ESCRITO POR MÁRIO MAESTRI |
QUI, 01 DE SETEMBRO DE 2011 |
Em fins de 1959, o candidato paulista conservador Jânio Quadros venceu as eleições presidenciais, com 48% dos sufrágios, apoiado na imagem demagógica de batalhador contra a corrupção e a ineficiência administrativa. Seu apoliticismo moralizador expressava-se na "vassoura" que varreria a corrupção, como símbolo, e na consigna da campanha "Jânio vem aí", que nada dizia. O projeto político de Jânio Quadros era liberal: controle ortodoxo da inflação, abertura ao capital mundial, repressão ao sindicalismo. Para se aproximar do eleitor nacionalista e popular, não defendeu a internacionalização da Petrobrás e propôs política externa independente. O marechal Lott, candidato da aliança PSD-PTB, nacionalista e progressista, sem charme e experiência política, foi facilmente derrotado. Porém, o eleitorado que consagrou Jânio, designou a trabalhista João Goulart, vice na chapa de Lott, para vice-presidente, como permitia a legislação. Jânio Quadros empossou ministério conservador apoiado na UDN e empreendeu a estabilização ortodoxa exigido pelo FMI – forte desvalorização da moeda; abertura ao capital estrangeiro; redução dos subsídios da gasolina, pão etc.; congelamento de salários e crédito. O FMI suspendeu o bloqueio em que mantivera o final do governo JK para que pagasse a dívida com o capital internacional. Jânio Quadros reduziu as promessas de modernização administrativa e combate à corrupção a infinidade de instruções anódinas, através dos "bilhetes" presidenciais, e a inquéritos midiatizados, de poucos resultados, contra o PSD e PTB derrotados e João Goulart, seu substituto constitucional. Também para contrabalançar o conservadorismo interno, propôs política externa equilibrada entre os USA, Europa e o Bloco Soviético. Visitara a Cuba revolucionária e o Egito nacionalista e propunha reatar relações com a URSS e a China. Ninguém me quer! Jânio Quadros viu seu apoio esvaziar-se entre os empresários nacionais, sem créditos; entre os trabalhadores e a população, pelo arrocho salarial e inflação; entre os militares, pela política terceiro-mundista; entre o PSD e PTB, pela faxina unilateral; na sua base de apoio, UDN, por seu voluntarismo. Em julho, Carlos Lacerda, da UDN, iniciou campanha anti-janista, atacando a condecoração de Che Guevara. Em 24 de agosto, denunciou pela rádio convite do ministro da Justiça de Jânio para que participasse de golpe, de corte gaullista. No dia seguinte, 25 de agosto, aniversário do suicídio de Vargas, pela manhã, Jânio Quadros entregou carta de renúncia aos ministros militares, denunciando “forças ocultas” que exigiriam poderes extraordinários. Esperava retornar à presidência, com poderes excepcionais, apoiado nas forças armadas, no bojo de explosão de indignação popular, ao igual à que varrera o país quando da morte de Getúlio Vargas. O destinatário da renúncia era o ministro da Guerra, Odílio Denys, anti-trabalhista e pró-estadunidense. Jânio Quadros confiava que vetaria a posse de Jango, em viagem oficial à China comunista. Nos oito meses de governo, Jânio Quadros fora personagem imprevisível, inábil, depressivo, dado a bebedeiras. Sua orientação terceiro-mundista e a recente abertura ao desenvolvimentismo levaram a que os generais e a UDN desconfiassem das suas intenções e capacidades pessoais. Os militares não chamaram o presidente de volta a Brasília. Entregaram a carta de renúncia ao presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, junto ao veto militar à posse do vice-presidente. Às 15 horas do dia 25 de agosto, a declaração de renúncia foi lida diante de alguns poucos e perplexos congressistas e, a seguir, Mazzilli assumiu a chefia formal da República, e os três ministros militares apossaram-se do poder. Era o golpe em marcha, com arremedo de respeito à constitucionalidade. Jânio Quadros viajou para São Paulo, seu reduto eleitoral, onde pode dimensionar sua abismal inabilidade e falta de apoio social sólido. Fora rejeitado pelos