, o poder e a influência das agências de risco são demonstrados por dois fatos relacionados à política nacional. O primeiro deles na transição do governo FHC para o governo Lula. O mercado financeiro internacional olhava com desconfiança o governoLula, temia que o novo governo abandonasse a macroeconomia do governo anterior, tendo como pilares a disciplina fiscal e monetária. O seguimento dessa macroeconomia garantia superávits para o pagamento dos credores.
Na semana que antecedeu a divulgação da Carta ao Povo Brasileiro [22 de junho de 2002], o risco-país bateu em 1. 593 pontos, o maior desde janeiro de 1999 no pós-crise de 1998 [quanto mais alta a nota, pior]. As agências Moody´s e Fitch IBCA rebaixaram a nota do Brasil e a economia apresentava sinais de nervosismo. A Carta tinha um endereço: acalmar o mercado financeiro e a agências de rating. Somado à Carta ao Povo Brasileiro, outra iniciativa visou tranquilizar o mercado financeiro: a nomeação deHenrique Meirelles à presidência do Banco Central.
Mesmo sendo egresso do sistema financeiro – Meirelles havia sido presidente mundial do Banco de Boston – as agências de rating continuaram “desconfiadas”. Sobre o novo presidente do Banco Central, disse Robert Berges, estrategista de América Latina daMerrill Lynch: “Ele não tem a experiência que o Armínio Fraga tem e por isso é difícil comparar. Ele vai ter que provar que pode. Temos que esperar e ver”.
Jaime Valdívia, estrategista senior de renda fixa para América Latina do banco Morgan Stanley depois de ter dito que a indicação de Meirelles não era suficiente para elevar a recomendação da dívida brasileira, disse que a escolha é "um passo na direção certa" e reafirmou que o banco está mantendo a recomendação de mercado para os títulos da dívida brasileira, hoje em underweight (peso abaixo da média), com base na avaliação dos fundamentos da economia brasileira. Jeoffrey Dennis, analista para América Latina da Salomon Smith Barney destacou: ''Ele [Meirelles] vai ter que conquistar a confiança do mercado e escolher um time muito forte para compor a diretoria do Banco Central” [n.10].
Essas declarações, entre outras, foram dadas em dezembro de 2002 e revelam as reticências das consultorias sobre o novo governo apesar das claras demonstrações dadas de que o governo Lula manteria a macroeconomia do Consenso de Washington.
O outro fato que revela o poderio das agências de rating aconteceu 06 anos após a desconfiança generalizada do mercado financeiro para com o governo Lula. Em 2008, a agência de classificação de risco Standard & Poors (S&P), considerada uma das mais “prestigiadas” do mercado financeiro, promoveu o Brasil ao chamado grau de investimento - investment grade. Ao manifestar o seu grande contentamento com a notícia Lula disse: “Eu não sei nem falar direito a palavra [‘investment grade'], mas, se a gente for traduzir isso para uma linguagem que os brasileiros entendem, o Brasil foi declarado um país sério, que tem políticas sérias, que cuida das suas finanças com seriedade e que, por isso, passou a ser merecedor de uma confiança internacional que há muito tempo necessitava”, exultou o presidente.
O mercado e o governo ficaram em estado de euforia. A atribuição indicava que o país passava a ter capacidade de honrar o pagamento dos títulos que emite e oferece segurança ao investidor e, em tese, aumentararia a oferta de capitais para o país e o governo e o setor privado poderiam levantar recursos no exterior em maior volume e em melhores condições de prazo e custo.
investment grade foi o reconhecimento do mercado financeiro internacional de que o Brasil fez a ‘lição de casa’, ou seja, não se desviou do trilho da ortodoxia fiscal iniciada por Fernando Henrique Cardoso. Com uma certa ‘dor de cotovelo’, Luiz Mendonça de Barros, ex-todo poderoso ministro de FHC, reconheceu que "ao estender ao Brasil o grau de investimento, a agência está dizendo que nossa política econômica segue o receituário da ortodoxia das economias de mercado. Em outras palavras, que o governoLula segue os caminhos trilhados por seu antecessor na busca de um crescimento econômico centrado nas forças de mercado”.
