terça-feira, 26 de julho de 2011

Uruguai teme a invasão de brasileiros

Economia uruguaia cresce, mas país teme "Brasildependência"
Autor(es): Daniel Rittner | De Montevidéu
Valor Econômico - 25/07/2011

O Uruguai deve crescer 6% este ano e completar em 2012 uma década de expansão econômica ininterrupta. O que muitos empresários e autoridades locais discutem agora é a "Brasil dependência", a participação crescente de brasileiros em setores estratégicos. Os frigoríficos do Brasil já dominam 36% do abate total de gado bovino, a gaúcha Camil beneficia metade da safra local de arroz e a Ambev é dona das três principais marcas uruguaias de cerveja. A Petrobras tem 21% da revenda de combustíveis e controla a distribuição de gás canalizado em Montevidéu

Relações externas: Mercado brasileiro já representa 21,5% do total das exportações feitas pelo Uruguai

Sob influência brasileira cada vez maior, o Uruguai se aproxima de uma marca impensável há quase dez anos, quando vivia o auge de sua crise bancária e lutava para convencer seus credores a reestruturar a dívida pública.O governo prevê expansão de 6% em 2011 e todos os analistas trabalham com a perspectiva de nova alta do PIB em 2012, levando o país a completar uma década ininterrupta de crescimento da economia, sem dar nenhum calote e com a atração de investimentos que permitiram até mesmo driblar os efeitos da quebra do Lehman Brothers sobre a região.
O que muitos empresários e autoridades locais discutem agora é se a presença do grande vizinho setentrional em setores considerados estratégicos está criando um processo novo: o de "Brasildependência".
Os frigoríficos brasileiros já dominam 36% do abate total de gado bovino, a gaúcha Camil beneficia metade da safra local de arroz e a Ambev é dona das três principais marcas uruguaias de cerveja. A Petrobras tem 21% do mercado de revenda de combustíveis, iniciou trabalhos de exploração de petróleo na plataforma continental e controla a distribuição de gás canalizado em Montevidéu.
Além disso, novos investidores estão chegando: o Banco do Brasil pediu autorização para operar comercialmente no país, o grupo Fasano abriu no verão passado um complexo hoteleiro de alto luxo em Punta del Este e o laboratório Eurofarma adquiriu recentemente o controle da indústria farmacêutica Gartier.
O avanço das empresas brasileiras motivou um alerta do presidente José Mujica, durante reunião de cúpula do Mercosul, no mês passado. Em seguida ao pronunciamento oficial da colega Dilma Rousseff, Mujica advertiu que "devemos lutar para que a burguesia paulista assuma a responsabilidade de gerar empresas aliadas, e não colonizadas, em toda a América do Sul".
O crescimento da presença brasileira pode ser visto em diversos indicadores. Entre 2005 e 2010, a participação do Brasil como destino das exportações uruguaias subiu oito pontos percentuais, de 13,6% para 21,5% das vendas totais. No mesmo período, o número de turistas brasileiros aumentou 92%. Seis anos atrás, havia quase seis visitantes argentinos para cada brasileiro. No ano passado, a proporção foi de pouco mais de três por um.
A invasão tupiniquim em Punta del Este, principalmente no início do verão, é tão grande que já motivou piadas dos uruguaios sobre o estranho hábito dos "novos ricos" falando alto em português e bebendo champanhe Veuve Clicquot em taças de acrílico, enquanto torram seus corpos nas areias brancas do balneário.
"É preciso ter muito cuidado para não ferir suscetibilidades", afirma um funcionário do Itamaraty com experiência em lidar com o governo e empresários locais. Isso se reflete em sutilezas. O principal executivo de uma multinacional brasileira em Montevidéu, cujo orçamento global para novos investimentos em apenas um ano é superior a todo o PIB do Uruguai, tomou a precaução de nunca mencionar tais números em público, exatamente para evitar comparações.
"Antes, sabíamos o nome e o sobrenome do ministro da Economia da Argentina, mas não tínhamos ideia de quem era o ministro da Fazenda do Brasil. Isso mudou", observa Álvaro Queijo, sócio e diretor-geral da Cristalpet. Instalada na capital uruguaia, a empresa tem a maior unidade produtiva da América Latina de pré-formas PET, que servem de base para garrafas de refrigerantes e outras bebidas.
Queijo dá o exemplo da própria companhia para dizer que "hoje, na área industrial, o Uruguai é Brasildependente". A Cristalpet fatura US$ 140 milhões por ano e fabrica 150 milhões por mês de pré-formas. Cerca de 80% da produção é exportada, tendo o Brasil como maior cliente, com seis em cada dez unidades fabricadas. O salto ocorreu em 2002, quando começou a exportar para a subsidiária brasileira da Coca-Cola, que já era sua cliente no Uruguai. Ela fornece atualmente 50% dos moldes de PET usados nas engarrafadoras da Coca-Cola no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Paradoxalmente, o aumento da participação brasileira em vários setores da economia coincide com a diversificação de investimentos em outros ramos da indústria. O caso mais simbólico é o da celulose, com a chegada da finlandesa UPM (ex- Botnia), em 2007. Sua instalação às margens do rio Uruguai provocou um conflito diplomático com a Argentina e o bloqueio por três anos de uma ponte fronteiriça, mas a empresa investiu US$ 1,2 bilhão e ajudou a blindar o país no pior momento da recessão global. Hoje, ocupa o terceiro lugar na lista de exportadores.
Em maio, o consórcio Montes del Plata - formado pela sueco-finlandesa Stora Enso e pela chilena Arauco - deu início à construção de nova unidade para produzir 1,3 milhão de toneladas por ano de celulose. O investimento, de R$ 1,9 bilhão, será o maior já realizado no Uruguai. Um megaprojeto indiano para a exploração de minério de ferro aguarda o sinal verde do governo, embora enfrente resistência da população.
As companhias brasileiras se alimentaram da onda de prosperidade que elas mesmas ajudaram a criar no país. O Itaú comprou as operações locais do BankBoston em 2006 e é atualmente o terceiro maior banco no Uruguai, com 118 mil clientes e 17 agências. O Banco do Brasil acaba de fazer um aporte de US$ 7 milhões na subsidiária uruguaia do Patagônia, que já controla na Argentina, para transformá-lo de instituição financeira para estrangeiros em banco comercial. A autorização foi pedida às autoridades monetárias dos dois países e o Banco do Brasil espera obtê-la até o fim de 2011.
O Minerva, um dos maiores processadores de carnes do Brasil, pagou US$ 65 milhões em janeiro pelo controle do frigorífico Pul. No ano passado, o Pul representou 6,6% das 2,2 milhões de cabeças de gado abatidas no Uruguai. Marfrig e JBS já tinham 29,4% do total. Só a Marfrig comprou quatro frigoríficos no país - Cledinor, Tacuarembó, Colônia e Inaler. A Bertin havia assumido o Canelones em 2006, antes de ser incorporada pela JBS.
Para algumas empresas brasileiras, expandir negócios no Uruguai faz pouca diferença no balanço global, mas é algo visto como importante para conquistar espaço em mercados próximos - além de ser quase um apêndice da política externa do governo. "É fundamental, para a Petrobras, estar consolidada em países que têm democracia madura e estabilidade política", diz Irani Varella, presidente da estatal no Uruguai. "Além disso, a nossa presença não deixa de ser um instrumento de integração entre os dois países."
Desde 2006, quando comprou a rede da Shell, a Petrobras mantém em 89 o número de postos de serviços no Uruguai. A rede não aumentou porque depende de licitações públicas, que não foram mais abertas. Apesar disso, e dos preços controlados pelo governo, tem crescido organicamente. "O mercado de combustíveis sobe numa média de 6% ao ano, nos últimos três anos", diz Varella, informando que só nos seis primeiros meses de 2011 a Petrobras conseguiu avanço de 0,5 ponto percentual em participação no mercado uruguaio.
Para outras empresas, como o laboratório Eurofarma e a seguradora Porto Seguro, a chegada ao Uruguai desempenhou papel relevante no processo de internacionalização. "O nosso objetivo até 2014 é estar presente em quase toda a América Latina", diz Júlio César Gagliardi, vice-presidente comercial e de operações da Eurofarma, que comprou a uruguaia Gautier em 2010, sua segunda aquisição no exterior. A Gautier tem cerca de 4% do mercado local e a Eurofarma aposta em medicamentos que contam com bioequivalência e biodisponibilidade no Brasil para crescer no país vizinho.
Já a Porto Seguro, que está no Uruguai desde 1995, aproveitou dois fatos recentes para se expandir: a explosão nas vendas de veículos - houve um recorde de 43 mil automóveis novos emplacados no ano passado - e uma nova lei, que instituiu o seguro obrigatório. Diferentemente do caso brasileiro, os donos de veículos podem escolher livremente a seguradora para essa apólice, no Uruguai.
No segmento automotivo, a empresa conquistou 20% do mercado. São 100 mil clientes no país, incluindo outros tipos de seguros. "Nossa evolução no Uruguai é altamente satisfatória, levando em conta fatores como o tamanho do mercado, a alta concorrência e o peso que ainda tem o Estado nesse setor", afirma Fernando Viera, diretor da Porto Seguro no Uruguai.