generais e pela população, que não deu um passo em sua direção. Retornaria mais tarde à vida política paulista, sem poder justificar sua ação, sem desvelar o projeto golpista. Sintetizaria a renúncia em frase célebre pela impertinência política e gramatical: "Fi-lo porque qui-lo". A resposta inesperada Com o veto ao vice-presidente João Goulart, os altos chefes militares procuraram abrir caminho para governo conservador, autoritário e mais confiável, sem Jânio Quadros, promovendo a liquidação definitiva do populismo nacional-desenvolvimentista. A tentativa golpista – apoiada pelo imperialismo e pelas classes proprietárias, sob a direção da grande burguesia industrial – foi vergada devido à mobilização popular e militar do Rio Grande do Sul, que se espraiou para o Brasil, ensejada pela oposição do jovem governador do Rio Grande do Sul. Imediatamente após o pronunciamento militar, desde estúdio improvisado nos porões do palácio Piratini, Leonel Brizola organizou rede radiofônica – Cadeia da Legalidade –, que cobriu, primeiro, o Sul e, a seguir, parte do Brasil, conclamando a população à resistência armada em defesa da Constituição, se preciso fosse. Tropas da Brigada Militar entrincheiraram-se nas cercanias do palácio Piratini e metralhadoras anti-aéreas foram colocadas nos terraços dos edifícios que cercavam a casa do governo, à espera do ataque do Exército e da Aeronáutica. No contexto da crescente mobilização popular, a ordem do comando da Aeronáutica de que caças bombardeassem o palácio Piratini foi impedida devido ao controle da Base Aérea de Canoas por sargentos e oficiais constitucionalistas, nacionalistas e de esquerda. O ataque do palácio Piratini por tanques M-3 da II Companhia Mecanizada da Serraria não prosperou devido à decisão da Brigada Militar de resistir ao ataque e à oposição de boa parte da sub-oficialidade daquela arma. Quebrando a disciplina golpista, sob a direção sobretudo de sub-oficiais nacionalistas, parte da tropa das forças armadas colocava-se ao lado da Constituição, da população e dos trabalhadores. Armas para o povo Nos dias seguintes, em Porto Alegre, mais de trinta mil populares arrolaram-se como voluntários para os combates e revólveres foram distribuídos à população. A adesão ao constitucionalismo dos generais Pery Bevilaqua, comandante da III Divisão de Infantaria, de Santa Maria, e Oromar Osório, da I Divisão de Cavalaria, de Santiago, determinou o pronunciamento do vacilante comandante do III Exército, no dia 28 de agosto, em favor da Constituição. Tropas da Brigada e do Exército organizaram a defesa das fronteiras do Rio Grande, enquanto a agitação constitucionalista de Leonel Brizola espalhava-se pelo Brasil, fazendo o golpismo militar e civil retroceder, cada vez mais frágil e confuso. Coluna militar partiu do Rio Grande, em caminhões e trens, e entrou em Santa Catarina, em direção ao Paraná. Em 3 de setembro, o vice-presidente João Goulart desembarcou em Porto Alegre, chegado de Montevidéu, de volta ao Brasil, de onde seguiu para o Rio de Janeiro, para assumir, em 7 de setembro, a presidencial vacante, com os poderes restringidos devido à instauração do parlamentarismo pelo Congresso Nacional, que se colocara, em forma majoritária, ao lado do golpismo. Brizola opôs-se inutilmente à solução parlamentarista aceita por João Goulart, que significava recuo diante das forças golpistas acurraladas pela crescente mobilização popular e fratura das forças armadas. O governador sulino propunha respeito à Constituição e, portanto, novas eleições, após a destituição dos ministros militares e dissolução do Congresso comprometido com o golpismo. Esperava confiante uma vitória popular maciça nas urnas. A aceitação da solução parlamentarista por Goulart interrompeu o confronto político e social, quando o golpismo retrocedia. Em 1961, há cinqüenta anos, a leniência de João Goulart e dos segmentos sociais que representava desmobilizaram a população e abriram caminho à vitória do golpe de 1964. No poder durante vinte anos, em nome sobretudo do grande capital industrial, os militares imporiam à população perda de conquistas históricas e reformatação das instituições do país que mantém suas seqüelas fundamentais até hoje. Mário Maestri é professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF. E-mail: maestri(0)via-rs.net |
ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO EM SEGUNDA, 12 DE SETEMBRO DE 2011 |
Que queriam os golpistas em 1961? |
ESCRITO POR MÁRIO MAESTRI |
QUARTA, 07 DE SETEMBRO DE 2011 |
A tentativa golpista fracassada de 1961 expressava tendências político-sociais profundas, presentes no cenário nacional desde o pós-guerra. Elas emergiriam vitoriosas em 1964, para formatar a sociedade nacional em um sentido socialmente patológico. Quando do retorno de Getúlio Vargas ao governo, em 1950, o padrão de acumulação através do desenvolvimento industrial autônomo, apoiado no capital e no mercado interno (nacional-desenvolvimentismo), encontrava-se já em um claro impasse. Ele se frustrava na estreiteza do mercado interno e da poupança nacional. No Estado Novo, o latifúndio fora preservado, sem estenderem-se as leis sociais ao campo, mantendo-se imensas regiões e populações em economia semi-natural, à margem das leis trabalhistas. O mercado de consumo urbano era limitado. A produção industrial nacional assentava-se na extração de mais-valia absoluta – longas jornadas de trabalho e salário em geral próximo ao mínimo necessário à subsistência. A escassa capacidade de consumo da população nacional impedia a produção em escala, com tecnologias avançadas, apoiada na produção de mais-valia relativa. A continuidade do nacional-desenvolvimentismo exigia forte expansão dos investimentos e do consumo, através da destruição do latifúndio, sem indenização, e generalização das leis trabalhistas e elevação geral dos salários. Exigia, igualmente, a nacionalização do comércio exterior, para captação de recursos, e forte expansão do setor bancário público. Uma crescente participação estatal no setor industrial e bancário era imprescindível à implantação de indústria nacional de bens de produção, realidade esboçada na reorientação do destino da Fábrica Nacional de Motores, fundada, durante a Guerra, para produzir motores de aviões. A revolução tecnológica mundial tornava obsoleto o parque industrial nacional, exigindo importantes investimentos nessa área e na pesquisa, possíveis de serem realizados apenas pelo Estado. Essas reformas essencialmente democrático-burguesas redefiniriam a correlação de forças sociais. Elas fortaleceriam o mundo do trabalho e romperiam a associação-aliança subordinada dos latifundiários às classes industrialistas nacionais. Um processo que assustava a burguesia industrial brasileira, até então na direção indiscutível do bloco político-social nacional-desenvolvimentista. A fragilidade econômica e a pusilanimidade política da burguesia industrial brasileira impediam que se completasse a revolução democrática, imprescindível a um desenvolvimento substancial, equilibrado e auto-suficiente da nação. Ela entregava, nos fatos, essa tarefa ao proletariado industrial. Nesse contexto geral, nas décadas seguintes, a burguesia nacional assumiu crescente posição de subalternidade diante do capital imperialista, ao qual optou por associar-se/submeter-se, lutando apenas para garantir as melhores posições relativas possíveis. Nesses anos, o capital imperialista evoluía para padrão de acumulação e exploração apoiado fortemente na constituição, no exterior, de indústrias para a produção das mercadorias antes exportadas por suas sedes nacionais. Impunha-se, portanto, pôr fim a qualquer padrão de construção de indústria nacional autônoma. Sobretudo em um país com as dimensões do Brasil, em que uma produção industrial em escala terminaria exigindo a expatriação de seus capitais e mercadorias, em competição com os capitais imperialistas. No plano político, as grandes classes industriais do Brasil optaram por governos fortes