terça-feira, 1 de novembro de 2011

O fim do crescimento populacional

Autor(es): Sanjeev Sanyal
Valor Econômico - 01/11/2011
 

A população mundial atingiu ontem sete bilhões de pessoas, de acordo com a Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU). Como sempre ocorre quando nos aproximamos de um marco do tipo, desta vez também surgiram várias conferências, seminários e artigos, além das sinistras previsões malthusianas usuais. Afinal, a ONU projeta população mundial de 9,3 bilhões em 2050 e de mais de 10 bilhões no fim do século. Tais previsões, no entanto, deturpam as dinâmicas demográficas básicas. O futuro com o qual nos deparamos não é de alto crescimento populacional, mas de baixo.
A maioria dos países realizou censos populacionais em 2010 e os dados indicam que os índices de natalidade despencaram na maioria deles. Os índices são baixos nas nações desenvolvidas já há algum tempo e agora vêm decaindo rapidamente na maioria dos países em desenvolvimento. Chineses, russos e brasileiros não estão mais no nível de substituição, enquanto os indianos passaram a ter bem menos filhos. De fato, a fertilidade mundial cairá abaixo da taxa de substituição em pouco mais de uma década. A população pode continuar em expansão até meados do século, em função do aumento da longevidade, mas em termos reprodutivos, nossa espécie não estará mais se expandindo.
O que os demógrafos chamam de Taxa de Fecundidade Total (TFT), número médio de nascimentos vivos por mulher ao longo de sua vida, está pouco acima 2,3 no mundo como um todo, sendo um pouco menor nos países desenvolvidos, de 2,1, graças às suas taxas de mortalidade infantil mais baixas.
A TFT da maioria dos países desenvolvidos atualmente é bem menor do que o nível de substituição. A média nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 1,74, mas em alguns países, como Alemanha e Japão, é de menos de 1,4 por mulher. Nos últimos anos, no entanto, os maiores declínios na TFT vêm sendo registrados nos países em desenvolvimento. Em 1950, as TFTs da China e Índia eram de, respectivamente, 6,1% e 5,9%. Na China, atualmente, é de 1,8, em função da agressiva política de filho único das autoridades. Na Índia, a rápida urbanização e mudanças nas atitudes sociais levaram a TFT da Índia para 2,6.
Outro fator adicional pode limitar ainda mais os nascimentos futuros na China e Índia. O censo chinês indica que há 118,6 meninos nascendo para cada 100 meninas. Na Índia, a relação gira em torno de 110 meninos para cada 100 meninas, com grandes variações de região para região. A taxa natural é de 105 meninos para cada 100 meninas. O desvio nesses países normalmente é atribuído à preferência cultural por homens e terá impacto adicional nas duas populações, já que a escassez futura de mulheres implica que a capacidade reprodutiva efetiva será menor do que a sugerida pela TFT não ajustada.
