quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sem Doha, acordo com EUA volta a ser cogitado

Autor(es): Assis Moreira | De Genebra
Valor Econômico - 27/07/2011
 

O Brasil poderá abrir mais litígios comerciais para combater barreiras contra suas exportações e examinar alternativas de acordos bilaterais, inclusive com os Estados Unidos, diante de novo impasse que pode significar o enterro definitivo da Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Os 153 países-membros se declararam ontem incapazes de se entender agora até sobre um minipacote de liberalização beneficiando as nações mais pobres do planeta, que seria anunciado na reunião ministerial de dezembro da OMC. "Tiraram a tomada de vez, hoje", disse um negociador.
Com isso, a possibilidade de a Rodada Doha ser declarada oficialmente morta no fim do ano aumentou bastante. O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, reconheceu a "paralisia na função negociadora na OMC, tanto em acesso ao mercado como em regras", provocada pela enorme divergência entre os principais países. Deixou claro que, diante da incapacidade da OMC para se adaptar e ajustar as prioridades emergentes do comércio global, os países é que devem dizer o que fazer com a Rodada Doha e a própria entidade.
No começo do ano, quando ficou constatado que a negociação global, que durava mais de dez anos, não avançaria tão cedo, os países passaram a negociar um minipacote para apresentar em dezembro, com o objetivo de dar um fôlego e credibilidade ao sistema multilateral.
Os Estados Unidos avisaram, porém, que não aceitariam pacote somente para os países mais pobres e queriam um miniacordo ampliado, incluindo facilitação de comércio e outras áreas. Quando o Brasil e outros exportadores colocaram temas agrícolas na mesa, como fim dos subsídios nos créditos à exportação, foi a vez de os europeus rejeitarem a iniciativa.
"O Brasil gostaria que a Rodada Doha fosse concluída tão logo possível, mas a verdade é que as circunstâncias atuais inviabilizam isso", afirmou o embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo. "Temos que atuar agora, tendo presente que não haverá no curto prazo nenhuma alteração significativa no âmbito multilateral."
O embaixador americano na OMC, Michael Punke, procurou enterrar ainda mais o que restava de Doha, com o discurso de que um miniacordo só seria possivel se "todos os principais parceiros" - o que quer dizer também China, Brasil e Índia - estivessem prontos a fazer "importantes contribuições".
Os EUA querem que emergentes como a China e o Brasil aceitem acordos de facilitação de comércio, de bens ambientais, corte de subsídios a pesca e outros, mas sem pagar nada em troca. O sentimento geral é que Washington, de fato, não quer nem falar de Rodada Doha pelos próximos anos, o que significa só voltar a mesa depois, com outra agenda ampliada.
Indagado sobre possíveis reações do lado brasileiro, Azevedo não descartou uma revisão das áreas de potenciais litígios, sobretudo para quebrar barreiras na exportação de carnes para a Europa e de outros produtos para os Estados Unidos.
Também fica aberto o terreno para o governo testar, com o setor privado, as iniciativas bilaterais possíveis e que sejam do interesse da economia brasileira. Nas circunstâncias atuais, de câmbio excessivamente valorizado, o apetite por acordos comerciais diminuiu enormemente por parte da indústria brasileira. Assim, será preciso identificar com o setor privado onde existem espaços de competitividade. E, sobretudo, será necessário criar esses bolsões de competitividade, melhorando as condições internas que hoje atravancam o comércio exterior.
Não será surpresa uma retomada de antiga ideia de negociação do Mercosul com os Estados Unidos para um acordo ampliando o acesso ao mercado. No passado, essa ideia de "4+1" não foi possível pela recusa de Washington. Mas há setores no governo que consideram agora o cenário diferente, e que o apetite tenha mudado dos dois lados. Alegam que o problema dos EUA na Rodada Doha é mais com a China do que com outros emergentes.
Lamy quer ainda colocar pressão sobre os EUA para tentar arrancar algum compromisso que ajude os países mais pobres, em dezembro. Mas no caso de corte de subsídios para algodão, por exemplo, os americanos vinculam qualquer acordo a uma redução nas subvenções dadas pela China a seus cotonicultores e também à baixa na tarifa de importação de 40% para o produto fora de cota.

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