e ditatoriais, para pôr fim ao padrão nacional-desenvolvimentista, ao populismo, ao trabalhismo, ao sindicalismo. Exigiam a transferência dos parcos recursos do Estado aos segmentos industriais; o confisco de direitos e renda dos trabalhadores; a abertura do país aos capitais mundiais. O mercado internacional e não mais a população nacional, absoluta e relativamente depauperada, seria o espaço de realização prioritário da produção nacional. Leia também A grande oportunidade perdida Mário Maestri é professor do curso de História e do programa de pós-graduação em História da UPF. E-mail: maestri(0)via-rs.net |
1961-1964:A Organização da Derrota |
ESCRITO POR MÁRIO MAESTRI |
SEXTA, 23 DE SETEMBRO DE 2011 |
O primeiro governo parlamentarista do Brasil, em 1961, formou-se sob a chefia de Tancredo Neves, do PSD. Três ministérios foram entregues ao PSD, dois ao PTB – Trabalho e Exterior –, dois à UDN. Nos seis primeiros meses, o presidente da República, João Goulart, esforçou-se para garantir o imperialismo e os conservadores sobre sua vocação democrática e anti-comunista. Em abril de 1962, visitou Washington onde, apesar de declarar oposição à Cuba, não obteve o apoio esperado, pois se negou a abraçar irrestritamente o monetarismo ortodoxo proposto pelo FMI. Prosseguiam suspensos os empréstimos ao governo brasileiro. Em 1º de maio de 1962, Goulart defendeu as "reformas de base", entre elas, a agrária, sem indenização monetária. O apoio popular era necessário ao retorno do presidencialismo, através de plebiscito pactuado durante o acordo. Quando, em junho, com a renúncia de Tancredo Neves, Goulart propôs o político trabalhista e progressista San Tiago Dantas para primeiro ministro, impugnado pelo Congresso, ele designou Moura Andrade, do PSD, que renunciou, 48 horas após a indicação, devido à negativa de Goulart de aprovar os ministros que indicara. A crise ministerial aprofundou-se com a prontidão das forças militares e a greve geral, da CNTI, interrompida a pedido de Goulart. Brochado da Rocha, do PSD, ex-secretário do Interior de Brizola, assumiu como primeiro ministro, prometendo combate à inflação e à escassez de alimentos e política exterior independente. Em inícios de setembro, foi substituído por Hermes Lima. Sob pressão de greves gerais, o Congresso marcou o plebiscito para 6 de janeiro de 1963, vencendo o presidencialismo em forma esmagadora. Após dezesseis meses de parlamentarismo, Goulart assumia a presidência, a três anos do fim de seu mandato. Goulart retomou o programa nacional-desenvolvimentista, associado a reformas estratégicas. Nomeou San Tiago Dantas, do PTB, para o ministério da Fazenda; Celso Furtado, no Planejamento; e Almino Afonso, no Trabalho. Delineado por Celso Furtado, o programa geral de governo – "Plano Trienal" – reconhecia que a inflação – 52% em 1962 – comprometia as inversões, o crescimento e causava tensões sociais. Criticando as soluções recessivas, o Plano Trienal pretendia superar o impasse da falta de recursos com as "reformas” de base" – administrativa, financeira, tributária e agrária. Porém, estas últimas deviam ser aprovadas por Parlamento dominado pelo centro, centro-direita e direita. O impasse econômico do padrão de acumulação nacional-desenvolvimentista materializava-se em impasse político. Ao rejeitar a proposta de Brizola, em 1961, de novas eleições, Jango fechava as possibilidades de avançar constitucionalmente as iniciativas necessárias. Enquanto as “reformas de base” não eram aprovadas, o governo propôs reduzir a inflação, a 10%, em três anos, com ganhos reais na produtividade do trabalho de 7% ao ano e com a redução das desigualdades sociais. Nos fatos, San Tiago Dantas, na Fazenda, e Celso Furtado, no Planejamento, avançaram o tradicional saneamento anti-inflacionário: alguns poucos novos impostos para os mais ricos; redução dos subsídios a empresas públicas de transporte e à importação do trigo e gasolina; impulsão nas exportações com a desvalorização do cruzeiro em 30%. O plano