Aquilo que sempre foi o desejo de consumo dos tucanos chegou ironicamente, anos depois, num governo do PT.
O agraciamento do investment grade foi o coroamento da política econômica iniciada porFernando Henrique Cardoso. Ele não veio com FHC, mas veio com Lula. Como diz a jornalista Maria Cristina Fernandes, “o grau de investimento chegou seis anos depois da Carta ao Povo Brasileiro. A carta ficou registrada na crônica política como a rendição do PT ao sistema financeiro”. Se no começo o capital financeiro tinha algum receio do governo petista, passou a não ter mais.
As agências de rating cresceram em poder e influência proporcionalmente ao surgimento do neoliberalismo, à emergência do Consenso de Washington, à idéia preconizada e aplicada pelos governos de Reagan e Tatcher de que o mercado deve ser o principal agente organizador da economia e da sociedade.
Agências de rating classificam empresas, governos ou qualquer entidade que emita títulos para serem negociados no mercado. Essas classificações são a opinião da agência sobre a capacidade do emissor desses títulos de honrar seus compromissos com os investidores. As classificações de risco de AAA/Aaa até no mínimo BBB-/Baa3, são consideradas como investment grade, ou grau de investimento, enquanto as abaixo são consideradas como speculative grade, ou de grau especulativo.
Fonte: OESP, 20-04-2011.
As três principais agências que prestam esse serviço em escala global são as norte-americanas Moody's, Standard & Poors's (S&P) e Fitch Ratings. Calcula-se que as tês controlam 95% do mercado mundial de cotação de risco.
O caso argentino. Arrogância e descaso
“Ah, as memórias: Deleitar-se com as fatias do bife macio da Argentina. Esquiar em umresort com vista para um lago nos Andes. E à noite, saídas a ‘clubes de cavalheiros’, em uma vizinhança chique de Buenos Aires. Tais diversões aguardavam os banqueiros de investimento, corretores e os gerentes financeiros que se reuniam na Argentina nos anos 90. Naqueles dias, as empresas de Wall Street avaliavam a Argentina como uma das economias mais quentes do mundo, enquanto, através de taxas gordas, angariavam para o mercado os títulos e as reservas do país”.
A descrição é do economista americano Paul Blustein [n.11]sobre o método arrogante das agências de consultoria e de risco tomando como exemplo o caso da Argentina.
Os anos 90 na Argentina foram os anos de farra do neoliberalismo no país, das “relações carnais com os EUA” descrita por Menem. Anos de privatizações e venda descontrolada de títulos para bancos e investidores do mercado financeiro.
Segundo Blustein, “assim foram plantadas as sementes de um dos colapsos econômicos mais espetaculares da história moderna, um desastre em que Wall Street jogou no papel principal”.
A tragédia em que se meteu a Argentina no final dos anos 90 responsável por jogar milhares na pobreza tem por detrás a cumplicidade de Wall Street diz Blustein. Segundo o economista, “bancos de investimento, analistas e negociadores de títulos serviram a seus próprios interesses quando alimentaram a euforia a respeito das perspectivas do país, com resultados desastrosos”.
Blustein revela que “as grandes empresas de valores recolheram quase US$1 bilhão em taxas de subscrição de títulos do governo argentino entre 1991 e 2001 e, geralmente, os analistas dessas empresas eram os que produziam os relatórios mais confiáveis e influentes do país. Similares conflitos de interesse, envolvendo pesquisa dos analistas, foram descobertos com outras falhas repentinas da era Bubble, tais como Enron Corp. e WorldCom Inc. No caso da Argentina, no entanto, a parte lesada não foi um grupo os acionistas ou proprietários, foi o segundo maior país da América do Sul”.
Nos tempos de farra do capital financeiro na Argentina, o economista destaca que “empresas como Goldman, Morgan Stanley & Co. e Credit Suisse First Bostonestabeleceram-se na Argentina e em países vizinhos despachando equipes de economistas e peritos financeiros, a maioria de seus 20, 30 anos”.
