Autor(es): Max Milliano Melo |
Correio Braziliense - 27/07/2011 |
Administrador da Usaid defende mais investimentos em estudos voltados para a solução dos principais problemas da humanidade e menciona a saúde, a educação e a segurança alimentar como áreas a serem priorizadas A ciência pode ajudar mais. É o que defende, no editorial de sua mais recente edição, a prestigiada revista científica Science. A publicação argumenta que, com mais investimentos em pesquisas, antigos e recentes problemas que assolam a população mundial, como epidemias e mudanças climáticas, podem ser resolvidos. No Brasil, embora existam iniciativas de sucesso, áreas como educação e saúde ainda precisam se conectar mais com o que é produzido por pesquisadores, afirmam os especialistas. O editorial — assinado por Rajiv Shah, administrador da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), órgão norte-americano responsável pela assistência econômica e social para países em desenvolvimento — afirma que a ciência deve ganhar mais importância na elaboração de políticas públicas. "Ciência e a tecnologia têm o potencial de conduzir soluções para os problemas mais difíceis do mundo em desenvolvimento", afirma ao Correio Shah, para quem as alianças globais devem ser construídas a fim de tentar resolver os desafios mais graves e urgentes (leia entrevista abaixo). Na opinião de Shah, os problemas de saúde deveriam ser um dos focos dos investimentos em ciência. "Na saúde global, há uma necessidade real de inovações em tecnologia que protejam a vida das mães grávidas e dos recém-nascidos durante o parto", aponta o diretor da Usaid, que cita como exemplos de iniciativas bem-sucedidas a erradicação da varíola, que teve o último registro em 1977, e as vacinações em massa contra a poliomielite, que restringiram os cerca de 400 mil casos anuais no início do século passado a apenas mil notificações atualmente. Para o norte-americano, velhos e novos problemas precisam ser mais bem estudados pela ciência, e é dever dos governos estimular pesquisas nessas áreas. "Na educação, temos de desenvolver plataformas que podem ensinar as crianças a ler, mesmo aquelas que nunca tiveram uma chance de entrar em uma sala de aula", continua Shah. "Em energia, nós precisamos encontrar fontes limpas para ajudar a trazer eletricidade, especialmente para regiões pobres rurais", completa. Retorno à sociedade Segundo o pesquisador membro da Academia Brasileira de Ciência (ABC) Isaac Roitman, para que a produção científica tenha um papel mais importante no Brasil, é preciso maior interação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com outros órgãos públicos. "A falta de integração compromete a eficiência da ciência como ferramenta para beneficiar a sociedade brasileira", afirma. "É preciso valorizar a produção científica — livros, publicações de artigos científicos e patentes. No entanto, os benefícios para a sociedade são igualmente importantes", opina. Roitman aponta algumas iniciativas em que a ciência já se mostra uma importante arma na solução dos desafios brasileiros. "Uma delas é o papel da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) no aumento da produtividade agrícola brasileira. Na área tecnológica, outros dois exemplos que podem ser citados são a indústria aeronáutica e a avançada tecnologia de Petrobras", enumera o pesquisador. "No entanto, certos desafios, por exemplo na área de educação e de saúde, podem ter cenários mais positivos com a utilização da ciência em sua plenitude", defende. Exemplo britânico Embora ainda esteja engatinhando no Brasil, a aplicação de soluções científicas na resolução dos problemas já é realidade em outras regiões. No Reino Unido, por exemplo, todos os ministérios possuem um conselho científico responsável por estudar formas de aplicar os recentes avanços da ciência nas áreas de competência de cada pasta. Além disso, o primeiro-ministro britânico reúne-se regularmente, a cada seis ou sete semanas, com esses conselhos, para garantir que a produção nos laboratórios seja aplicada nas políticas nacionais. |
O saber a favor do desenvolvimento
Correio Braziliense - 27/07/2011 |
