Autor(es): Mansueto Almeida |
Valor Econômico - 08/08/2011 |
Alguns analistas econômicos e autoridades governamentais defendem a tese que o Brasil é "a bola da vez" e que já teríamos entrado em rota de crescimento sustentável que daria inveja aos americanos, que continuam presos a um cenário de baixo crescimento, elevado desemprego e incertezas. O cenário de crescimento da economia brasileira com ganhos nos termos de troca, abundância de financiamento externo, taxa de desemprego baixa e crescimento de 4% ao ano é sem dúvida positivo. Há no entanto certa ingenuidade nas análises que olham para o Brasil apenas no curto prazo. O Brasil vai bem no curto prazo e até mesmo o cenário pessimista em algumas análises para os próximos três anos - crescimento entre 3,5% e 4% ao ano, inflação perto de 6% e déficit em conta corrente de 2,5% a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) - é positivo frente ao nosso passado recente. Infelizmente, a mesma confiança desaparece quando se olha para a próxima década. Basta ampliar o horizonte de análise que surgem inconsistências na passagem do curto para o longo prazo. A primeira inconsistência é querer crescer acima de 4% ao ano sem aumentar o uso da poupança externa e ainda com desvalorização do real. Os número não fecham. O Brasil é um país com taxa de poupança perto de 17% do PIB e, assim, quando crescemos mais rápido precisamos de poupança de outros países para financiar o crescimento. Isso já vem acontecendo como mostra o crescimento do saldo deficitário em conta corrente para 2,5% do PIB este ano. Se não aumentarmos nossa poupança doméstica, só conseguiremos crescer de forma mais rápida com maior déficit em conta corrente e com o real ainda mais apreciado. A segunda inconsistência é que mais do mesmo não será suficiente e poderá exigir novos aumentos de carga tributária. Os gastos sociais no Brasil, gastos com transferência de renda, saúde e educação aumentaram muito desde o início dos anos 90. A recuperação do valor do salário mínimo que serve de base para vários dos programas sociais aumentou ainda mais o volume de gastos sociais e também os gastos da previdência. Do início dos anos 90 até hoje, mais da metade do crescimento do gasto não financeiro do governo federal decorreu do aumento da despesa com previdência. Apesar dos resultados positivos dessas políticas no crescimento do mercado interno, o outro lado dessa política foi o crescimento excessivo da carga tributária. Se mantivermos ao longo dos próximos dez anos o mesmo ritmo de expansão dos gastos públicos do período pós-constituição, precisaremos de um crescimento de arrecadação equivalente a três novas CPMFs para financiar as novas despesas. A terceira contradição é a confiança que dívida gera crescimento. Crescimento decorre do aumento do investimento em capital físico, de maiores gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D), de investimentos no capital humano (educação e saúde) e do bom funcionamento das instituições. Hoje, no entanto, carecemos de recursos fiscais para expansão do investimento em capital físico e humano. A solução não sustentável para aumentar o funding para novos investimentos passou a ser o crescimento da dívida. Em 2006, os empréstimos do Tesouro Nacional para bancos públicos eram de menos de R$ 10 bilhões. Atualmente, com o novo empréstimo já anunciado para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 55 bilhões, o estoque de empréstimos do Tesouro Nacional junto a bancos públicos já é superior a R$ 300 bilhões. O crescimento da dívida do Tesouro atrelada a empréstimos para bancos públicos, em especial para o BNDES, não é uma forma sustentável de financiar o investimento. A quarta contradição é a crença que solucionaremos a desigualdade de renda e pobreza apenas com mais transferência de renda. No caso da desigualdade, sabe-se hoje por estudos do IPEA (comunicado da presidência 63/2010) que a renda do trabalho teve um efeito quase três vezes maior que a previdência e programas de transferência de renda para explicar a redução da desigualdade de renda desde 1997. Adicionalmente, estudos do CPS da Fundação Getúlio Vargas identificaram que a queda da desigualdade de renda do trabalho desde 2001 está ligada ao esforço de universalização da educação na década de 90, com impactos positivos na escolaridade dos trabalhadores. Para continuar com a redução sustentável da desigualdade de renda precisaremos investir mais e melhor em educação. Transferências de renda ajudam a reduzir a pobreza imediata, mas não levará à plena igualdade de oportunidades e queda consistente da desigualdade de renda. A quinta contradição é achar que a agenda de transferência de renda e a desoneração dos investimentos produtivos e das exportações podem continuar sem uma ampla reforma tributária. Estudos do IPEA (comunicado da presidência 22/2009) mostram que, de 2004 a 2008, a carga tributária brasileira ficou mais regressiva. O que o governo dá de forma visível (transferências de renda) com uma mão tira de forma escondida (impostos embutido nos preços dos produtos) com a outra. Hoje não há como avançar na agenda positiva para melhorar a progressividade da arrecadação e desonerar o investimento produtivo sem que se faça uma reforma tributária e se crie o espaço fiscal para perder receita da indústria. As contradições apontadas não devem ser encaradas de forma pessimista. Ao contrário. A lista mostra a importância de o governo abraçar novamente uma agenda de reformas que parou em 2005 e negociar com a sociedade uma agenda de prioridades. Continuar a fazer simplesmente mais do mesmo vai nos levar a novos aumentos da carga tributária, maior déficit em conta corrente e um real ainda mais valorizado, ainda que, no curto prazo, continuaremos crescendo. Mansueto Almeida. Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A opinião expressa é a do autor, não exprimindo o ponto de vista do Ipea. |
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
O perigo da sedução do curto prazo
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