Esses jovens “competiram ferozmente pelos 'mandatos' dos governos para serem líderes nas vendas de títulos, em especial na Argentina, onde o governo era o único grande mercado emergente emissor de títulos. Eles encontraram abundância de clientes para os títulos nos Estados Unidos e outros países ricos entre os investidores profissionais que controlavam centenas de bilhões de dólares mantidos em fundos mútuos, em fundos de pensão, em companhias de seguro e em outras grandes instituições”.
“No mundo dos mercados emergente, as pessoas ‘faziam dinheiro a taxas altíssimas’, disse Stewart Hobart, que trabalhavam na área de recrutamento. De acordo comHobart e outros recrutadores, estrategistas e economistas seniores dos principais bancos ganhavam normalmente US$350.000 a US$900.000 ao ano, incluindo gratificações, enquanto seus chefes, diretores de pesquisa dos mercados emergentes, recebiam bem mais de US$1 milhão”, relata Blustein.
As mesmas agências de consultoria e seus executivos que embalaram os anos dourados do neoliberalismo na Argentina e se esbaldaram com ganhos astronômicos recomendando os títulos argentinos, o empurraram para o desastre posteriormente, classificando como podres os títulos do país quando a Argentina quebrou e sinalizou para a moratória.
“A Argentina não caiu por si” conclui Blustein. Foi decisiva para a sua queda Wall Street e suas corporações financeiras. A arrogância e o descaso de Wall Street mergulhou a Argentina no caos, na dor e no sofrimento.
Um breve relato da situação dantesca da Argentina no início dos anos 2000 é dado pelo outrora prestigiada Gazeta Mercantil, respeitado jornal da área econômica. Numa reportagem de agosto de 2002, relata o jornal sobre o país vizinho:
“É hoje comum o roubo de cabos de cobre, portas de ferro e tampas de bueiro na Argentina. A deterioração social no país vizinho exibe pelas cidades hordas de famélicos que se lançam a um dramático ‘garimpo’ em busca de metais expostos a céu aberto. O argentino faz o que nunca fez: pratica um vandalismo capaz de paralisar um aeroporto ou deixar 100 mil pessoas sem telefone. Nos últimos meses desapareceram em Buenos Aires, 500 grades de ferro das bocas-de-lobo, centenas das pequenas tampas e portas de alumínio das caixas de semáforo e, em todo o país foram roubados 600 quilômetros de cabos telefônicos de cobre. Não se contabilizam aí as dantescas cenas de uma vaca sendo esquartejada ainda viva por centenas de pessoas diante da câmera de TV, depois que o caminhão que a transportava tombou, meses atrás, ao lado de uma vila pobre na região de Rosario. São limites de sobrevivência até então desconhecidos em um país tradicionalmente caracterizado pela predominância de uma classe média educada”.
Crise se alastra
Agências de risco retornam ao centro do debate
O papel e a influência exercida pelas agências de classificação de risco na economia mundial, destacada  na Conjuntura da semana passada, ganharam ainda mais relevância nos últimos dias em função da ameaça dessas agências em rebaixar a economia americana. Um sinal de que a crise pode assumir proporções ainda mais grave de que acrise de 2008.
A agência de classificação de risco Moody’s anunciou ter colocado em revisão para potencial de rebaixamento o rating soberano dos Estados Unidos - atualmente em Aaa, a classificação máxima. Em nota, a Moody’s citou como motivo a possibilidade de o limite de endividamento do governo federal americano não ser elevado em momento oportuno e, dessa forma, levar o país a declarar calote em suas obrigações de dívidas.
Ato contínuo, outra das grandes do mercado, a Standard & Poor"s (S&P),  fez o mesmo. Os Estados Unidos são classificados pela S&P com o rating AAA desde 1941. A agência anunciou que o rating do país poderia ser rebaixado apenas um dia após o calote da dívida.