De fato, levando em conta o desequilíbrio de gênero, a Taxa de Natalidade Efetiva (TNE) da China está em torno a 1,5 e a da Índia, em 2,45. Em outras palavras, os chineses estão bem longe de chegar ao nível de substituição, enquanto os indianos estão ligeiramente acima de tal taxa A TNE média mundial é de 2,4, pouco acima da taxa de substituição. A tendência atual indica que a raça humana deixará de substituir-se no início da década de 2020. O crescimento populacional depois desse momento será alimentado principalmente pela maior longevidade das pessoas, fator cujo impacto será menor a partir de meados do século.
Essas mudanças têm implicações importantes para a oferta de trabalho mundial. A China envelhece muito rapidamente e sua população em idade de trabalho começará a encolher em poucos anos. Abrandar a política de filho único poderia ter algum impacto positivo no curto prazo, mas a China já passou do ponto de virada, em decorrência do efeito combinado do desequilíbrio de gênero e da estrutura etária muito desequilibrada.
O número de mulheres em idade fértil (15 aos 49 anos) na China cairá 8% entre 2010 e 2020, outros 10% na década de 2020 e, caso não seja corrigida, em ritmo ainda maior nos anos seguintes. A China, portanto, teria de tirar uma proporção cada vez maior de sua força de trabalho feminina e voltá-la à reprodução e assistência aos filhos. Mesmo se a China conseguisse concretizar algo assim, isso implicaria em uma redução imediata da força de trabalho cujos resultados só viriam depois de 25 anos.
Paralelamente, a força de trabalho já chegou a seu ponto máximo ou está próxima disso na maioria das principais economias. As forças de trabalho na Alemanha, Japão e Rússia já estão em queda. Os Estados Unidos é um dos poucos países avançados cuja força de trabalho ainda cresce, graças a sua relativa abertura à imigração. Isso, no entanto, poderia mudar à medida que os países que servem de fonte de trabalhadores comecem a ficar mais ricos e passem por altos declínios nas taxas de natalidade. Muitos países desenvolvidos, portanto, terão de considerar como manter as pessoas trabalhando de forma produtiva depois da faixa dos 70 anos.
A Índia, a única grande economia cuja força de trabalho crescerá em ritmo suficiente nos próximos 30 anos, pode equilibrar em parte os declínios esperados nas outras economias principais. As taxas de natalidade, no entanto, também estão em baixa no país, sendo que a tendência atual indica provável estabilização, em 1,55 bilhão de habitantes, no início da década de 2050, dez anos antes - e 170 milhões de pessoas a menos - do que apontam as projeções da ONU.
Tendo em vista esse cenário, é provável que a população mundial chegue a seu pico de 9 bilhões na década de 2050, meio século antes do que o que foi normalmente antecipado, e tenha uma forte queda em seguida. É possível argumentar que isso seria algo bom, dada a capacidade limitada do planeta. Quando as dinâmicas demográficas mudarem de direção, no entanto, o mundo terá de confrontar-se com um conjunto diferente de problemas. (Tradução Sabino Ahumada)
Sanjeev Sanyal é estrategista global do Deutsche Bank. Copyright: Project Syndicate, 2011.

