quarta-feira, 14 de setembro de 2011

União começa a retomar terras públicas ocupadas ilegalmente na Amazônia

12/9/2011
 

 
Começa por áreas de floresta nativa a retomada de terras públicas ocupadas na Amazônia acima de 2,5 mil hectares - ou 25 quilômetros quadrados -, limite fixado para a regularização fundiária na região. Essas terras serão transformadas em áreas de proteção ambiental, concessão à iniciativa privada para a exploração sustentável de floresta ou ainda em assentamentos especiais de reforma agrária.

A reportagem é de Marta Salomon e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-09-2011.

Há ações de retomada em curso em todos os Estados da Amazônia, informou o advogado da União e coordenador do Grupo Amazônia Legal, Denis Moreira. Entre as ações, cujos detalhes são mantidos em sigilo, por ora, a maior área a ser retomada mede 42 mil hectares (420 quilômetros quadrados) de floresta praticamente intocada.

Houve uma tentativa de regularização da posse por meio do fracionamento da área, mas o Ministério do Desenvolvimento Agrário já notificou os pretendentes de que eles não terão direito à terra.

Programa Terra Legal, lançado pelo governo em 2009, prevê a doação ou venda sem licitação aos atuais ocupantes dos terrenos de até 15 módulos fiscais na Amazônia, medida que varia de acordo com o município, mas tem como limite 1,5 mil hectares. Terrenos maiores, de até 2,5 mil hectares, só podem ser vendidos por meio de licitação, com preferência aos atuais ocupantes. Acima desse limite, a regularização da posse de terras públicas é negada pelo governo.

Entre os terrenos que já são objeto de ação de retomada, há um ocupado por proprietário de outras 80 áreas na Amazônia registradas em seu nome no Sistema Nacional de Cadastro Rural. Um dos requisitos da regularização fundiária para a venda ou a entrega do terreno é não ter outro imóvel rural.

Os casos que já são objeto de ação judicial passaram por vistoria e checagem de documentos. O Ministério do Desenvolvimento Agrário fez pesquisas em cartórios e nos cadastros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e informa que não existem documentos que possam comprovar a propriedade da terra, detectando, porém, a posse irregular de terra pública.

"Depois de notificados, os ocupantes têm prazo de defesa antes da retomada", informouShirley Nascimento, secretária executiva de regularização fundiária na Amazônia Legal.

"A desocupação nem é o passo mais difícil, a principal dificuldade de retomada não é jurídica, mas diz respeito a dificuldades típicas da Amazônia, pelas longas distâncias, por exemplo, que impõem demora aos processos", avalia Denis Moreira, da Advocacia-Geral da União.

São considerados mais complicados os casos em que as terras públicas são ocupadas com atividades produtivas.

A expectativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário é concluir a retomada das primeiras áreas de terras públicas ocupadas irregularmente na Amazônia ainda neste ano. A localização dessas áreas ocorre depois do cadastramento dos posseiros e do georreferenciamento dos terrenos. As áreas que não podem ser regularizadas pelos critérios do Programa Terra Legal são chamadas de "sobras" ou "remanescentes" e dão origem às ações de retomada.

"Ainda não é possível estimar a dimensão das áreas a serem retomadas", pondera Shirley Nascimento. Da área de 48 milhões de hectares (480 mil quilômetros quadrados) da União alvo do programa de regularização fundiária, menos de 10% têm a etapa de medição concluída. A expectativa é regularizar cerca de 157 mil ocupações nessa área.

Em dois anos, o programa cadastrou 91,4 mil pessoas que pretendem regularizar a ocupação de terras públicas na Amazônia, a maior parte delas ocupantes de áreas até quatro módulos fiscais ou até 400 hectares.


13/9/2011
 
Terras pública na Amazônia. A propaganda e o engodo
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=47319

"É um engodo travestido de boas intenções, afirmar que “existe processo de retomada de terras públicas na Amazônia”, escreve Afonso Chagas, mestrando do PPG em Direito da Unisinos e que atuou vários anos na Amazônia, comentando a notícia "União começa a retomar terras públicas ocupadas ilegalmente na Amazônia", publicada nas Notícias do Dia, 12-09-2011.

Eis o comentário.

Após dois anos em atividade, o Programa Terra legal, produto genuíno da Lei nº 11.952/09, que visava regularizar 67 milhões de hectares patina em sua própria incompetência. No mínimo, tem sido um excelente conforto para os especuladores de terras públicas e no máximo potencializa ainda o maior programa de regularização da “grilagem” de terras públicas, algo não visto no país, desde a Lei de Terras, em 1850.

O limite máximo de 900 hectares em alguns Estados e de 1500 hectares em outros, fez aperfeiçoar a criatividade e a esperteza dos grileiros, que, amplamente autorizados pela legislação, podem fracionar as propriedades em quantas partes quiserem, dentro dos limites fixados.

Impotente diante da proposta de reduzir o desmatamento, objetivo este, praticamente permitido pelo novo Código Florestal, às vésperas de sua aprovação, a nova lei de terras serviu para o Código Florestal assim como a lei de abolição serviu para a Lei de Terras de 1850. Em outras palavras, libera-se para a festa das terras públicas e mantém cativos milhares de famílias sem terra. Muito antes disto, a Lei nº 11.284/06 já havia permitido a exploração privada das florestas públicas. Ou seja, o permissivismo estatal marca a primeira década do século XXI, algo nunca visto neste país, em forma de transferência explícita, sem cortes e totalmente desregulamentada, os bens públicos para os interesses privados ou corporativos privados.

Portanto, é um engodo travestido de boas intenções, afirmar que “existe processo de retomada de terras públicas na Amazônia”. Havia sim, até 2009, promovido por parte da Procuradoria Federal do INCRA, ligada à Advocacia Geral da União. Não há mais, pelo simples fato do precedente fraudulento de regularização instituído pela Lei de regularização fundiária.

Até a MP 458, sancionada por Lula, havia critérios rígidos para concessão e alienação, via licitação de terras públicas à particulares. Não há mais, este foi o acordo, tão celebrado pela bancada ruralista. É a maior prática “ilegal” na Amazônia legal, marcando um dos últimos capítulos de absoluta inércia do Estado brasileiro frente ao dramático problema fundiário brasileiro. Ao INCRA sucateado e sem recursos, caberá a gestão de alguns setores. Ao Programa Terra Legal, toda esta aparência de legalidade servirá para legitimar a “farra com os bens públicos”.

Não há notícias de terras desapropriadas na Amazônia, para programas de reforma agrária, de criação de Projetos de Assentamento. Há notícias sim, celebradas, da legalização das terras para mercado e notícias, estas sempre, de conflitos sociais, de violência, morte e impunidade contra trabalhadores e lideranças rurais sem terra.

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