entrevista - Rajiv Shah De que forma a ciência pode ajudar a resolver os grandes problemas mundiais? Historicamente, alguns dos avanços mais significativos têm a ver com a ampliação do alcance dos benefícios da ciência e da tecnologia para aqueles que não tinham acesso. Por exemplo, na década de 1970, houve uma explosão populacional no sul da Ásia. Era esperado que ela fosse acompanhada por uma verdadeira tragédia na região, provocada pela fome em massa e pobreza duradoura. Mas a descoberta de sementes de trigo de alto rendimento viáveis nesses países ajudou os moradores, especialmente os das zonas rurais, a inaugurarem a revolução verde, aumentando dramaticamente a produção de alimentos e salvando centenas de milhões de vidas. Os esforços para a erradicação da varíola, que protegeu as crianças ao redor do mundo, e os atuais esforços contra a malária são exemplos de como as descobertas científicas e tecnológicas têm ajudado a transformar desafios aparentemente insuperáveis em problemas solucionáveis. A ciência foi uma grande aliada do desenvolvimento dos países. O senhor acredita que essa conexão entre conhecimento e superação dos problemas sociais foi se perdendo ao longo dos anos? Essa conexão foi um pouco perdida no Usaid. Não estávamos tão focados na capacidade da ciência e da tecnologia em permitir avanços no desenvolvimento. Hoje, estamos revertendo essa tendência com novas abordagens, como o estímulo a inovações revolucionárias, a contratação de cientistas colaboradores e o financiamento direto de mais pesquisas. Um bom exemplo dos resultados desse tipo de política veio em dezembro passado, quando um estudo financiado pela Usaid em um laboratório sul-africano de pesquisa em Aids deu às mulheres em todo o mundo uma nova maneira de reduzir a transmissão do HIV: um gel microbicida. Embora ainda em desenvolvimento, as mulheres um dia serão capazes de usar esse gel para se protegerem contra a Aids. O que seria necessário para popularizar os avanços da ciência? Não basta simplesmente desenvolver uma solução que pode salvar vidas. Você tem que entregá-la em larga escala. Quando o mercado não consegue criar soluções sustentáveis em larga escala, muitas vezes é preciso uma ação global e vontade política. A Aliança Global para Vacinas e Imunizações (Gavi, na sigla em inglês) é um dos melhores exemplos de esforços conjuntos da comunidade internacional para garantir o acesso dos avanços da ciência a quem mais precisa. Em junho, a Gavi uniu doadores privados e públicos, que juntos prometeram mais de US$ 4 bilhões para expandir o alcance da vacinação contra pneumonia e diarreia e ajudar a salvar a vida de 4 milhões de crianças. A produção científica ainda é concentrada no pequeno grupo de países ricos. Não seria necessário promover o desenvolvimento científico também nos países pobres? É claro. Estamos empenhados em ajudar as nações em desenvolvimento a construir sua própria capacidade científica e tecnológica e desenvolver uma cultura de inovação e empreendedorismo. Para promover, a longo prazo, a colaboração científica. Recentemente, introduzimos um programa que une cientistas dos Estados Unidos financiados pela Fundação Nacional de Ciência com seus homólogos dos países em desenvolvimento, para os quais também fornecemos subsídios. Por meio do presidente Barack Obama, botamos em prática a iniciativa Future, pela qual estamos construindo a próxima geração de líderes em instituições da segurança alimentar e agricultura. Em parceria com a Fundação Bill e Melinda Gates, vamos oferecer formação técnica para 350 mulheres cientistas nos países parceiros e apoiar o crescimento de mais de 65 instituições de pesquisa e universidades africanas, para que possamos construir a capacidade científica e agrícola. Mesmo antes da crise econômica mundial, os recursos financeiros para a ciência e tecnologia já vinham sendo reduzidos. O Brasil vive atualmente um situação semelhante. Mesmo em momentos de austeridade fiscal é necessário manter o investimento em pesquisa? Nos Estados Unidos, estamos enfrentando uma pressão orçamentária extremamente difícil. Mas o investimento em pesquisa vem com o reconhecimento de que ciência, tecnologia e inovação podem nos ajudar a oferecer resultados mais rápidos e com custo muito mais baixo. Por exemplo, o diagnóstico mais comum da tuberculose é de quase 100 anos atrás e frequentemente leva a falsos positivos, gerando tratamentos que causam resistência aos antibióticos. O teste não só torna a tuberculose mais dispendiosa como também põe em risco a nossa capacidade de tratar a doença. Gastando dinheiro no desenvolvimento de um diagnóstico rápido e preciso, a partir de um novo gene, nós podemos tratar as pessoas de maneira mais eficiente, com custos iguais ou até inferiores. |
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