O presidente Barack Obama utilizou-se da ameaça dessas agências para dar ultimato no Congresso. Faltando menos de três semanas para que os EUA cheguem a um acordo sobre o teto da dívida, o presidente Obama disse que chegou ao limite das negociações. "Isso pode derrubar meu governo, mas não vou ceder", disse Obama. O presidente teria ficado insatisfeito com a proposta de uma solução de curto prazo para o teto da dívida. O aumento das tensões entre os dois partidos ocorre à medida em que se aproxima o prazo, dado pelo próprio governo, para manter suas contas em dia sem a elevação do teto: 02 de agosto.
Os EUA chegaram em maio ao limite imposto pelo Congresso para sua dívida, US$ 14,3 trilhões, e, graças a algumas manobras governamentais, ainda conseguem captar dinheiro no mercado. Os gastos têm superado mensalmente a arrecadação, e o governo terá de escolher o que deixará de pagar. Uma hipótese é não honrar seus compromissos com os investidores em títulos do Tesouro, no que seria o primeiro calote dos EUA com esse tipo de papel, que é considerado o mais seguro e referência no mercado global.
Um acordo é fundamental porque os republicanos têm maioria na Câmara dos Representantes (deputados), enquanto a situação comanda o Senado. A questão é quem vai ceder primeiro, já que Obama quer que os dois partidos cheguem a um acordo. As negociações estão travadas porque a oposição quer cortes nos gastos públicos mais profundos do que os defendidos pelos democratas. Já o governo quer elevar os impostos sobre os mais ricos.
O economista Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, sobre a crise no país, afirma: O "Partido Republicano enlouqueceu após processo de décadas, e não sofre nenhuma pressão para demonstrar racionalidade". Segundo ele, “o presidente Obama se dispõe a assinar um pacto para a redução do deficit que consiste em cortes de gastos, incluindo cortes draconianos em programas sociais fundamentais, como a elevação na idade mínima que dá direito ao Medicare. São concessões extraordinárias. Mesmo assim, os republicanos estão dizendo ‘não’, e ameaçam impor um calote dos EUA e criar uma crise econômica, a não ser que consigam um acordo unilateral”.
O impasse nos EUA é um elemento a mais no caldo do agravamento e alastramento da crise. Um turbilhão invade os mercados. Wall Street teme um contágio transatlântico. As dificuldades da zona do euro apavoram as Bolsas.
“A crise da dívida que começou na Europa vai se espalhar, não poupará nem países emergentes e é uma ameaça para a estabilidade financeira internacional.” A afirmação é do Banco Central dos Bancos Centrais: o Banco de Compensações Internacionais (BIS) sobre um cenário nada animador para a economia mundial.
A China preocupada com o cenário internacional cobrou solução para o endividamento dos EUA: "Nós esperamos que o governo dos Estados Unidos adote políticas e medidas responsáveis para garantir os interesses dos investidores", disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês ao ser questionado sobre um possível rebaixamento da nota da dívida americana pela agência Moody's.
A China é dona das maiores reservas estrangeiras globais, estimadas em US$ 3 trilhões, e mais de um terço desse valor está aplicado em títulos do Tesouro americano. Um calote dos EUA pode se tornar um grande problema também para Pequim, que nos últimos anos vem aplicando superavits obtidos no comércio global em títulos do governo americano.
Na explosiva situação americana lá estão as agências de risco e no caso do agravamento da crise na zona do euro, as mesmas agências se colocam no centro do debate. Nos últimos dias, as agências de risco rebaixaram Irlanda e Grécia.

Um dia depois de a Moody’s anunciar o rebaixamento dos títulos da dívida da Irlanda ao nível "lixo", a concorrente Fitch informou o recuo em três pontos da nota atribuída às obrigações da Grécia. Com a nova degradação, Atenas fica a apenas três passos do grau mínimo, DDD, para países falidos. A decisão reacendeu a ira de Bruxelas contra as agências, acusadas de jogar combustível no fogo da crise.
Fitch, que acompanha a iniciativa da Standard & Poor"s, rebaixou a nota grega deB+, "altamente especulativo", a CCC, para investimentos de "risco substancial". A última degradação havia ocorrido em 20 de abril. Em comunicado assinado pelo analista e diretor sênior Paul Rawkins, a agência responsabiliza a incapacidade da União Europeia de chegar a um acordo sobre o novo pacote de socorro à Grécia. "O rebaixamento reflete a ausência de um novo, bem-fundado e credível programa da UE e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a Grécia", além da "incerteza envolvendo o papel dos credores privados" no futuro resgate, diz o comunicado.
O nervosismo aumentou os temores de que a crise envolvendo as dívidas públicas dos países da zona do euro contagie a Itália e a Espanha, economias mais fortes que a Grécia e Portugal.
Para agravar ainda mais o quadro, percebe-se que a saúde dos bancos europeus não parece tão boa, como mostraram testes de estresse. Segundo o economista Celso Ming, “até agora, o principal foco das preocupações era o mau estado das finanças de um punhado de países ricos. No bloco do euro, são os já tremendamente expostos: Grécia, Portugal, Irlanda e, em menor grau, Itália, Espanha e Bélgica. Mas, com uma insistência temerária, os bancos estão sendo empurrados para o foco dos problemas a resolver. Os testes de estresse, a que foram submetidos 65% do sistema financeiro europeu, trouxeram mais reprovações do que se esperava”. Isso significa, diz ele, que “fora apagar o incêndio nos países devedores, os Tesouros e os bancos centrais nacionais da zona do euro terão de reforçar urgentemente o capital desses bancos (...) É mais uma esticada numa corda já ameaçada de rebentar”, diz o economista.
Enquadrar as agências?
As notícias de rebaixamento ou de ameaças as economias européias por parte das agências de risco despertou novamente a ira dos países do Norte. Antes mesmo do comunicado da Fitch sobre a Grécia, Pia Ahrenkilde, porta-voz do bloco, já criticava a decisão da Moody’s de rebaixar no dia anterior os títulos da Irlanda, país que estaria "no bom caminho". Em Dublin, o governo irlandês também protestou, classificando como "frustrante" a postura da Moody’s. "Ela torna nosso trabalho mais difícil", disse o ministro do Desenvolvimento, Richard Bruton. "É uma decisão decepcionante e em desacordo completo com as opiniões de outras agências."
Os novos rebaixamentos devem relançar a disposição da Europa de retaliar. Há 15 dias, o comissário europeu de Mercados, Michel Barnier, revelou que a UE estuda um projeto para proibir as agências de avaliarem países contemplados por ajuda externa - casos da Grécia, da Irlanda e de Portugal.
A proposta surgiu após o rebaixamento dos títulos portugueses, há dez dias, que, segundo os dirigentes europeus, teria relançado a crise das dívidas soberanas, ampliando a desconfiança sobre a Itália. As críticas às agências são um dos raros pontos de acordo neste momento entre Alemanha e França, que não chegam a um consenso sobre o socorro à Grécia. Para Wolfgang Schäuble, ministro de Finanças alemão, "é preciso estudar a possibilidade de quebrar o oligopólio das agências".
Sobre essa queda de braço de governo versus agências de risco, o jornalista econômicoVinicius Torres Freire, afirma que a elita política e econômica da União Europeia começa a pensar em medidas de guerra contra o risco iminente de colapso que envolveria calotes.
Segundo ele, “o impensável é discutido no comitê de salvação pública, a reunião quase permanente dos ministros de economia europeus, e em outros fóruns da União Europeia. Primeiro, admitiu-se que o fundo para cobrir calotes da União Europeia possa ser usado para recomprar dívida grega no mercado, onde vale uns 50% do valor de face, ‘original’. A dívida seria reduzida, os credores engoliriam perdas”. Destaca ele que, “isso não é fácil de fazer e até pode ser considerado ‘calote’ por agências privadas de classificação de risco. Mas significa que a Europa assume parte da dívida grega.”
