Autor(es): Mailson da Nóbrega e Felipe Salto |
Valor Econômico - 31/03/2011 |
Ao afirmar que um novo aporte do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a concessão de crédito não é contraditório com a decisão de cortar gastos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ressuscitou uma visão dos anos 1950 e 1960, segundo a qual "crédito à produção não é inflacionário". Para ele, o financiamento do BNDES vai ampliar o investimento e, assim, a oferta. A seu ver, isso é diferente de gastos do orçamento. No passado, professar essa visão era uma forma de se opor a medidas de contenção do crédito do Banco do Brasil (BB), que então exercia funções de banco central. O BB podia expandir seus empréstimos sem necessidade de captar recursos no mercado, pois detinha na prática o poder de emitir moeda. Suas operações expandiam a demanda e geravam pressões inflacionárias. Os defensores da tese argumentavam que o financiamento do BB expandia a produção. Quando os empréstimos fossem pagos, a moeda seria recolhida. Acontece que o crédito gerava demanda antes de a produção se expandir, pois os recursos serviam para pagar salários e adquirir bens e serviços. Se a tese fosse correta, não haveria país pobre. Bastaria emitir dinheiro para financiar a produção. Uma das inspirações da reforma bancária de 1964, que criou o Banco Central, foi a de estabelecer mecanismos de controle da expansão dos empréstimos do BB. Suas operações deveriam conter-se em limites previstos no orçamento monetário. Ocorre que o suprimento de recursos ao BB continuou o mesmo de antes, agora via BC. O relacionamento entre o BB e o BC se fazia por meio da "conta de movimento". Na época, a restauração da capacidade do Tesouro de emitir dívida pública tornou possível neutralizar as emissões de moeda. Quando os empréstimos do BB excediam a captação de recursos, a "conta de movimento" supria a diferença, automaticamente. O BC buscava recolher as emissões mediante expansão da dívida pública, cuja expansão era autorizada pelo Conselho Monetário e não pelo Congresso. A dívida pública crescia não para financiar um déficit no orçamento da União, mas para apoiar a expansão dos empréstimos do BB. Esquema semelhante se aplicava ao BC, que financiava a agricultura, a agroindústria e as exportações via repasses e refinanciamentos a instituições financeiras. As distorções desse arranjo estão na origem do quadro hiperinflacionário dos anos 1980 e 1990. Reformas concebidas entre 1983 e 1984 e implementadas a partir de 1986 puseram fim ao atraso institucional. A "conta de movimento" foi extinta, o BC perdeu as funções de fomento e se criou a Secretaria do Tesouro Nacional. O orçamento monetário foi abolido. No ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal coroou esse processo. A Fazenda restabeleceu o antigo esquema, minando a previsibilidade, a transparência e a credibilidade das finanças públicas federais. Primeiro, passou a emitir dívida pública para o BNDES efetuar empréstimos subsidiados e não para financiar um déficit orçamentário. Nada transita pelo orçamento, exceto os subsídios do Programa de Sustentação de Investimentos (PSI). É a pura recriação da "conta de movimento". Ao declarar que os empréstimos do BNDES vão gerar oferta, o ministro assume um equivocado conceito que se pensava enterrado. Parece que ele precisava de uma explicação para o aporte de mais R$ 55 bilhões ao BNDES, logo em seguida ao anúncio do corte de R$ 50 bilhões no orçamento. Confiante na sua explicação e apoiado nas declarações recentes da presidente, que foram na mesma direção, ele assegurou mais R$ 5 bilhões ao banco. Ao contrário, os empréstimos do BNDES têm impacto relevante na demanda agregada, exatamente igual ao de outros desembolsos do Tesouro, como os do Bolsa Família. A diferença está na aplicação dos recursos e nos efeitos de médio e longo prazo. No caso dos empréstimos do BNDES, os recursos beneficiam grupos que recebem os subsídios. No do Bolsa Família, os recursos amparam segmentos menos favorecidos da sociedade (com sucesso evidente nos últimos anos). É verdade que os investimentos financiados pelo BNDES podem expandir efetivamente a produção e elevar a oferta de forma significativa, mas isso deveria sempre ser ponderado por seus respectivos custos e, principalmente, levando em conta o impacto fiscal e os efeitos sobre a demanda, que são imediatos. A continuidade do suprimento ao BNDES com recursos do Tesouro resulta na expansão do endividamento bruto, que será impactado pelo crescimento de mais de 1,5% do PIB (R$ 60 bilhões) na dívida mobiliária. O Ministério da Fazenda constituiu, no passado, o centro de resistência às pressões para expandir o crédito subsidiado por instituições financeiras oficiais, mediante emissão de moeda ou expansão da dívida pública. Nele nasceram, nos anos 1980, os estudos que permitiram importante avanço institucional das finanças públicas. É lamentável constatar que a pasta tenha se tornado o oposto, assumindo visões antiquadas, e a liderança de medidas que nos levam de volta a situações que pareciam fazer parte apenas de um mau pedaço de nossa história. Mailson da Nóbrega economista e ex-ministro da Fazenda, é sócio da Tendências Consultoria. Felipe Salto economista pela FGV-EESP e mestrando em Administração Pública e Governo pela FGV-EAESP, é analista da Tendências. |
sexta-feira, 1 de abril de 2011
O passado impregna a política fiscal
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