sexta-feira, 29 de abril de 2011

Acionistas aprovam Vale nas obras de Belo Monte

Autor(es): David Friedlande
O Estado de S. Paulo - 28/04/2011
 
Os acionistas controladores da Vale aprovaram na segunda-feira a entrada da mineradora como sócia na hidrelétrica de Belo Monte, segundo apurou o "Estado". A decisão pode ser sacramentada hoje em reunião do conselho de administração da companhia. Pela proposta, a Vale fica com a participação dos 9% que pertenciam à Gaia Energia, empresa do Grupo Bertin que desistiu do projeto em fevereiro.
A decisão já passou por duas instâncias: primeiro, foi aprovada pelo comitê estratégico e, na segunda-feira, recebeu sinal verde em reunião da Valepar - a empresa que reúne os acionistas controladores da mineradora. São eles que determinam como os conselheiros devem votar em assembleia. A reunião de hoje será a primeira do novo conselho de administração, eleito no último dia 19.
A definição da Vale resolve um problema para o governo. O consórcio Norte Energia, montado precariamente por determinação de Brasília, venceu o leilão de Belo Monte no ano passado, mas estava incompleto desde que o Bertin desistiu de participar do projeto. Com a entrada da Vale, Brasília fecha a lacuna. Belo Monte é uma das prioridades da presidente Dilma Rousseff.
Procurada, a Vale não quis se manifestar sobre o assunto. A empresa já havia se interessado antes por Belo Monte. Em parceria com a Andrade Gutierrez, a mineradora disputou o leilão da concessão para construir e operar aquela que será a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, atrás apenas de Itaipu e de Três Gargantas, na China.
A mineradora foi derrotada pelo consórcio Norte Energia, que agora vai passar a integrar. Antes da Vale, a Andrade Gutierrez já tinha entrado para o grupo que a derrotou no leilão do ano passado.
Retorno. A Vale deve entrar no empreendimento na condição de autoprodutora, o que significa que poderá usar parte da energia da hidrelétrica em suas operações. Na Região Norte, a mineradora tem projetos de cobre e níquel, além do minério de ferro, seu principal produto.
Fontes ligadas ao projeto afirmam que a Vale terá um retorno ao redor de 13% com o projeto, mais ou menos aquilo que esperava quando disputou a hidrelétrica no ano passado. Uma das principais dúvidas em relação ao projeto é o seu custo.
O empreendimento foi orçado em R$ 19 bilhões pelo governo, mas empresas que estudaram o projeto calcularam que ele custaria algo em torno de R$ 30 bilhões para ficar pronto.
O detalhe curioso dessa definição é que a proposta de entrar em Belo Monte foi uma das últimas medidas encaminhadas por Roger Agnelli na posição de presidente da Vale. O executivo deixa o cargo no próximo dia 20 por pressão direta do governo, que exerce forte influência na mineradora por meio do fundo de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Agnelli será substituído por Murilo Ferreira, um ex-executivo da companhia. Uma das principais críticas a Agnelli, considerada decisiva para sua demissão, foi a resistência a algumas demandas do interesse de Brasília.

Vale entrou em Belo Monte por razões políticas

A entrada da Vale no negócio de Belo Monte aconteceu por interferência política do governo na empresa. Tudo começou com a pressão pela saída de Roger Agnelli e a maneira como foi feita a mudança do presidente. O fato de o próprio Roger ter se pronunciado no comunicado não quer dizer muita coisa porque ele tem interesse em continuar agradando ao Bradesco, banco de onde veio e onde ele fez toda sua carreira. Provavelmente, foi negociado que ele aparecesse no momento do anúncio, exatamente para apagar um pouco a impressão de uma decisão tomada por pressão do governo, um dos acionistas da empresa. A entrada da Vale salva o consórcio que foi montado pelo próprio governo e que ganhou a licitação para a construção da hidrelétrica, que é polêmica sobre inúmeros aspectos.
Ao contrário do que disse o diretor-financeiro da Vale, Guilherme Cavalcante, não há nenhuma garantia de que Belo Monte trará retorno financeiro. As incertezas são muitas e foi exatamente isso que obrigou o governo a empurrar a Vale para o negócio: o pouco interesse do setor privado e das grandes construtoras, que só quiseram ser prestadoras de serviço no empreendimento.
A usina será construída com um poder de geração de energia de 11 mil MW, mas vai produzir em média 4 mil, e em alguns momentos pode ser 2 mil ou menos. A vazão das águas do Rio Xingu não é a mesma durante todo o ano. Ou seja, é como se uma casa fosse construída para 11 pessoas, mas durante a maior parte do ano morassem apenas quatro, e em alguns meses apenas dois moradores. Obviamente não faz sentido econômico.
Vários outros custos também não estão devidamente contabilizados, como as linhas de transmissão dentro da floresta. Todo especialista de fora do governo quando fala de Belo Monte diz não ter ideia de quanto a usina custará. Soma-se a isso o risco que cientistas vem alertando para uma mudança no regime hídrico do Rio Xingu, durante a vida útil da hidrelétrica, e percebe-se que esse projeto é um tiro no escuro. O canal que será construído para desviar o rio, que é da dimensão do canal de Panamá, é uma das fontes das enormes incertezas da obra, do ponto de vista da engenharia.
Para o governo, ter uma empresa como a Vale no projeto é fundamental, não só por causa do nome dela, mas também porque a Vale entrará como um autoprodutor, e isso reduz o custo tributário da obra, melhorando a complexa engenharia financeira do negócio. Mas isso não garante que esse projeto seja viável ou custe o que o governo diz que vai custar.
Para a Vale, o anúncio é uma mudança drástica de estratégia, já que ela vinha se concentrando na produção e exportação de minério de ferro. No ano passado, por exemplo, a empresa se desfez de todos os seus ativos ligados ao setor de alumínio, como a Alunorte e a Albras, justamente porque a área demanda grande consumo de energia. [então é uma retomada, criando-se-lhes as condições.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário