Autor(es): Vinicius Sassine |
Correio Braziliense - 25/04/2011 |
No Cerrado, quase 7 mil pivôs centrais são utilizados por agricultores, os maiores consumidores dos recursos hídricos das bacias São Francisco, Tocantins-Araguaia e Parnaíba. Uso intensivo afeta o volume de rios O produtor rural Ricardo Torres, 49 anos, comprou toda a tubulação necessária e se prepara para instalar o segundo pivô central de irrigação em sua propriedade agrícola, que produz soja, milho, feijão e sorgo. A água será sugada diretamente do Rio Cariru para as plantações, a exemplo do pivô que já funciona e que garante a produção nos meses mais secos. São 80 litros de água por segundo, canalizados do leito para as plantações. O Cariru desemboca no Rio Jardim, importante curso d’água da Bacia do Rio Preto, no Distrito Federal. Os três rios estão mais estreitos, sofrem um processo de seca e diminuição da vazão. Incontáveis nascentes secaram nas fazendas. Falta água para os produtores, que precisam se revezar e racionar o uso em tempos de chuvas escassas. “Na seca, só planta quem tem pivô. Mesmo assim, já tive de atrasar plantios por falta d’água”, conta Torres. A Bacia do Rio Preto, uma das mais importantes do Distrito Federal, perde sistematicamente capacidade hídrica por causa da irrigação intensiva. Estudos realizados há mais de 15 anos já apontavam o limite dos mananciais, obrigando o gerenciamento e o racionamento do uso da água. Na região do Padef — no leste do Distrito Federal —, onde atuam 200 produtores rurais, cerca de 100 pivôs de irrigação captam a água necessária para a produção agrícola nos meses secos. Somente ao pequeno Rio Cariru estão conectados oito pivôs centrais. Serão nove quando os equipamentos adquiridos por Torres, a um custo de R$ 700 mil, começarem a funcionar. “As fazendas que têm um rio e têm outorga utilizam pivôs”, diz. O Governo do Distrito Federal (GDF) estuda cobrar pelo uso da água na bacia. A opção dos grandes plantadores de soja e milho por pivôs centrais levou a um ganho de produtividade no Cerrado, mas representou a morte de nascentes e cursos d’água altamente explorados. No caso do plantio de soja, a irrigação permite duas colheitas por ano. Vistas do alto, essas plantações aparecem, em imagens de satélites, divididas em grandes círculos — cada círculo é um pivô central, com áreas variando entre 20 e 150 hectares. A consequência direta é a paulatina perda de água, que gera conflitos entre os produtores e a necessidade de racionamento. Ao todo, 6,7 mil pivôs centrais estão instalados no Cerrado, segundo os últimos levantamentos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Fronteira agrícola Três cidades concentram as maiores quantidades de pivôs: Cristalina (GO), Paracatu (MG) e Luiz Eduardo Magalhães (BA). São fronteiras agrícolas antigas e novas, que dependem da irrigação para produzir o grão. No DF, a Bacia do Rio Preto sente a pressão dos pivôs centrais. O Rio Jardim, que abastece 35 pivôs, já não comporta novos projetos de irrigação. Muitos produtores precisaram interromper as plantações ou os planos de expansão, por causa da falta d’água. A Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), formada majoritariamente por gaúchos plantadores de soja, tenta resolver conflitos e administrar o uso da água na região. “Com o desmatamento e a instalação de vários equipamentos de irrigação, diminuiu a vazão de água”, diz o produtor Ricardo Torres. “Os rios precisam de recuperação.” Grande parte das propriedades rurais não mantém as áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais, previstas em lei. A soja tomou conta de tudo e as manchas verdes se restringem aos pontos dos rios onde é captada a água dos pivôs. Pequenos trechos de mata ciliar são a única garantia de que os cursos d’água não serão assoreados por completo. Poços A irrigação representa o principal uso da água nas bacias São Francisco, Tocantins-Araguaia e Parnaíba. Supera a quantidade de água usada nas cidades, nas indústrias ou para a criação de animais. Em todo o país, para cada 10 litros de água consumidos, sete são destinados a irrigantes. Essa proporção se deve principalmente ao que ocorre no Cerrado, onde o cultivo de soja, milho e demais grãos depende de pivôs centrais. Na divisa entre Goiás, Tocantins e Bahia, centenas de poços foram perfurados para exploração de águas subterrâneas. Os impactos são notados no Rio São Francisco. “Se os poços continuarem a ser escavados com alta vazão de água bombeada, a água vai correr para alimentar os poços, e não em direção ao rio”, alerta o pesquisador do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB) José Elói Campos. Os pivôs se multiplicaram no oeste da Bahia, a região de Cerrado mais devastada nos últimos oito anos. Soja e algodão são as principais culturas. Em 15 anos, até o ano de 2000, as áreas irrigadas quintuplicaram. No mesmo período, a vegetação de Cerrado encolheu 20%. A fronteira agrícola continuou em franca expansão na década seguinte. A exemplo do que ocorre na zona rural do DF, a água é bombeada diretamente dos rios ou de poços cavados, que passaram a ser o principal recurso de irrigação em locais onde já se esgotou a concessão de outorgas para uso de água superficial. Em três anos, a quantidade de outorgas para uso de água superficial aumentou 76% na região. As autorizações para exploração de água subterrânea cresceram 125% no mesmo período. “A preocupação no desenvolvimento da região está no uso intensivo da terra, na grande demanda de água e na vazão dos rios que alimentam o médio São Francisco”, afirma a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Márcia Tereza Gaspar, numa tese de doutorado sobre o oeste da Bahia. “A melhor eficiência da infiltração da água no solo se dá nas áreas de Cerrado.” |
terça-feira, 26 de abril de 2011
Quando a irrigação é uma ameaça
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