quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Obsessão, de novo

ALEXANDRE SCHWARTSMAN
São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 2011 


De cada R$ 1 acrescido ao PIB do país nos últimos 16 anos, o governo arrecadou R$ 0,48 e gastou R$ 0,51


Começo este artigo com uma confissão: não publico hoje texto exatamente inédito. Na verdade, quando estreei esta coluna há cinco anos, escrevi algo, se não idêntico, pelo menos bastante parecido, assim como em outras oportunidades.
E, se o tema tornou-se algo obsessivo, justifico-me lembrando que nada foi feito a respeito e -pior, no meu ponto de vista- ninguém parece ter prestado a mais remota atenção aos meus argumentos, experiência, acreditem os 18 leitores, para lá de frustrante. Desculpas apresentadas, sigo em frente.
Neste fim de semana a Folha deu destaque aos dados recém-publicados pela Receita Federal revelando que, após breve interrupção em 2009, por conta da recessão, a carga tributária voltou a subir no Brasil no ano passado, atingindo cerca de 35,2% do PIB, marca inferior apenas às observadas em 2007 (35,3%) e em 2008 (35,5%).
O número em si impressiona, pois são poucos os países no estágio de desenvolvimento semelhante ao brasileiro que apresentam tamanho peso tributário.
Entretanto, mais do que o mero tamanho da carga, duas outras implicações saltam aos olhos.
A primeira, mais direta, diz respeito ao tamanho do governo. Se os três níveis de governo no país arrecadaram o montante acima, é possível, deduzindo seu resultado primário, estimar também quanto gastaram.
De acordo com os dados compilados pelo Banco Central, o superavit dessas esferas registrou 2,8% do PIB. Todavia, como chamei a atenção extensamente (talvez até demais, pelas reações que isso eventualmente causou), parcela considerável desse superavit não veio da arrecadação normal de impostos, mas sim de receitas não tributárias, como pagamento de dividendos e a cessão onerosa dos direitos de exploração do petróleo no pré-sal. Ajustando os dados devido a essas receitas não tributárias, estimo que o superavit primário em 2010 tenha atingido algo como 1,2% do PIB.
Assim, se as receitas tributárias ficaram em 35,2% do PIB e o saldo primário chegou a 1,2% do PIB, não é difícil concluir que as despesas primárias teriam atingido 34% do PIB.
Repito: os três níveis de governo no Brasil gastaram cerca de um terço de toda a riqueza gerada no país no ano passado -fenômeno também incomum entre países de nível de renda similar ao nosso.
A segunda implicação diz respeito à evolução da carga tributária e dos gastos públicos desde a estabilização, no agora longínquo ano de 1994. Naquele ano, a carga tributária chegara a 27% do PIB, ou, a preços de 2010, algo como R$ 605 bilhões. Os gastos, por sua vez, equivaliam a 23,3% do PIB, ou R$ 522 bilhões a preços atualizados. O PIB, corrigido pela inflação, equivalia então a R$ 2,2 trilhões.
Dito isso, a carga tributária em 2010 foi de R$ 1,3 trilhão, enquanto os gastos bateram em R$ 1,2 trilhão e o PIB atingiu R$ 3,7 trilhões. Ou seja, nos 16 anos em que o PIB cresceu o equivalente a R$ 1,4 trilhão, os tributos aumentaram R$ 687 bilhões e os gastos, nada menos que R$ 726 bilhões.
Posto de outra forma: de cada R$ 1 acrescido ao PIB brasileiro nos últimos 16 anos, o governo arrecadou R$ 0,48 (R$ 687 bilhões divididos por R$ 1,432 trilhão) e gastou R$ 0,51 (R$ 726 bilhões divididos por R$ 1,432 trilhão).
Vale dizer, nossos sócios em Brasília (e nos governos locais) tomaram cerca de metade daquilo que eu, você e os demais brasileiros produzimos a mais desde a estabilização da economia -e gastaram com gosto
.
Não tenho espaço disponível para discutir se o aumento do gasto redundou em melhora do bem-estar do país, mas pergunto aos 18 heróis: vocês acreditam que um governo que lhes toma metade daquilo que esperam ganhar está reduzindo seus incentivos para investimento e inovação (e, portanto, crescimento), ou que isso em nada afeta as escolhas que vocês fazem?
Se optaram pela primeira alternativa, já mostram saber muito mais de economia do que os mandarins de Brasília. A propósito: deixaremos voltar a CPMF?
Bom ano a todos: Shaná Tová!

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil.

www.maovisivel.blogspot.com 

alexandre.schwartsman@hotmail.com 

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