terça-feira, 20 de setembro de 2011

Impacto do câmbio sobre inflação divide economistas


Autor(es): Por Arícia Martins e João Villaverde | De São Paulo e Brasília
Valor Econômico - 20/09/2011

A desaceleração do ritmo de alta dos preços dos alimentos nos índices de atacado e o impacto da recente valorização do dólar dividem a opinião dos analistas sobre a trajetória da inflação brasileira neste quadrimestre. No conjunto, o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) mostrou aceleração e passou de 0,32% para 0,52% entre o segundo decêndio de agosto e o de setembro. Em contrapartida, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) agropecuário, que ditava o avanço dos IGPs desde julho, ficou estável entre uma leitura e outra (passou de 1,31% para 1,33%), repetindo o movimento de acomodação já registrado no IGP-10.
Segundo o coordenador de análises econômicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), Salomão Quadros, os alimentos processados apresentaram desaceleração mais importante, o que, no início de outubro, pode começar a se refletir nos preços do varejo. Na avaliação da FGV, a desaceleração dos alimentos ficou evidente na segunda prévia do IGP-M, divulgada ontem. Os alimentos processados, subgrupo dos bens finais, passaram de alta de 3,07%, na segunda prévia de agosto, para 1,25% em igual período de setembro
Analistas consultados pelo Valor concordam que a medição mostra certa acomodação dos preços agropecuários e de alimentos processados, mas divergem sobre a duração do movimento. Alguns não veem a inflação dos alimentos com preocupação e acreditam que o pico desses preços será atingido em setembro. Outros economistas destacam a desvalorização do câmbio como propulsor das altas no grupo nos próximos meses, que chegarão via commodities.
Na visão de Fábio Romão, da LCA Consultores, e Thiago Carlos, da Link Investimentos a alta dos alimentos no atacado deve permanecer próximo do registrado na prévia do IGP-M nos próximos meses. "Os alimentos chegaram a um certo limite", diz Carlos. "Eles não devem se acelerar mais do que isso. O preço das carnes não deve mais subir tanto e os alimentos in natura já subiram o que tinham que subir." Na atual medição do IGP-M, as hortaliças e legumes tiveram queda de 2% no varejo, contra deflação de 5,18% no segundo decêndio de agosto. Já o preço das frutas passou de alta de 2,18% para 6,12%, e o das carnes bovinas, de 0,05% para 1,45%. Os três itens tiraram os alimentos de queda de 0,13% para avanço de 0,85%.
Romão acredita que o IPA agropecuário não ultrapasse 1,5% até o fim do ano, ao passo que os alimentos dentro do IPCA devem registrar taxas acima do indicador geral, mas relativamente estáveis. "Há risco de repiques, porque os preços desses produtos são voláteis. A questão é se ele prepondera. Na nossa avaliação, não."
Os dois analistas também destacam as commodities como outro ponto que jogará a favor da inflação dos alimentos neste fim de ano. Segundo o economista da LCA, os sinais de desaceleração da atividade global indicam que o preço das matérias-primas deve continuar "andando de lado", o que terá efeito desinflacionário nos alimentos. "Não quero dizer que os preços das commodities vão despencar, mas que vão moderar as altas". "Houve desaceleração das commodities em agosto e parece que isso continua em setembro. Não acredito que tenha mais pressão vindo dos preços agropecuários, pelo menos neste fim de ano", diz Carlos.
Esse não é o cenário com o qual trabalha o sócio-diretor da RC Consultores, Fabio Silveira. Em sua avaliação, a recente desvalorização do câmbio, que atingiu R$ 1,78 ontem, "colocará lenha na fogueira da inflação" dentro de, no máximo, 60 dias. "As commodities continuam com tendência de relativo declínio ao longo dos próximos meses, o problema é que a taxa de câmbio mudou de patamar e, seguindo mais alta, significa encarecimento quase imediato dos alimentos no atacado."
Silveira não revisará suas projeções de curto prazo enquanto não se confirmar o novo patamar da taxa de câmbio, mas afirma que, caso continue entre R$ 1,70 e R$ 1,80 nas próximas duas semanas, não só os preços agropecuários vão subir. "A trajetória em 12 meses dos IGPs e IPCs pode voltar a ser ascendente e contaminar contratos."
A analista Alessandra Ribeiro, da Tendências, também espera mais inflação, como consequência das mudanças recentes no cenário externo. Em estudo divulgado para os clientes da consultoria, Alessandra cruza dados de câmbio e preços de commodities em dólares para verificar quanto os preços dos produtos básicos têm variado em reais. O resultado, diz Alessandra, é que "se há um viés, é inflacionário para a economia brasileira".
Entre 31 de julho e 5 de dezembro de 2008, período de explosão da crise mundial, o índice CRB, que mede preços das commodities cotadas no mercado global, despencou 35%. Se somado à oscilação de preços do petróleo, o CRB, em dólares, caiu 68,2%. No mesmo período, o real sofreu desvalorização de 59,6% frente ao dólar. Assim, o CRB em reais passou por elevação de 3,64% no período, resultando, segundo Alessandra, em alta de 0,15 ponto na inflação, à época.
Dessa vez, entre o fim de julho e 14 de setembro deste ano, o "CRB ampliado" (contando o petróleo) caiu apenas 3,4% em dólar, e o real se desvalorizou em 11% em relação ao dólar. O CRB em reais passou por uma alta de 7,97% no período, resultando em incremento de 0,32 ponto na inflação.
O efeito inflacionário, em 2011, decorre do fato de a desvalorização do real ter sido muito superior à queda nos preços das commodities. "Pelos canais de atividade, crédito e confiança, nota-se uma desaceleração em curso, mas nada que aponte uma desaceleração magnificada pela crise internacional", escreve Alessandra no relatório. Para ela, é "pouco provável" que o recrudescimento da crise internacional acabe gerando queda na inflação brasileira. (Colaborou Marta Nogueira, do Rio)

