A produção de leite no Nordeste cresceu 89,5%, muito acima dos 54,8% da média nacional. Depois de aceitar a contragosto 13 vacas leiteiras como pagamento de uma dívida, Renato José Pereira acabou se tornando, dez anos depois, um dos maiores produtores do sudeste do Maranhão
Cansado de um credor que o "enrolava" havia alguns meses, o empresário mineiro Renato José Pereira acabou aceitando, relutante, 13 vacas leiteiras como pagamento da dívida. Na época, 2002, ele ainda era "carne nova" no sudeste do Maranhão, onde começava a criar gado de corte. Quase dez anos depois, Pereira é um dos principais produtores da região que recentemente passou a ser chamada, com um certo exagero, de "nova fronteira do leite no Nordeste". Luminosidade elevada, solo de boa qualidade e período seco curto (entre três e quatro meses no ano) favorecem a pecuária leiteira.
Puxada pelo crescimento do consumo das famílias, a produção de leite nordestina aumentou 89,5% entre 2000 e 2010, bem acima dos 54,8% da média nacional. No período, os Estados da região colocaram 2 bilhões de litros de "leite novo" no mercado brasileiro, quase o mesmo volume acrescentado pelo Sudeste, o maior produtor do país. O cenário positivo tem incentivado investimentos de laticínios regionais.
A principal bacia leiteira do Maranhão está na chamada região tocantina, próxima às divisas com Tocantins e Pará e distante mais de 500 quilômetros da capital, São Luís. A fazenda Medalha Milagrosa fica em Ribamar Fiquene. De lá saem todos os dias, em média, 950 litros de leite, volume que, apesar de não saltar aos olhos, põe Pereira entre os maiores da região. "A produção aqui ainda é muito picada. Tem gente que vende três litros por dia", conta Osmani Ferreira, gerente do laticínio Palate, o mais importante do Maranhão.
Segundo estimativas da Embrapa, o Maranhão produziu quase 362 milhões de litros no ano passado, o quarto maior volume do Nordeste. Nos últimos anos, porém, o Estado vem ampliando sua fatia no bolo da produção regional, assim como Bahia (1,3 bilhão de litros) e Pernambuco (861 milhões de litros), os dois maiores produtores. Já o Ceará, o terceiro, com 445 milhões de litros, perde espaço. Segundo Alexandre Ataíde, presidente do Sindicato das Indústrias de Leite e Derivados do Maranhão (Sindileite), a previsão é de um aumento de 15% no volume beneficiado este ano sobre 2010.
"É importante lembrar que viemos de uma base pequena, o que explica parte desse crescimento elevado. As principais bacias já estavam desenvolvidas nos anos anteriores, enquanto que o Maranhão estava muito aquém", diz. A formalização de muitos produtores, especialmente os menores, também ajuda a engordar os números do Estado.
É o caso de Serafim Araújo, que além de produtor de leite é dono de uma mercearia. Há pouco mais de um ano, ele ainda vendia na porta do estabelecimento os cerca de 250 litros tirados por dia em sua fazenda, em Imperatriz. Com o aperto da fiscalização, passou a entregar o leite à Palate, que chegou à cidade em fevereiro de 2010. "Antes conseguia mais de R$ 1 por litro. Agora não passa de R$ 0,70", queixa-se, carrancudo.
Já para Renato Pereira, a instalação da Palate, controlada pelo grupo paulista CBA, foi o divisor de águas da bacia leiteira local. "A história mudou, passou a ter mais seriedade a produção. Pagamento em dia, preço justo. Antes, o produtor era refém dos laticínios pequenos", recorda o fazendeiro, hoje com um rebanho de 150 animais da raça Girolando. "Até um ano e meio atrás, pagavam R$ 0,30 no litro do leite, o que não compensa nem você dar o que comer à vaca. O produtor não investia", acrescenta ele, que diz ter aplicado R$ 500 mil no negócio de leite.
Com capacidade para beneficiar 130 mil litros por dia, a Palate compra de mais de mil produtores espalhados em 21 cidades da bacia de Imperatriz. A coleta só é feita nas 350 fazendas que têm os tanques de resfriamento fornecidos pela empresa.
Ainda se preparando para sua estreia no setor leiteiro, a Sabe Alimentos, do grupo Albano Franco, de Sergipe, já distribuiu 135 tanques de resfriamento. A empresa investe R$ 80 milhões em uma planta com capacidade para 330 mil litros diários em Muribeca, a 72 quilômetros de Aracaju. Vai produzir leite longa vida, iogurtes, leite condensado, creme de leite e bebidas lácteas.
O diretor-executivo da empresa, Albérgio Lima, acredita que todo o leite para a operação poderá vir de Sergipe, onde a produção cresceu 170% nos últimos 10 anos. "Há um ano e meio estamos desenvolvendo nossos fornecedores com investimentos em infraestrutura, na higiene da ordenha, nos insumos e utensílios e em genética, na qual cada propriedade recebe treinamento para inseminação e botijão com 30 doses iniciais de sêmen", detalhou o executivo, por e-mail.
Segundo maior produtor do Nordeste e oitavo do país, Pernambuco é onde se verificam os maiores índices de crescimento da produção de leite, que triplicou entre 2000 e 2010, especialmente no agreste do Estado. O avanço pode ser explicado em parte pelo elevado consumo de queijo no Estado, o maior do Nordeste. De acordo com o Sebrae, os pernambucanos gastam cerca R$ 25 milhões por mês com queijo. Na Bahia, com população 60% maior, o gasto mensal fica em torno de R$ 16,5 milhões.
Atento ao cenário promissor, o laticínio Faco, instalado em Ribeirão, a 90 quilômetros do Recife, investe no aumento da produção de queijos, entre os quais mussarela, fresco, coalho e minas. O proprietário, Horácio Franca Corrêa, espera dobrar até o início de 2012 a capacidade de beneficiamento, hoje de 15 mil litros/ dia.
Na Bahia, principal produtora de leite do Nordeste, os laticínios mais importantes também investem em expansão, segundo Francisco Benjamin Filho, gerente de programas do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). O problema no Estado, contudo, é a produtividade do rebanho, a segunda pior do Nordeste. Segundo o IBGE, cada vaca baiana produziu 555 litros de leite em 2009, contra uma média nacional de 1.297 litros.
"Dois terços da área do Estado da Bahia estão no semi-árido, uma região sem recursos e sem clima para a produção de leite. Lá é que a gente encontra a famosa vaca "pé duro", como é conhecido o animal adaptado a esse meio", explica Benjamin.
O período sem chuvas é crítico para a cadeia do leite, pois a pastagem seca não oferece ao animal os nutrientes necessários à produção. Por esse motivo é fundamental que os produtores invistam na estocagem de alimentos, o que ainda é raro no Nordeste. "O produtor tem que fazer sua parte, com genética e alimentação. Sem suplemento alimentar, a produção cai estupidamente no tempo seco", concorda o secretário de Desenvolvimento Econômico de Imperatriz, Sabino Costa.
Sem se preocupar com "essas coisas de nutriente", Serafim Araújo viu cair pela metade o volume de leite produzido por suas vacas no último ano. "Eu tirava bem mais antes. Agora elas tão fraquinhas demais, meu filho", lamenta.