O jornalista acrescenta: “E se as agências ou credores reclamarem? Este é o segundo impensável: dane-se. Há gente dizendo que é preciso enquadrar as agências e ignorar o que elas dizem sobre governos em situação difícil, mas que recebem ‘ajuda’. ‘Caloteiros’" ou não, na concepção das agências, a dívida desses países quebrados seria aceita nos negócios oficiais da União Europeia”.
As possibilidades de “enquadramento” das agências, caso venha a acontecer, seria algo surpreendente. Revela uma política de dois pesos duas medidas, na época que as agências de risco destroçavam as economias asiáticas e latino-americanas, como visto anteriormente, os países ricos pouco se importavam, até mesmo porque eram beneficiárias, agora, entretanto, que ameaçam suas economias reagem com uma possível legislação de limitação de seu raio de ação. A iniciativa caso se concretize é bem vinda, para os países pobres e emergentes lamenta-se que não tenha vindo bem antes.
Brasil está livre da crise?
O alastramento da crise mundial, com as ameaças de rebaixamento da economia americana, reforça a tese de que nenhum país está insento dos seus desdobramentos. Como já destacamos na semana passada,  vivemos sob a perspectiva econômica uma era de incertezas e assim como a crise de 2008 não foi prevista pelos oráculos da economia mundial, tampouco se pode prever onde irá acabar essa nova espiral da crise econômica.
As últimas notícas da economia americana são péssimas para a economia nacional. O governo brasileiro observa com atenção o impasse em torno das negociações no Congresso dos Estados Unidos sobre o aumento do limite de endividamento do país. Aposta que o pragmatismo vai prevalecer, tornando baixo o risco de um calote na dívida da maior economia mundial. A equipe econômica avalia que a situação carrega riscos tão graves e de consequências tão imprevisíveis que necessariamente será resolvida pelos políticos americanos até o prazo previsto, no início de agosto.
Caso o pior acontecesse, essa situação atingiria a confiança no dólar como moeda de reserva global e tenderia a provocar um colapso nas linhas de crédito bancário. Em um ambiente de crise na Europa, o quadro ficaria ainda pior.
Sempre é bom destacar que o Brasil aumentou nos últimos tempos a compra de títulosdos EUA.  Dados do Tesouro dos EUA e do Banco Central brasileiro mostram que esse é um dos principais destinos das reservas internacionais do Brasil, um seguro contra crises. O investimento brasileiro em títulos norte-americanos é de US$ 207 bilhões, o que representa 63% das reservas internacionais.
Fabio Kanczuk, da Faculdade de Economia e Administração da USP, diz que o risco deBarack Obama não conseguir ampliar o teto da dívida e promover um calote é praticamente nulo. "Se não deixarem esse limite aumentar, o resultado será uma quebradeira geral, mais grave que a crise de 2008, independentemente de quanto o país tem aplicado nesses títulos", afirmou.
Notas:
1 – Cepat Informa nº 65. A ilusão neoliberal (setembro de 2000), p.02.
2 – Cepat Informa nº 47. O povo brasileiro vítima de um crime econômico (fevereiro de 1999) p. 02-04.
3 – Cepat Informa nº 80. Argentina: a festa neoliberal acabou (janeiro de 2002), p.04.
4 -  Cepat Informa nº 48. Solidariedade ou Barbárie! (março de 1999), p.01.
5 – Cepat Informa nº 84. A Grande Desilusão. O Mal-estar da Globalização (maio de 2002), p. 3-15.
6 - CEPAT Informa nº 61. Reinventemos o Brasil! Libertemos o Futuro de Violência que emana da sua História! (maio de 2000), p. 32-40.
7- CEPAT Informa nº 35. Por um novo contrato social mundial (dezembro de 1997), p. 12-16.
8 – CEPAT Informa nº 43. A crise do neoliberalismo (setembro de 1998), p. 24-31.
9 – CEPAT Informa nº 80. Argentina: a festa neoliberal acabou (janeiro de 2002), p.06.
10 – ‘Os desafios do governo Lula’. Paper. Elaborado pelo Cepat, 08 de novembro de 2002.
11 – “A Argentina não caiu por si” in Folha de S.Paulo, 03 de agosto de 2003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário