Autor(es): Gustavo H. B. Franco |
Valor Econômico - 27/07/2011 |
Números são ruins mas não atraem muita atenção face ao resto do mundo Os números fiscais brasileiros são muito parecidos com os dos Piigs em pelo menos um aspecto importante: as "necessidades de financiamento do setor público" (NFSP), o conceito mais amplo de déficit público, sem nenhum ajuste ou dedução, estão na faixa de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), como pode ser visto na tabela. As NFSP correspondem à soma do déficit nominal (primário mais juros) com as amortizações devidas no exercício fiscal. Os países desenvolvidos, na média, tinham, antes da crise, dívidas brutas um pouco acima de 70% do PIB e prazo médio perto de oito anos, e com isso, se tivessem déficits nominais na faixa de 2%, tinham NFSP na faixa de 10% do PIB ou menos. Depois da crise, as dívidas crescem para algo como 105% do PIB em média e os déficits aumentam de modo que passamos a observar muitos casos de países com NFSP na faixa de 15% do PIB ou mais. O panorama fiscal no mundo desenvolvido conheceu uma piora muito séria, cujas consequências de médio e longo prazo desafiam prognósticos, e aqui se omite deliberadamente o Japão para não desviar a atenção do leitor. O Brasil é um caso singular de país emergente com retrospecto ruim em matéria de dívida mas consegue manter uma dívida bruta acima de 60% do PIB em contraste com a maior parte dos países emergentes, cuja média tem permanecido na faixa de 35%. Com prazos médios na faixa de 3 anos, o Brasil faz rolagens anuais envolvendo algo como 20% do PIB a cada ano. Somando-se a isso um déficit nominal na faixa de 3% tínhamos em 2007 as NFSP na faixa de 23%. Com um tanto mais de alongamento de prazo e a manutenção do superávit primário (ainda que com alguns truques), conseguimos chegar a 19,3% para 2011, segundo a projeção do FMI, possivelmente a primeira vez que estaremos abaixo de 20% nos últimos anos. É um número muito ruim, mas que não atrai muita atenção face ao que se passa no resto do mundo. A experiência dos Piigs, que refinanciam suas dívidas em mercados internacionalizados de bônus, enfrentando investidores exigentes, mostra que os países quebram quando se rompe a confiança no processo de rolagem, o que normalmente tem a ver sobretudo com o déficit fiscal do exercício corrente e também com os juros (prêmios de risco) pagos. Os investidores aceitam emprestar para países endividados mas que geram caixa, e começam a exigir mais juro apenas quando sua confiança nos números correntes se vê enfraquecida. E como os juros maiores pioram os números correntes, não é difícil criar o círculo vicioso onde estão alguns dos Piigs. No Brasil a rolagem da dívida pública não representa problema graças ao fato de que praticamente toda a dívida é doméstica (as reservas no BC são maiores que a dívida externa pública) e ao fato de que a rolagem há anos tem lugar num ambiente semicativo onde o principal comprador é a indústria de fundos, que carrega algo como 1 trilhão em títulos públicos e operações compromissadas em fundos com liquidez diária. Por precário que pareça ao observador estrangeiro, o sistema é robusto, aguentou turbulências no passado, e não vamos ter problemas com rolagens ao menos enquanto os nossos juros continuarem sendo os maiores do mundo. Mas e o custo dessa segurança? O que aconteceria se a taxa Selic caísse muito significativamente, para um nível "normal", como se espera que vá ocorrer no futuro? Teríamos, inevitavelmente, uma migração de recursos para outros ativos, as rolagens ficariam mais difíceis e o Tesouro teria problemas de caixa, especialmente se tiver que amortizar parcelas significativas da dívida que vence. A situação fiscal teria que estar muito melhor para que se pudesse reduzir os juros de forma relevante sem criar problemas sérios com a dívida pública. É fácil concluir que não se pode reduzir a taxa de juros abaixo de certo limite, provavelmente na faixa de uns 8% ou 9%, sem prejudicar o mercado semicativo no âmbito do qual temos conseguido manter em circulação durante anos a fio uma dívida relativamente grande e portanto, uma política fiscal mais frouxa que o ideal. Esta é uma forma elegante de explicar a razão pela qual o Brasil é o campeão mundial de juros: é o preço que pagamos para manter nas mãos de brasileiros que aprenderam a desconfiar do governo um volume de títulos que eles talvez não quisessem manter a juros considerados normais e a prazos que não fossem diários. É o preço que pagamos pela desordem na política fiscal que, felizmente, não é tão grande para trazer de volta a hiperinflação, mas não é pequena o suficiente para que tenhamos juros normais. Em vez de tributar o pobre com a inflação, migramos para um modelo menos selvagem onde continuamos a empurrar a conta para um ausente, as futuras gerações. [acrescente-se que esse "mercado semicativo da indústria de fundos" é o próprio governo, ou gerido por ele, repartido entre seus sócios, a verdadeira nacionalidade.] Este artigo resume um trabalho maior, que pode ser encontrado em www.riobravo.com.br/gustavofranco/Juros-CLP_Casa_do_Saber-GFranco_final.pdf |
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Por que o Brasil é campeão mundial de juros altos
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