Ainda é cedo para descartar o ideal malthusiano

Autor(es): Por Javier Blas | Financial Times, de Cingapura
Valor Econômico - 01/11/2011
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/11/1/ainda-e-cedo-para-descartar-o-ideal-malthusiano
 

Ontem, chegamos "oficialmente" a um marco histórico para a população mundial - agora somos 7 bilhões de pessoas no planeta.
A projeção do Fundo de População da Organização das Nações Unidas (ONU) é artificial, mas indica uma tendência muito mais importante: o crescimento da população do planeta nos últimos 50 anos foi assustadoramente alto, com o acréscimo de 1 bilhão de pessoas a cada 13 anos.
Isso importa de alguma forma para o mercado mundial de commodities? A questão é importante porque o forte aumento populacional é muitas vezes apontado como motivo para os preços das matérias-primas estarem tão altos.
Desde que Thomas Robert Malthus escreveu "Ensaio sobre o Princípio da População", em 1798, uma sucessão de estudos, incluindo "The Population Bomb", de Paul Ehrlich, centrou-se em cenários de destruição relacionando o alto crescimento populacional à escassez e custo cada vez maior dos recursos naturais. Ainda assim, o preço das commodities, em termos reais, ajustados à inflação, em certas ocasiões mal reagiu ao aumento na população.
Os anos 90 foram paradigmáticos. A década viu um período de baixa nas commodities, mesmo enquanto a população mundial exibia seu maior crescimento - em apenas 11 anos, houve aumento de 1 bilhão na população, que passou de 4 bilhões em 1987 para 5 bilhões em 1998.
A frágil relação entre o crescimento da população e o preço das commodities na década de 80 e 90 levou o economista conservador Julian Simon a ganhar aposta de US$ 1 mil contra o ecologista Ehrlich quanto ao impacto da população sobre as matérias-primas. Simon e Ehrlich fizeram a famosa aposta no início de 1980, tendo como alvo o preço em termos reais de cinco metais - cromo, cobre, níquel, estanho e tungstênio - durante um período de dez anos. Em 1990, Ehrlich mandou um cheque a Simon de US$ 567,07, representando o declínio no valor dos metais ao longo dessa década.
Para os cornucopianos (que acreditam na capacidade da ciência em avançar o suficiente para alimentar o mundo), a aposta encerrou o debate: os malthusianos, que relacionavam o alto crescimento da população aos altos preços das commodities e à escassez de recursos naturais, estavam errados.
A última década, no entanto, provou que o debate está longe de ter terminado. Se Simon e Ehrlich tivessem apostado em um período maior, de 30 em vez de 10 anos, Ehrlich teria vencido. Em termos reais, o preço de uma cesta composta por cromo, cobre, níquel, estanho e tungstênio, hoje vale mais do que nos anos 80.
Então, por que o comportamento dos preços na década de 2000 revelou-se tão diferente dos anos 80 e 90? A simples resposta é que o preço das commodities reage a fatores múltiplos, sendo que a população é apenas um deles.
Os anos 80 e 90 viram outras grandes forças em jogo: o efeito recessivo dos altos preços do petróleo, a reação de crescimento da oferta aos altos preços anteriores e o impacto das mudanças tecnológicas. A agricultura mostrou-se um exemplo paradigmático dos avanços tecnológicos. A Revolução Verde, que desencadeou o aumento na produtividade agrícola, reduziu os preços das commodities agrícolas mesmo em meio à duplicação da população mundial entre 1959 e 1998.
O que realmente importa para as commodities não é o tamanho da população, mas sua riqueza.
O que tornou a década de 2000 tão diferente foi o fato de uma parcela maior da população mundial ter se beneficiado de um forte aumento de renda. Um mundo de 7 bilhões de pessoas pode gozar de preços moderados nas commodities apenas se metade da população continuar pobre e quase 20% estiver cronicamente passando fome. De outra forma, o aumento na população mostrará que Ehrlich, no fim das contas, estava certo. (Tradução de Sabino Ahumada)

Fantasma da fome

Autor(es): Xico Graziano
O Estado de S. Paulo - 01/11/2011
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/11/1/fantasma-da-fome
 

