sexta-feira, 29 de abril de 2011

Arrogância e autoridade

Autor(es): Simon Johnson
Valor Econômico - 28/04/2011

É cada vez mais comum ouvir proeminentes autoridades de bancos centrais dos Estados Unidos e Europa proclamarem o seguinte veredicto sobre a crise de 2008-2010: “Nos saímos bem”. Avaliam que as várias ações governamentais para sustentar o sistema financeiro ajudaram a estabilizar a situação. De fato, o que poderia sair errado quando as compras de ativos pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), na verdade, criaram dinheiro (que, então, foi entregue ao Tesouro dos EUA)?
Falar sobre a questão nesses termos é, na melhor hipótese, iludir-se. Na pior, cria uma imagem de arrogância que apenas serve para corroer a credibilidade na qual a autoridade dos bancos centrais se baseia.
O custo real da crise não é medido pelo relatório de perdas e lucros de qualquer banco central — ou pelo programa governamental de recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês), organizado pelo Departamento do Tesouro dos EUA, ter lucrado ou não com suas várias atividades.
O custo são 8 milhões de empregos só nos EUA, uma importante diferença com outras recessões pós-1945. O custo também é o aumento da dívida líquida do governo federal em mãos do setor privado — o indicador mais preciso do verdadeiro endividamento do governo.
O motivo real pelo qual se vê uma crise fiscal os EUA hoje — ao lado do corte de gastos que afetará muitas pessoas ainda mais — é simples: os bancos explodiram à custa da população americana, com implicações negativas globais. A maior parte do endividamento público nos EUA e em outros países se deve à perda de arrecadação tributária que acompanha recessões profundas. (E os cortes de impostos para os mais ricos promovidos pelo governo Bush, a cobertura do Medicare sem fundos e as guerras financiadas por dívidas no Afeganistão e Iraque enfraqueceram duramente a perspectiva fiscal de longo prazo.) Por fim, o custo da crise são milhões de casas perdidas e vidas prejudicadas, para sempre.
Quando as pessoas no alto dessas instituições insistem em dizer que a resposta à crise deu certo e que tudo está bem, mesmo quando os gigantes financeiros que provocaram a crise se arrastam pesadamente à frente, sua credibilidade, inevitavelmente, sofre.
Em termos mais gerais, como disse Dennis Lockhart, presidente do Fed regional de Atlanta, não devemos operar um sistema baseado no princípio dos “lucros privados, prejuízos públicos”.
Os lucros privados podem ser medidos mais diretamente na forma da remuneração dos executivos. Entre 2000 e 2008, as pessoas no comando das 14 principais instituições financeiras receberam em dinheiro (salário, bonificações e valor das ações vendidas) em torno a US$ 2,6 bilhões.
Dessa quantia, cerca de US$ 2 bilhões foram recebidos pelas cinco pessoas mais bem pagas, que também foram peças centrais na criação das estruturas de ativos de alto risco que levaram o sistema à beira do abismo: Sandy Weil (desenvolveu o Citigroup, que implodiu logo depois de sua saída); Hank Paulson (que expandiu imensamente o Goldman Sachs, fez lobby para permitir mais alavancagem nos bancos de investimento e, depois, se mudou para o Tesouro dos EUA e ajudou a salvá-los); Angelo Mozilo (desenvolveu o Countrywide, peça central na concessão irresponsável de hipotecas); Dick Fuld (comandou o Lehman Brothers até levá-lo ao chão); e Jimmy Cayune (comandou o Bear Stearns até levá-lo ao chão).
Os prejuízos públicos, em comparação, são gigantescos: cerca de US$ 6 trilhões, se nos limitarmos apenas ao aumento nas dívidas do governo federal. E os executivos dos principais bancos ainda insistem que deveria lhes ser permitido administrar empresas de alta alavancagem global, sendo pagos com base no retorno sobre o patrimônio — sem ajustes para qualquer risco.
As principais mentes financeiras independentes do mundo avaliaram minuciosamente esses planos e concluíram que deixam muito a desejar (para mais detalhes, vejam o site de Anat Admati, da Graduate School of Business, de Stanford). Em sua opinião, os grandes bancos deveriam ser muito mais financiados com patrimônio — talvez até 30% de sua capitalização. Mas os banqueiros rejeitam essa abordagem (porque reduziria sua remuneração), assim como as autoridades dos bancos centrais (porque são altamente persuadidas pelo protesto dos banqueiros).
Há muitas vantagens em ter um banco central independente comandado por profissionais que podem ficar à distância dos políticos. Mas quando as pessoas no alto dessas instituições insistem em dizer que a resposta à crise deu certo e que tudo está bem, mesmo quando os gigantes financeiros que provocaram a crise se arrastam pesadamente à frente, sua credibilidade, inevitavelmente, sofre.
Isso deveria preocupar as autoridades de bancos centrais, porque sua credibilidade, basicamente, é tudo o que têm. A constituição dos EUA, afinal, não garante a independência do Fed. O Congresso criou o Fed, o que significa que pode desfazê-lo. Ao desconsiderar os danos que megabancos altamente alavancados podem provocar, o mito da “crise boa” torna a pressão política sobre os bancos centrais ainda mais provável.
Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador de importante blog de economia (http:// BaselineScenario.com), professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional. Copyright: Project Syndicate, 2011. Podcast no link: http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/johnson19.mp3
www.project-syndicate.org

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