Repressão a índios derruba ministros

Correio Braziliense - 28/09/2011

Em menos de 24 horas, o presidente da Bolívia, Evo Morales, sofreu quatro baixas no governo, resultado da violenta repressão a uma manifestação realizada, no domingo, por indígenas contrários à construção de uma estrada de 300km de extensão que corta uma reserva natural. A ação da polícia para conter o protesto terminou com a morte de uma criança, diversos feridos e dezenas de presos, acarretando uma crise política e social no país. Indignada com a situação, Cecilia Chacón entregou o cargo de ministra da Defesa na segunda-feira. Horas depois, Morales anunciou a suspensão da obra, mas a medida foi insuficiente para conter os ânimos. Ontem, renunciaram o vice-ministro do Interior, Marcos Farfán, que teria dado a ordem para conduzir a operação; a diretora nacional de Migração, María Renée Quiroga; e o ministro do Interior, Sacha Llorenti. A queda de braço em torno da estrada começou em 15 de agosto, quando os índios iniciaram uma marcha rumo a La Paz para protestar contra a obra, que conta com um financiamento de US$ 322 milhões do BNDES. A cargo da construtora brasileira OAS, a rodovia deve ligar o Brasil a portos do Chile e do Peru, atravessando a Bolívia. O motivo da polêmica é que, pelo projeto, a estrada passa pelo território indígena Tipnis, na Amazônia boliviana. "Dissemos e repetimos, não queremos que esta estrada exista", ressaltou o deputado indígena Pedro Nuni, um dos líderes da marcha. James Anaya, relator especial sobre os direitos dos povos indígenas na ONU, apelou ao governo de Morales para que "tome todas as medidas necessárias para garantir a segurança das pessoas que participam dos protestos, além de prevenir, investigar e punir qualquer ato que afete a vida e a integridade dessas medidas". Mobilização Além de suspender a obra, Morales anunciou a realização de um referendo sobre a construção da rodovia. Para Nuni, as medidas adotadas pelo presidente não encerram a discussão. "O fato de o presidente solucionar o primeiro ponto não quer dizer que tenha acabado problema. Nós vamos continuar (a marcha)", afirmou o parlamentar. Ontem, centenas de indígenas já estavam mobilizados nos municípios de Rurrenabaque e de San Borja, perto de Yucyni (320km a nordeste de La Paz), palco do confronto do último domingo. O reinício da caminhada dependerá da localização dos cerca de 20 índios que desapareceram no conflito. O episódio deixou Evo Morales no centro de um furacão político. O presidente garantiu que nunca instruiu os militares a recorrerem à violência, e inclusive a condenou, mas não conseguiu evitar uma grave crise. A Central Operária Boliviana (COB), que reúne todos os sindicatos de operários, convocou uma greve geral de 24 horas para hoje. Já a Central Operária Departamental de Potosí anunciou que realizará um referendo para revogar o mandato do presidente e de seu vice, Alvaro García. Morales, que chegou ao poder em 2005, enfrenta ainda uma paralisação geral de 24 horas no Departamento de Beni, uma greve de fome de 20 pessoas em Santa Cruz e marchas e vigílias em La Paz, Chuquisaca e Cochabamba.