foi aprovado pelo FMI e pelo presidente John Kennedy. No primeiro trimestre de 1963, a inflação restringiu-se a 16%. Porém, o corte dos subsídios às importações; uma maior uniformização das taxas de câmbio; a restrição do crédito; a desvalorização da moeda etc. aumentaram o custo de vida, a recessão, a crise social, as greves, dissociando sobretudo os trabalhadores mais organizados do governo. Apesar do programa implementado e de acordo que indenizava vantajosamente empresas estadunidenses expropriadas por estados da federação, o governo obteve nos USA apenas o condicionamento de novos empréstimos à radicalização das medidas tomadas, sob o controle do FMI. Em 1963, o Brasil deveria pagar US$ 1,8 bilhão, uns 43% de suas exportações. O sonho autoritário Em março, o governo propôs ao Congresso a expropriação de terras com pagamento em títulos públicos. Em maio, prometeu aumento salarial de 70% para os funcionários federais e militares, apesar de ter afirmado em Washington que não ultrapassaria os 40%. Fechado o primeiro semestre, no Rio de Janeiro, a inflação superava os 30%, taxa estimada para todo o ano. Sem conquistar o apoio financeiro dos USA, Jango afastava-se das classes trabalhadoras e populares. Nesse contexto, ensaiou vacilante e incompleta correção de rumo que expressava o impasse político que vivia o país e suas origens sociais e políticas, mais do que sua personalidade. Ao preparar confronto com o governo USA, através de eventual moratória unilateral, procurou não cortar os laços com a orientação anterior. Durante a reforma ministerial de junho, dissolveu o ministério do Planejamento de Celso Furtado e substituiu San Tiago Dantas, na Fazenda, pelo político conservador Carvalho Pinto, que articulou plano antiinflacionário através de bônus bancários. Entrementes, aprofundava-se a crise geral. Em 12 de setembro de 1963, sargentos, fuzileiros e soldados da Aeronáutica e da Marinha manifestaram-se na capital federal, retendo o presidente da Câmara e ministro do Supremo Tribunal, para defender o direito de eleição de praças e suboficiais. Em 4 de outubro de 1963, em associação com seus ministros militares, João Goulart requereu ao Congresso a decretação de Estado de Sítio, por trinta dias, para controlar a agitação social, e organizou a prisão de Carlos Lacerda, governador direitista do Rio de Janeiro, e Miguel Arraes, governador esquerdista de Pernambuco. Retomando a proposta de Jânio Quadros de 25 de agosto de 1961, Goulart procurava debelar a crise através da constituição de governo de exceção, apoiado nas forças políticas de centro e nas forças armadas. O golpismo foi combatido pela esquerda, pelo sindicalismo trabalhista, pelo PSD e pela UDN, que, por diferentes razões, temiam governo de exceção dirigido por Goulart. Em 7 de outubro, sem apoio político, retirou o pedido ao Congresso e empreendeu nova guinada, agora, à esquerda. Propôs, segundo as exigências nacional-desenvolvimentistas, que os lucros dos capitais mundiais que excedessem aos 10% exportáveis permitido pela lei seriam reinvestidos como "capitais nacionais de estrangeiros", sem direito à nova re-exportação de lucros. Prosseguindo na senda desenvolvimentista, Jango criou a Eletrobrás, o Conselho Nacional de Telecomunicação, a Comissão Nacional de Energia Nuclear e reatou as relações com a URSS. Porém, nesse momento, os segmentos industrialistas nacionais, base do nacional-desenvolvimentismo, associados ao capital internacional, ou medrosos das crescentes reivindicações populares, avançavam já o projeto golpista. A derrota da proposta de Goulart de governar com os militares, de outubro de 1963, fortalecera a proposta de intervenção castrensesem a participação do presidente. Um dos líderes das articulações era o general Castelo Branco. Já em 1962, antes da vitória do presidencialismo, a conspiração de direita progredia entre a alta oficialidade e a grande burguesia, sobretudo paulista. Os golpistas defendiam que a população fosse incapaz de interferir, mesmo