sábado, 19 de novembro de 2011

Botox na inflação


O Estado de S. Paulo - 07/10/2011
 

A inflação continua acelerada e não há sinal, até agora, do arrefecimento previsto pelo governo para os próximos meses. Com a alta do dólar, os preços ganharam impulso adicional nas últimas semanas e isso já é visível tanto no mercado de matérias-primas como no varejo. Mas o câmbio é só uma parte do problema, como advertiu o economista Salomão Quadros, da FGV, ao comentar a elevação de 0,75% do Índice Geral de Preços (IGP-DI) em setembro. Segundo ele, são mais preocupantes outros fatores, como a demanda interna ainda aquecida e o próprio corte dos juros básicos pelo Banco Central (BC).
Esse corte, observou Quadros, gerou dúvidas quanto ao compromisso do governo com a meta de inflação e alimentou a expectativa inflacionária. Em agosto, o IGP-DI havia subido 0,61%. Mas também os dados sobre a atividade econômica justificam dúvidas sobre as previsões do BC. Números da indústria fornecidos por diferentes fontes ainda não permitem um diagnóstico seguro das condições de produção e demanda.
Quanto aos preços, tudo indica, por enquanto, a tendência de forte elevação nos próximos meses. Ainda na quinta-feira, a Associação Brasileira da Indústria do Plástico informou em comunicado os aumentos de preços decididos por grandes fornecedores de matérias-primas. De acordo com a associação, a Braskem anunciou majoração da ordem de R$ 700 por tonelada. A Dow notificou seus clientes de uma elevação de R$ 600 por tonelada a partir de 3 de outubro.
Em setembro, os preços por atacado subiram 0,94%, segundo a FGV. Esse item é o principal componente do IGP-DI, com peso de 60%. No mercado internacional de matérias-primas houve algum recuo, atribuído aos temores de uma nova recessão. Analistas, no entanto, evitam apostar numa tendência de baixa, ou de baixa significativa. A FAO já alertou para o risco de novos aumentos das matérias-primas agrícolas, por causa das condições inseguras de suprimento. De toda forma, produtos básicos continuam pressionando a inflação brasileira.
O índice de preços ao consumidor da FGV, outro componente do IGP-DI, subiu 0,5% em setembro, 4,69% no ano e 7,13% em 13 meses. Em agosto havia aumentado 0,4%.
Outros indicadores de preços apontam na mesma direção. O índice de preços ao consumidor pesquisado em São Paulo pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos subiu 0,69% em setembro, 0,30 ponto mais que no mês anterior. O Índice de Custo de Vida da Classe Média apurado pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo aumentou 0,37% em agosto e 6,47% em 12 meses.
O IBGE estimou uma redução mensal de 0,2% da produção industrial em agosto. A Confederação Nacional da Indústria, no entanto, apontou uma alta real de 8,4% no faturamento, expansão de 3,5% nas horas de trabalho e de 0,4% no emprego. O nível de uso da capacidade instalada subiu de 82% para 82,2%, descontados os fatores sazonais. A associação das montadoras informou uma queda de 19,7% na produção de veículos em setembro, mas esse dado, segundo um dirigente da entidade, é em grande parte explicável pela sazonalidade e por greves. A média diária de vendas (14.840 unidades) foi 4,2% maior que a de agosto.
O quadro da produção, portanto, está longe de ser claro, apesar de algum efeito da contenção do crédito. Mas, de modo geral, a demanda continua forte, alimenta a inflação e é em parte suprida por importações.
Em Brasília já se admite, extraoficialmente, a adoção de medidas extraordinárias para impedir o estouro do limite superior da meta (6,5%) no fim do ano. Poderá, adiantou uma fonte, haver uma redução temporária de impostos. Mas isso seria um remendo, uma forma de disfarçar e não de eliminar as pressões inflacionárias. Essa informação parece confirmar o pior dos temores: o governo renunciou a enfrentar para valer a inflação e já admite aplicar botox nos preços, para fazer crescer o PIB em ano de eleição - a qualquer custo, literalmente.

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