O câmbio e os efeitos na inflação e na Bolsa

Eduardo Campos
Valor Econômico - 20/09/2011
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/9/20/o-cambio-e-os-efeitos-na-inflacao-e-na-bolsa
 

Essa puxada de preço do dólar, que ontem retomou a linha de R$ 1,80 nas praças futuras, começa a dar novas nuances ao mercado.
Nos juros, já se olha com maior preocupação a questão da "inflação importada", já que a disparada de preço do dólar é muito maior do que a queda no preço das matérias-primas.
Na renda variável, o dólar forte com "ações baratas", pode dar novo fôlego à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), percepção válida ontem.
Focando atenção na inflação, um exercício simples mostra a dimensão desse trade-off.
Dólar futuro sobe 3,85% e fecha na máxima, a R$ 1,807
Da mínima do ano, registrada em 26 de julho, a R$ 1,537, o preço da moeda americana já subiu 15,81%. Pegando a mesma janela de tempo, o índice de commodities CRB caiu 7,21%.
Segundo o próprio Banco Central (BC) essa transmissão de "inflação externa" é menor do que tempos atrás, mas tal queda do real quase duas vezes maior do que o preço das commodities já começaria a deixar os investidores cautelosos.
Essa seria uma das explicações para o aumento das taxas futuras, especialmente as mais longas no mercado de juros.
Outros fatores menos palpáveis que a questão cambial também correram pelas mesas ontem. Primeiro é a percepção de realização de lucros na curva longa por parte de investidor estrangeiro.
O segundo assunto em pauta era a possibilidade de surpresa negativa com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15) que sai hoje.
Falava-se em inflação entre 0,55% a 0,60%, contra previsões ao redor de 0,50%.
De volta ao dólar, o mercado fechou com a pior cara possível.
O contrato futuro para outubro tomou fôlego no fim do dia e mostrava alta de 3,85%, a R$ 1,807, na máxima do dia.
Pela análise gráfica, as próximas paradas seriam R$ 1,825, R$ 1,844 e R$ 1,881.
O mercado à vista, que encerra negócios mais cedo, mostrou dólar comercial a R$ 1,780 na venda, alta de 2,71%, e maior preço desde julho do ano passado. Na máxima, a cotação tinha ido a R$ 1,80, ganho de 3,87%.
Como ficou esse hiato de preço em função dos diferentes horários de fechamento é grande a chance de o dólar comercial começar o pregão de terça-feira acima de R$ 1,80.
Mas mesas, os operadores viram firme "stop loss" de vendido, ou seja, o agente que vinha "apostando" no real chegou ao seu limite de perda e foi obrigado a virar a mão para a compra de moeda americana.
Também foi verificada presença de novos compradores de contratos futuros de dólar, seja para proteção (hedge) ou para especulação. Algo referendado pelo elevado volume do dia, mais de 500 mil contratos.
Segundo um especialista, boa parte dessa nova demanda por moeda teria sido originada por um fundo estrangeiro que está utilizando o mercado de câmbio local para se proteger da piora de quadro externo.
Tal fundo teria vendido papéis europeus e comprado dólar no mercado local, pois trabalha com novas desvalorizações do real no caso de piora de ambiente internacional.
Pelo comportamento recente do real, por vezes a moeda que mais perde para o dólar entre pares emergentes e de países desenvolvidos, tal estratégia faz algum sentido. Além de representar um hedge pode ser, também, uma boa forma de ganho.
Essa história pode ser referendada ou refutada com os dados que serão apresentados hoje sobre as posições na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F).
Olhando as posições na BM&F, mas referentes ao pregão de sexta-feira, descobrimos que o maior estoque de posição comprada em dólar futuro não está com bancos ou estrangeiro, costumeiramente os maiores agentes nesse mercado.
Quem desponta como maior tomador de dólar futuro são as empresas (pessoa jurídica não financeira), com US$ 2,365 bilhões. Esses agentes tinham aberto o mês de setembro com estoque comprado de apenas US$ 210 milhões.
Esses números dão respaldo à percepção de alguns participantes de mercado de que esse "stop" promovido pela alta do dólar não é exclusivo de agentes financeiros.
A alta teria arrastado, também, algumas empresas. Só não se sabe se esses agentes não financeiros estão comprando dólar de forma preventiva ou para cobrir perdas já incorridas.
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Ainda na BM&F, os estrangeiros estavam comprados em US$ 2,303 bilhões em dólar futuro, mas seguiam vendidos em US$ 13,491 bilhões em cupom cambial (DDI - juro em dólar). Disso resultava exposição líquida vendida em US$ 11,187 bilhões.
Já os bancos estavam vendidos em dólar futuro em US$ 4,370 bilhões, porém comprados em cupom cambial em US$ 7,0 bilhões. Com isso, seu estoque líquido ainda era comprado em US$ 2,634 bilhões.

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