segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Os agrários, a questão nacional e os sindicatos

13/7/2011

"Por pouco um dos empresários mais bem-sucedidos do setor não veio a ocupar, no governo Dilma Rousseff, a pasta dos Transportes - não afeta, por tradição, à cota destinada às elites agrárias", escreve Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 13-07-2011.

Segundo ele, "tal repactuação entre as elites, com a admissão dos agrários no núcleo duro do poder, ao contrário do que se supunha, não é nada trivial".

Eis o artigo.

É de chamar a atenção a dimensão que um tema agrário, num país já esmagadoramente urbano e orientado para os fins da modernização há décadas, está a exercer no quadro atual da disposição das forças sociais e políticas no País. O observador, porém, deve estar atento para separar o joio do trigo, uma vez que a oposição entre ruralistas e ambientalistas está confinada ao circuito fechado do processo legislativo em que se decide sobre os rumos de um novo Código Florestal, diante do silêncio indiferente das ruas, cenário bem distante de tempos idos, quando a sociedade se dividiu de alto a baixo em torno de iniciativas legislativas afetas à questão da terra.

A mobilização em torno da questão agrária, nos anos 1950 e 1960, envolveu atores do campo e da cidade, partidos políticos e movimentos sociais, intelectuais e artistas, liberando energias utópicas e a promessa de um novo começo para a História do País. A filmografia da época, até pela razão de que obras cinematográficas, por sua natureza de indústria, se direcionam a amplas audiências, é boa testemunha de como o mundo do campo e os seus personagens estavam presentes na imaginação e na fabulação dos brasileiros daquela geração. Entre outros, podem ser lembrados O Pagador de Promessas, de Anselmo DuarteDeus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber RochaSão Bernardo, de Leon HirszmanVidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, e o marcante documentário Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho.

O ponto de partida, no contexto dos anos 50 e 60, para um programa de mudanças sociais e políticas, até mesmo para aqueles que, como Ignácio Rangel, preconizavam medidas em favor da modernização da produção agrícola, estava na reforma do estatuto da propriedade da terra, abolindo-se a cláusula do exclusivo agrário, que não só interditaria a criação efetiva de um campesinato no País, como preservaria as elites patrimoniais do campo. Aquele foi um tempo crispado, de conflitos agônicos, em que a linguagem das revoluções se fez presente, uma vez que, na verdade, estava em jogo tirar de cena o senhoriato agrário, personagem adestrado secularmente a exercer formas coercitivas, abertas ou veladas, de controle social em suas propriedades sobre seus trabalhadores e dependentes.

Não por acaso, o regime militar aplicou-se, desde os inícios da sua imposição, ao tema agrário, com a criação do Estatuto da Terra, em 1964, e a institucionalização de um sistema previdenciário para o trabalho rural, enquanto, de outra parte, se iria empenhar em políticas de modernização da produção agrícola, no favorecimento do agronegócio e em ambiciosos planos de colonização na fronteira.

A partir da democratização do País, em especial após a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, a questão agrária voltou à ribalta na controvérsia sobre que tipo de propriedade seria passível de desapropriação para fins de uma reforma do seu estatuto, mas, dessa vez, sem a estridência e o alcance de antes. O tema havia perdido a capacidade de universalização e os seus novos protagonistas, como a União Democrática Ruralista (UDR) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cujas atitudes radicais prometiam nos devolver aos anos 1950, foram insulados, apesar de este último ter conquistado, durante algum tempo, a simpatia de largos segmentos da opinião pública.

Com tais registros históricos anteriores, apesar da excitação retórica de alguns debates parlamentares, o tema especificamente agrário, sob a forma com que nos retorna no projeto atual de reforma do Código Florestal, consiste numa forte evidência de como e quanto, nestas duas últimas décadas, foram domesticados conflitos que antes estiveram no limiar de conhecer desenlaces dramáticos. Com efeito, a própria inversão de papéis no contencioso agrário de agora é o melhor indicador do novo estado de coisas reinante: a iniciativa política passou para as mãos da grande propriedade, em particular do agronegócio, que se faz representar como portador do interesse geral, garante da expansão da economia e da boa saúde das contas externas do País.

Tal reviravolta, com o resultado inesperado de promover o agronegócio a uma posição de centralidade na chamada questão nacional, tal como sustentam defensores do novoCódigo Florestal, em detrimento das atividades industriais, que, desde os anos 1930, vinham sendo detentoras desse lugar na imaginação social brasileira, especialmente nas suas correntes de esquerda, mais do que exprimir a sua vitalidade econômica já traduz a sua importância política. Em quase duas décadas de governo de estilo social-democrata, a ala do PT sucedendo à do PSDB, a modernização do campo, contra as promessas de ambos em favor de uma reforma agrária, enveredou na trilha aberta pelo regime militar de favorecimento do agronegócio. O governo do PT instalou seus próceres e os partidos que os representam no núcleo estratégico do seu Ministério, e por pouco um dos empresários mais bem-sucedidos do setor não veio a ocupar, no governo Dilma Rousseff, a pasta dos Transportes - não afeta, por tradição, à cota destinada às elites agrárias.