agrônomo, foi secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo
Segundo as contas da ONU, o mundo acaba de completar 7 bilhões de habitantes. "Hoje à noite precisamos abrir espaço para 219 mil pessoas na mesa do jantar". Curiosa e dramática, a frase de Lester Brown instiga o pensamento. Haverá comida para tanta gente?
A população humana atingiu seu primeiro bilhão em 1800. Naquela época Thomas Malthus fez uma das previsões mais famosas da História, afirmando que a população humana crescia em progressão geométrica enquanto a produção de alimentos aumentava em progressão aritmética. A tragédia da fome aproximava-se.
Demorou 130 anos para dobrar a população humana. E, ao contrário do que se previra, a produção agrícola, impulsionada pela tecnologia, deu conta do recado. A expansão das áreas cultivadas e o aumento da produtividade por hectare afastou o temor do colapso alimentar. Somado aos extraordinários avanços na medicina, que favoreceram a saúde pública, o estouro demográfico na Terra acelerou-se. Em 1960 já éramos 3 bilhões de almas.
Os neomalthusianos se eriçaram. O intenso crescimento populacional no chamado Terceiro Mundo levaria à catástrofe famélica. Novamente, porém, a agronomia ajudou a derrotar o pessimismo, graças à força produtiva do pacote tecnológico, assentado em quatro pilares: melhoramento genético, mecanização, irrigação e quimificação (fertilizantes e defensivos). Em 1970, o Nobel da Paz laureou o agrônomo norte-americano Norman Borlaug, pai da Revolução Verde.
Nos últimos 40 anos a produção rural saltou 150%, ante metade disso na população. O processo da Revolução Verde deixou claro que a fome, persistente em várias regiões do mundo, não se deve às deficiências da produção, mas, sim, às dificuldades de sua distribuição na sociedade. Quer dizer, uma culpa das desigualdades na renda. Sem dinheiro no bolso falta comida na mesa. Malthus parecia esquecido definitivamente.
Ledo engano. Um temor pela escassez varre o mundo. Mesmo atenuado pela queda da natalidade, o crescimento populacional está recebendo a contribuição de novos fenômenos para pressionar a demanda alimentar. Trata-se dos ganhos de renda da população nos países em desenvolvimento, em sintonia com a urbanização, verificada na Ásia, especialmente.
Nesse contexto, a Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que até 2050 a produção de alimentos - grãos e carnes - precisará crescer entre 70% e 100% para atender à procura das famílias. Não ocorrendo, haverá tendência global a majorar o preço médio dos alimentos, afetando imensos contingentes populacionais. O fantasma da fome ronda perigosamente a civilização.
O raciocínio antigo, viciado e simplista, logo pensa: bobagem, esse assunto já se resolveu antes. Há coisas mais relevantes para preocupar a humanidade, como, por exemplo, a devastação ambiental. Aqui, sim, o panorama futuro surge assustador.
Confesso que ando meio desorientado, refletindo sobre essa matéria. Não sou o único. A ameaça da fome coletiva, que angustia os estudiosos há séculos, parece retomar uma espiral ascendente. Desta vez, porém, vestiu uma nova complexidade. É como se a ecologia estivesse elevando ao quadrado o problema resolvido até então pela agronomia. Explico-me.
A gradativa tomada de consciência pública sobre os problemas ambientais estipula limites crescentes à expansão da agropecuária. A sociedade não tolera mais o desmatamento. Antigamente a ocupação do oeste norte-americano ou a mais recente derrubada da mata atlântica eram sinônimos de progresso. Agora representam uma tragédia contra a biodiversidade.
Basta ver, por aqui, a polêmica sobre o Código Florestal. Certos ambientalistas combatem radicalmente as mudanças propostas, recebendo enorme respaldo de mídia. Venerado na velha sociedade, o ruralismo periga transformar-se em palavrão. Os esverdeados tempos modernos azucrinam a agricultura.
Existem, ademais, limitações físicas à expansão dos cultivos. Nos EUA, na Europa, na Austrália, no Oriente Médio e na China as terras aráveis encontram-se totalmente ocupadas. Sofrem, ao contrário, prejuízos trazidos pela desertificação de territórios e pelo rebaixamento de lençóis freáticos. Encolhendo a irrigação, cai junto a produção.
Grosso modo, o homem apropriou-se produtivamente de dois terços da Terra. No terço restante localizam-se a Amazônia, as savanas africanas, as florestas asiáticas, as tundras geladas, áreas preservadas. Explorar tais espaços em nome da segurança alimentar vai dar encrenca, agravando a crise ecológica.
O preocupante cenário indica que entre preservar e produzir é preciso fazer as duas coisas. Só que ninguém sabe direito como. Alguns vislumbram que os produtos transgênicos venham a ser a solução do dilema, elevando a produtividade das áreas já exploradas. Aos ambientalistas soa como uma ironia da História.
Tudo anda contraditório. O aquecimento global, por um lado, compromete a produção tropical de alimentos e, por outro, vai liberar terras geladas para o plantio. O confinamento de animais dispensa pastagens, mas exige rações processadas com grãos, cujo cultivo aumenta. Energia renovável da biomassa pode roubar terra do alimento.
Engana-se redondamente quem pensa ser fácil vencer o moderno desafio da fome. Há quem sugira a dieta vegetariana obrigatória - falta convencer quem começou agora a comer picanha. Combater o desperdício - incluindo a gula da obesidade. Ingerir proteicos insetos - basta esquecer o nojo. Soluções ousadas, não impossíveis.
O caminho da sabedoria passa pela humildade. Se vencer a arrogância típica da humanidade, enterra Malthus de vez. Senão virá a crise.

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