Moeda valorizada e infraestrutura ameaçam expansão

Valor Econômico - 25/07/2011
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/7/25/moeda-valorizada-e-infraestrutura-ameacam-expansao
 

A sobrevalorização da moeda e os gargalos de infraestrutura são apontados como duas das principais ameaças ao crescimento do Uruguai nos próximos anos. Especialistas advertem sobre o possível esgotamento da capacidade do porto de Montevidéu até 2015. Quanto à taxa de câmbio, a preocupação é com a perda de competitividade das exportações, já que o peso uruguaio acumula valorização de quase 40% frente ao dólar, em relação a meados de 2004.
Essa é outra evidência da interconexão crescente com o Brasil. Até 2002, quando o Uruguai abandonou o sistema de bandas cambiais e deixou sua moeda flutuar livremente, o peso uruguaio vinha seguindo os passos do peso argentino. Desde então, a moeda uruguaia tem mantido uma relação cada vez mais direta com as variações do real.
"A partir do governo de Tabaré Vásquez (2005-2010), houve um alinhamento do peso uruguaio com o real e o euro. No governo Mujica (desde março de 2010), o peso ficou, na prática, atado ao real", observa Álvaro Queijo, vice-presidente da União de Exportadores do Uruguai.
Em artigo publicado há três semanas no jornal "El País", intitulado "Brasil domina o nosso dólar", os economistas Horacio Bafico e Gustavo Michelin demonstraram como as projeções recolhidas periodicamente pelos bancos centrais do Brasil e do Uruguai, com analistas do mercado financeiro, indicam movimentos praticamente idênticos das respectivas moedas nacionais entre março de 2010 e junho de 2011.
A valorização do peso é apontada como uma das responsáveis pelo déficit em conta corrente. "O problema maior não é o valor nominal do dólar, mas o aumento dos custos de produção", diz Queijo. A inflação acumulada em 12 meses, até junho, alcançou 8,6%, enquanto trabalhadores negociam reajustes salariais em torno de 10% e o governo reluta em frear o gasto público. "A taxa de câmbio deveria estar em 22 pesos por dólar ou, no mínimo, em 20 pesos", afirma o empresário. Na semana passada, havia chegado a 18,46.
O que também preocupa é a saturação da infraestrutura. A estatal de energia Ancap apresentou ao presidente José Mujica um plano para investir na recuperação e expansão da malha ferroviária, a fim de transportar seus produtos, afirmou ao Valor o presidente da empresa, Raúl Sendic. Na área aeroportuária, o novo terminal de Montevidéu - sob concessão do grupo Aeropuertos Argentina - foi inaugurado no fim de 2009 e é provavelmente um dos mais modernos da América do Sul.
A questão portuária desperta temores no setor privado. Em junho, a movimentação de contêineres no porto de Montevidéu bateu recorde histórico, alcançando 80.040 teus (contêineres de 20 pés). O crescimento no primeiro semestre foi de 45% em relação a igual período do ano passado. "Vemos uma saturação da estrutura atual até 2015", comenta Roberto Mérola, diretor da Schandy, holding que controla a Montecon, maior operadora portuária de Montevidéu, com cerca de 200 mil teus anuais.
Um dos grandes gargalos, segundo Mérola, é a existência de apenas um cais com calado superior a 34 pés. A última licitação para expandir o porto, realizada em 2010, terminou sem a apresentação de propostas.
Apesar disso, Mérola demonstra otimismo com o futuro da economia uruguaia. "Há um fator conjuntural, que não sabemos como se comportará, que é o preço das commodities. Mas essas oportunidades se podem aproveitar bem ou mal, e o Uruguai está aproveitando bem."

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