sábado, 19 de novembro de 2011

A complexa questão da fome mundial

Correio Braziliense - 11/10/2011
 

A cada novo relatório mundial sobre segurança alimentar, um choque e uma constatação: a persistência de uma tragédia humanitária e a incapacidade das Nações Unidas de enfrentá-la. Como em outras graves questões do planeta, falta decisão política para mudar o quadro. Sem uma governança global, da qual a ONU não dá conta, os problemas mais do que se agravam, se entrelaçam.
A crise financeira nos países ricos, o comprometimento do meio ambiente e a fome caminham juntos. A diferença é o poder que são capazes de mobilizar. Para evitar a quebradeira de bancos e instituições de crédito, centenas de bilhões de dólares foram gastos nos últimos três anos. Para conter as mortes provocadas pela desnutrição, o Programa Alimentar Mundial (WFP, na sigla em inglês) teve de se virar diante da elevação dos preços dos alimentos em 2008 e conseguir reles US$ 60 milhões para completar o orçamento.
As adversidades não são gratuitas. Só o desastre internacional provocado pelo efeito cascata do escândalo dos títulos podres do mercado imobiliário norte-americano incluiu mais 70 milhões de pessoas entre aquelas que vivem abaixo da linha de pobreza. Isso, do ano passado para cá, segundo o Banco Mundial. Por sua vez, a resistência ao fechamento de um acordo climático global resulta em secas, enchentes e pragas, que destroem plantações e encarecem os preços dos produtos.
A equação responde hoje por 6 milhões de mortes anuais de pessoas que simplesmente não têm o que comer, e por um contingente de 925 milhões de famintos. São os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), antecipados ontem pelo Correio. O relatório ressalva ter sido o Brasil um dos raros países em que a segurança alimentar avançou positivamente, apesar das turbulências financeiras mundiais. Além do crescimento da produção de comida, contribuíram para o resultado positivo políticas públicas como o Bolsa Família.
Aliás, foi o reconhecimento ao sucesso brasileiro que levou à eleição de José Graziano da Silva, primeiro ministro de combate à fome do governo Lula, a diretor-geral da FAO para o período de janeiro de 2012 a julho de 2015. Embora o desafio monumental, ele é otimista e considera "razoável e alcançável" a meta de erradicar a fome. Mas, sem uma conjunção mundial de esforços, é difícil acreditar nessa possibilidade.
Um passo fundamental seria profunda reformulação da ONU — bandeira brasileira que já vai se tornando antiga —, com melhor equilíbrio de forças entre as nações. O passo seguinte seria aumentar a produção de alimentos, que precisa suprir as necessidades de 9 bilhões de pessoas até 2050. Para tanto, urge levar a sério os compromissos com o desenvolvimento sustentável, conforme definido há quase duas décadas, na Eco-92. A etapa seguinte seria democratizar a distribuição da comida, garantindo que todos tenham acesso a ela. Mas sem assegurar renda, educação e boas condições de saneamento às populações pobres, essas permanecerão vulneráveis, como massa de manobra dos poderosos.

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