Autor(es): Jude Webber | Financial Times | |||
Valor Econômico - 20/07/2011 | |||
Dez anos depois: País, visto como possivel exemplo para a Grécia, recuperou-se, mas perdeu importância "O senso comum falhou", disse recentemente em entrevista a um canal de TV Mercedes Marcó del Pont, presidente do Banco Central argentino, referindo-se à receita do tipo "dívida mais austeridade" apresentada para a Grécia. "Vamos parar um pouco e analisar o que aconteceu com a economia numa escala global. Vamos aprender com o que aconteceu em muitos países em desenvolvimento, como a Argentina, que fizeram coisas que iam absolutamente contra o senso comum e que acabaram dando muito certo para nós." Paul Krugman, o economista vencedor do prêmio Nobel, recentemente fez a mesma observação. Fazer a "coisa certa" deu muito errado para a Argentina no fim da década de 1990; e, embora o default tenha desencadeado uma recessão selvagem, ele logo abriu caminho para uma recuperação acelerada e prolongada. "Certamente o exemplo da Argentina sugere que o calote é uma grande ideia", afirmou ele numa postagem no blog do "The New York Times". Certamente, antes da Argentina dar calote em uma dívida soberana de US$ 100 bilhões, em 2001, a ideia parecia totalmente impensável. O país era então, na região, um exemplo de política econômica liberal. Mas, mesmo depois de um pacote de ajuda internacional atrás do outro, a carga da dívida só cresceu. Ao mesmo tempo, os protestos da sociedade civil aumentaram, com o sistema de câmbio fixo do país levando à deflação em uma economia cada vez menos competitiva. (Para aqueles que acompanham os acontecimentos na Grécia, isso pode soar muito familiar - pelo menos à primeira vista.) Hoje, a Argentina mostra que um país pode dar as costas para o consenso internacional, dando calote e quebrando uma âncora cambial "inquebrável", e ainda assim viver para contar a história. Mesmo assim, o resultado final não é tão interessante ou evidente como alguns sugerem. A recuperação tem sido impressionante - a economia cresceu 65% de 2002 até o estouro da crise financeira mundial em 2008; a previsão de crescimento para 2011 foi elevada para 8,2%. Mas o governo ainda não conseguiu limpar a mancha provocada pelo default na reputação da Argentina, nem convencer o mundo de que seu populismo heterodoxo é uma receita sustentável para se administrar um país. "O modelo", conforme a presidente Cristina Kirchner chama as políticas monetária e fiscal, vem funcionando há mais tempo e muito melhor do que muitos julgavam possível. Como o país continua alijado dos mercados de capitais internacionais, ele carrega superávits gêmeos (comercial e fiscal). Manter a taxa de câmbio competitiva é vital para essa estratégia, uma vez que ajuda a gerar um superávit no balanço de pagamentos ao mesmo tempo em que estimula exportadores. Essa opção não está aberta aos planejadores econômicos gregos enquanto sua moeda estiver na zona do euro. Outra característica importante foi o rígido compromisso com a disciplina fiscal adotado por Néstor Kirchner, o antecessor e marido de Cristina, que presidiu o país de 2003 a 2007, mantendo um olhar atento sobre a arrecadação fiscal. Mas desde 2007 essa disciplina foi relaxada e a inflação aumentou, enquanto o governo passou a recorrer à impressão de moeda para cumprir com algumas de suas necessidades financeiras. Estimativas do setor privado sugerem que a Argentina caminha para uma inflação de 25% ou mais este ano, o quinto ano seguido com a taxa nos dois dígitos. De sua parte, o governo diz que a inflação está em 9,7%. Outras luzes de alerta estão piscando. Os gastos públicos estão superando a arrecadação fiscal. Pesados subsídios ao transporte e energia parecem cada vez mais insustentáveis. As eleições de outubro, nas quais Cristina Kirchner caminha para conseguir outro mandato, significam que o fim dessa generosidade não está próximo. Tudo isso debilita a imagem da Argentina no momento em que o governo acredita que o país - orgulhoso por ter entrado para o G-20, o grupo das 20 maiores economias do mundo - tem grandes e valiosas lições a oferecer. Para Cristina Kirchner, que vem dirigindo o país sozinha desde a morte súbita de seu marido em outubro, a injustiça disso é palpável. Em sua maneira de ver, o Fundo Monetário Internacional (FMI), que moldou a política nos anos anteriores ao default, entendeu mal a Argentina, prescrevendo políticas neoliberais nocivas. Mais recentemente, acredita ela, as agências de avaliação de risco entenderam errado a crise financeira. E mesmo assim o mundo ainda reluta em reconhecer a recuperação da Argentina ou a levar o país a sério. Um dos motivos disso é que, apesar de os números mostrarem um crescimento estelar, o quadro é instável. Para começar, o boom econômico do país deve muito a fatores globais. A Argentina é um dos maiores produtores de commodities do mundo, e a agricultura responde por 35% das exportações. Além disso, não só a China vem clamando pelos recursos naturais argentinos, como a classe média do vizinho Brasil - seu principal parceiro comercial - está avidamente comprando carros, seu principal produto manufaturado exportado. "Os termos comerciais estão agora em um nível histórico de alta. Este é o melhor mundo possível para a Argentina", afirma Lucia Castro do Cippec, um centro de estudos de Buenos Aires. "Mas desconsidere os setores que utilizam muito os recursos naturais e verá que o resto da economia está mal e a informalidade extremamente elevada." A taxa de desemprego, que ficou em 7,4% no primeiro trimestre, está baixa, mas os investimentos são pequenos - 19,4% do PIB. Ao mesmo tempo, a produtividade "se não está ruim, está meio fraca", afirma Castro. Enquanto isso, após anos de poucos investimentos, o outrora admirado sistema de ensino do país é hoje uma sombra do que já foi. Segundo críticos, o mesmo pode ser dito do departamento federal de estatísticas, que passou a ser muito mais influenciado pelo governo, levando muitos a acreditar que os números referentes a inflação, pobreza e crescimento vêm sendo apresentados de uma maneira muito otimista. A relação de dívida externa sobre o PIB da Argentina está em invejáveis 35%, mas Claudio Loser, o mais graduado funcionário do FMI para a América Latina na época do default, calcula que o país ainda deve até US$ 16 bilhões a detentores de bônus em default, quando se inclui os juros. Isso apesar de dois swaps duros de bônus que reestruturaram 92,4% da dívida em default. A Argentina também deve US$ 7 bilhões a governos ocidentais; e, embora amplamente vista como disposta a pagar, no geral ela não é percebida como disposta a fazer isso logo, a não ser que seja sob suas próprias condições. Não há nenhum default no horizonte, mas turbulências podem vir por aí. Mark Weisbrot, do Center for Economic Policy, de Washington, que vê mais mérito nas estratégias do governo do que muitos analistas, admite que "nenhum modelo econômico funciona para sempre. O maior problema que a Argentina enfrenta é que a inflação está mais alta que a de seus parceiros comerciais, de modo que a moeda começa a se valorizar em termos reais. Mas a Argentina não está à beira de um precipício". Não obstante, a prova de que ela não pode atribuir tudo a uma economia aquecida é que - além dos chineses, que firmaram três acordos de energia de muitos bilhões de dólares no ano passado - os investidores não estão fazendo fila para investir na Argentina. Inflação, greves, uma crise energética e uma política econômica imprevisível de um governo intervencionista, que nacionalizou os fundos de pensão privados em 2008, podem tornar os negócios difíceis, para dizer o mínimo. Enquanto isso, a fuga de capital atingiu estimados US$ 60 bilhões ou mais nos últimos quatro anos e está se acelerando, superando em muito os US$ 26 bilhões que a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, um organismo da Organização das Nações