indiretamente, nos destinos do país. Em inícios de 64, expoentes da UDN pregavam abertamente o golpe. Burguesia golpista Em dezembro de 1963, com inflação que, no Rio de Janeiro, encerraria o ano acima dos 80%, Carvalho Pinto foi substituído por Nei Galvão, que empreendeu medidas de controle direto dos preços. No mesmo mês, Jango determinou revisão das concessões governamentais de exploração de recursos minerais por estrangeiros. Em janeiro de 1964, regulou a Lei de Remessa de Lucros. Em fevereiro, as medidas nacionalistas foram contrabalançadas com movimento em direção ao câmbio livre, exigido pelo FMI. Porém, em parte devido às dificuldades econômicas, manteve-se o monopólio do Banco do Brasil sobre as exportações de café e de açúcar, pagas aos produtores em moeda nacional, após conversão cambial favorável ao governo. O "confisco cambial" revertia-se em favor das importações de trigo e petróleo. Com o crescimento dos preços mundiais do café, o governo retomou as discussões com os credores externos, obtendo empréstimos da Alemanha e do Japão. O governo USA manteve o bloqueio econômico, enquanto apoiava as articulações golpistas. A dívida externa do Brasil mantinha-se em três bilhões de dólares, a mesma desde a renúncia de Jânio Quadros, já que João Goulart não recebera qualquer empréstimo, enquanto o governo Kennedy financiava, através da Aliança para o Progresso, governadores e prefeitos conservadores. O Brasil comprometia 15% de seus ingressos cambiais com o pagamento de juros. A radicalização econômica aprofundava-se, embalada pela inflação e dificuldade no pagamento da dívida. No plano social, avançava a mobilização nas cidades, por reajustes salariais, e no mundo rural, sobretudo no Nordeste e no Sul, a luta pela terra aterrorizava os latifundiários. Nas eleições de novembro de 1962, o PTB saltou de 66 para 104 deputados federais. Porém, nas onze eleições para governadores, não houve aliança PTB-PSD, dissociação que expressava radicalização social que rompia a aliança entre o industrialismo dominante, por um lado, e os segmentos proprietários e médios urbanos e rurais e o operariado fabril, dominados, por outro - alianças que garantiram a vitória de Getúlio e Juscelino. Apesar da situação explosiva, Goulart negava-se a impulsionar a mobilização e a organização popular autônoma, temendo a superação da política desenvolvimentista-burguesa pelas classes trabalhadoras e a defecção de forças burguesas, já na oposição. Não havia força política popular expressiva que propusesse a organização e saída independentes para os trabalhadores. Todas as organizações parlamentares, estudantis, operárias e populares de esquerda – Comando Geral de Greve, Comando Geral dos Trabalhadores, Frente Parlamentarista Nacional, UNE, PCB, PCdoB etc. – apoiavam as "reformas de base", sob a hegemonia da "burguesia nacional". À esquerda deste espectro político encontravam-se a Ação Popular, a pequena Política Operária e minúsculos grupos trotskistas, sem capacidade real de intervenção social. A posse de Lyndon Johnson, após o assassinato de Kennedy, em fins de 1963, levou ao abandono da vacilante política dos democratas de dissuasão de golpes de Estados na América, facilitando a implementação do golpismo, em organização no Brasil, com apoio direto da embaixada yankee. Em 1º de abril de 1964, a alta oficialidade das forças armadas assaltou o poder, que o governo de João Goulart pretendera defender com as forças nacionalistas de um Exército que foi o grande vetor de sua queda e da conformação da nova ordem que regeria o país por vinte anos e determinaria, até hoje, sua realidade, em detrimento dos trabalhadores. O golpe foi apoiado pela grande burguesia industrial, pelo latifúndio, pelo imperialismo, pela Igreja, por grande parte dos segmentos sociais médios. Leia também: Mário Maestri é historiador e professor do curso e do programa de pós-graduação em História da UPF. E-mail: maestri(0)via-rs.net |
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