Tal repactuação entre as elites, com a admissão dos agrários no núcleo duro do poder, ao contrário do que se supunha, não é nada trivial. O caminho de eleição da modernização do País, de Getúlio Vargas ao regime militar, foi o da indústria, que ainda no Império repeliu a acusação de atividade artificial com que a tachavam publicistas do porte de Tavares Bastos, em nome da defesa do que seria a vocação agrária do País, nossa indústria natural. Não à toa, o sindicalismo dos trabalhadores da indústria, metalúrgicos à frente, já incorpora à sua agenda específica de reivindicações o tema da defesa do nosso parque industrial, cerne, para eles, do que deveria estar na base de uma política democrática de desenvolvimento. Em outro cenário, de forma imprevista e com novos portadores, está aí, ressurreta, a questão nacional.



8/8/2011
Questão nacional e desglobalização
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=46142

"Uma desglobalização temporária e defensiva capaz de abrir espaço para elevar a competitividade interna interessa, assim, não apenas à indústria, mas a todos os setores. A questão nacional passa não pela disputa entre setores, mas pela sua união, junto aos sindicatos, contra a importação da crise externa", afirma Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Unctad, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 08-08-2011.

Eis o artigo.

A nova política industrial indica a opção do governo por uma desglobalização moderada como remédio à agonia da indústria e ao perigo do agravamento do panorama social e político.

Em artigo de notável lucidez em "O Estado de S. Paulo", Luiz Werneck Vianna detectou a volta da questão nacional como resultado de dois movimentos simultâneos. De um lado, o agronegócio, vitorioso nas exportações, invade o núcleo duro do poder (na votação do Código Florestal, por exemplo). Do outro, a indústria cede o lugar central que ocupou durante 80 anos na realização do projeto nacional ao perder a capacidade de assegurar a modernização da economia e a integração do mercado interno.

Agravada por problemas brasileiros (juros, impostos, custo Brasil), a crise do projeto nacional não é culpa do agronegócio, mas da combinação de dois fatores, ambos externos: a valorização da moeda e o "choque de mão de obra" provocado pela inclusão de centenas de milhões de chineses no circuito manufatureiro mundial.

Na persistência desses dois fatores, uma pura saída nacional - forte redução dos juros, eliminação do custo Brasil, salto de competitividade - é na prática inexequível. Se, em condições externas mais favoráveis, pouco dessa agenda caminhou nos 17 anos do real, seria irrealista esperar avanços decisivos nos próximos dois ou três anos, quase a duração do atual governo.

Sobretudo porque eles vão coincidir com o recrudescimento da crise nos EUA, na Europa e no Japão, onde os recentes descalabros só nos deixam a certeza de que a desvalorização do dólar, a manipulação das moedas asiáticas e o excesso de liquidez financeira continuarão a criar para o Brasil ameaças das quais temos de nos defender.

Esse quadro é anormal e de exceção, obrigando também a respostas excepcionais. Pertencem a esse gênero as medidas de alívio anunciadas, que representam, sem dúvida, um recuo estratégico limitado em relação a compromissos assumidos nas negociações comerciais.

A dúvida não é a heterodoxia do favorecimento à produção local, mas sua modéstia, comparada ao gigantesco socorro dos americanos à GM e a ações similares de europeus, argentinos e outros. Pois, se não houver razoável eficácia em neutralizar a desvalorização competitiva de moedas estrangeiras e o excesso de ingressos financeiros, a economia brasileira será destruída antes de ter tempo para avançar na agenda interna de competitividade.


A implacável valorização do real só não inviabilizou a exportação de commodities agrícolas e de minério de ferro porque o aumento dos preços internacionais compensou parcialmente os custos internos em alguns casos. Não faltam setores agrícolas onde a margem já desapareceu ou quase.


Não fosse a contribuição isolada das commodities agrícolas e minerais, a crise do projeto nacional estaria em fase terminal. Uma desglobalização temporária e defensiva capaz de abrir espaço para elevar a competitividade interna interessa, assim, não apenas à indústria, mas a todos os setores. A questão nacional passa não pela disputa entre setores, mas pela sua união, junto aos sindicatos, contra a importação da crise externa.

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