Unidas (ONU), calcula que entraram no país na forma de investimentos estrangeiros diretos desde 2007. Além disso, o governo caiu em contradição em uma importante profissão de fé - o combate à pobreza. Um plano em benefício a crianças se mostrou muito popular, mas a inflação já corroeu estimados 30% de seu valor real. Um novo estudo também constatou que 50% da população está na linha de pobreza ou corre o risco de cair nela, embora os dados oficiais mostrem uma taxa de pobreza de pouco menos de 10%. Roberto Lavagna, que como ministro da Economia de 2002 a 2005 ajudou a elaborar a recuperação da Argentina, chama isso de "uma contradição insuperável para um governo que tem um discurso progressista e populista". Enquanto isso, as instituições estão sendo corroídas e a interferência do Estado aumenta. Bancas de jornais foram temporariamente fechadas por venderem o "Clarín", o diário de maior circulação do país e crítico ferrenho do governo. Este, por sua vez, andou multando consultorias privadas por causa de dados sobre a inflação que considerou errados e até mesmo iniciou procedimentos criminais contra uma delas. Não importa que analistas afirmem que a taxa oficial da inflação venha permitindo ao governo grandes economias nos pagamentos de seus bônus atrelados à inflação. Portanto, onde está a Argentina no momento? Apesar da recuperação excepcional após o default, Loser diz que seu país está "ficando irrelevante". Um dos países mais ricos do mundo um século atrás, a Argentina ainda tem a maior renda per capital da região em termos de paridade do poder de compra. Mas sua importância relativa "caiu muito", sua economia tem apenas um sexto do tamanho da economia brasileira e um terço da mexicana. "Se a Argentina não tomar cuidado, será superada em breve pela Colômbia, que vem crescendo bem e de uma maneira muito mais racional", diz ele. O resultado é que a Argentina parece isolada, uma coadjuvante no G-20. O engajamento internacional do país parece limitado a conseguir apoio para negociações com o Reino Unido sobre o controle das ilhas Falklands (Malvinas, para os argentinos). Falar sobre o esfriamento da economia é tabu, mas analistas afirmam que o governo precisa começar a administrar a inflação e estabilizar o câmbio real, o que torna provável uma certa desvalorização após as eleições. O peso já perdeu quase 8% de seu valor diante do dólar nos últimos 18 meses. "O governo tem uma política fiscal e uma política monetária pró-inflacionárias, inconsistentes com a política cambial", diz Martín Redrado, que deixou a presidência do Banco Central no ano passado em meio a uma disputa sobre o uso das reservas para pagar dívidas. "Cedo ou tarde elas irão colidir." Isso não significa um estouro ao velho estilo. "A Argentina não vai explodir como aconteceu antes", acrescenta Redrado. "Mas ela ruma para uma tempestade." O governo se orgulha do fato de que os catastrofistas já erraram antes - e por enquanto a soja vem "salvando a pátria". A fuga de capital deu uma acelerada, mas perto de US$ 100 bilhões em receitas agrícolas entraram no país nos últimos quatro anos e, a menos que os preços das commodities ou as condições do clima piorem, a Argentina poderá continuar bem. Mesmo assim, ela corre o risco de continuar sendo um modelo do que não se deve fazer, em vez de um modelo promissor do que se deve fazer. "Dentro de 20 anos a história vai nos perguntar: "O que vocês fizeram com a mina de ouro das commodities?" Houve um aumento do consumo, das companhias abertas, dos salários ou dos investimentos em infraestrutura, saúde, educação e poupança para tempos nebulosos?", diz Castro. "Não estamos fazendo o dever de casa para nos tornarmos um país desenvolvido." Política energética é calcanhar de Aquiles do modelo
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quinta-feira, 21 de julho de 2011
Calote não foi fim do mundo, mas futuro é incerto na Argentina
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