segunda-feira, 28 de novembro de 2011

É preciso definir melhor as receitas do Orçamento

Valor Econômico - 28/11/2011
 

Não é de hoje que se chama a atenção da opinião pública para o irrealismo da peça orçamentária da União. Numerosos artigos de especialistas já foram publicados nos últimos anos sobre a falta de correspondência entre o que é elaborado pelo governo federal, aprovado pelos deputados e senadores e o que é efetivamente executado. A peça orçamentária de 2011, no entanto, bateu um novo recorde.
No fim de agosto do ano passado, o governo encaminhou a proposta orçamentária ao Congresso, com previsão de receita total de R$ 967,6 bilhões (livre de restituições). Nesse montante está incluída a arrecadação projetada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Preocupados em abrir um espaço no Orçamento para suas emendas, os parlamentares elevaram a estimativa da receita em R$ 22,8 bilhões.
Em fevereiro, ao baixar o decreto de programação orçamentária e financeira, o governo considerou a projeção de receita do Congresso extremamente otimista e realizou um corte de R$ 19,1 bilhões. Essa reestimativa da arrecadação fez parte de um amplo esforço fiscal de R$ 50,6 bilhões, que o governo anunciou que iria fazer para cumprir a meta fiscal "cheia", ou seja, sem o desconto dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse esforço previa um corte de R$ 36,8 bilhões nas despesas de realização livre pelo governo (as chamadas despesas discricionárias) e uma redução de R$ 12,2 bilhões das despesas obrigatórias. Além de vetos à lei orçamentária que reduziriam os gastos em R$ 1,6 bilhão.
Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff baixou o Decreto n º 7.622, com a nova programação orçamentária e financeira. No decreto, o governo estimou a receita total da União em R$ 1.012,4 bilhão. Esse montante é superior em R$ 21,97 bilhões à projeção que os parlamentares colocaram na lei orçamentária de 2011. É superior também em R$ 44,8 bilhões à estimativa que constava da proposta orçamentária enviada pelo governo ao Congresso. Ou seja, em sua projeção da receita para este ano, o governo cometeu um erro equivalente a mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).
Com base na estimativa de receita que consta do último decreto, sabe-se agora que o ajuste fiscal anunciado para este ano não foi tão rigoroso quanto anunciado inicialmente. Na verdade, o ajuste foi garantido, basicamente, pelo excepcional crescimento da arrecadação. Não se pode tirar o mérito da presidente Dilma - e é preciso registrar esse ponto - de não ter gasto toda a arrecadação deste ano. A presidente separou uma parte dela (R$ 10 bilhões) e aumentou o superávit primário, dando mostras, mais uma vez, da determinação de realizar uma política fiscal responsável.
O Congresso está, neste momento, discutindo a proposta orçamentária para 2012. Os parlamentares já aumentaram a previsão da receita total bruta da União para o próximo ano, que consta da proposta orçamentária, em R$ 29,98 bilhões. Mas é difícil criticar essa decisão depois do que aconteceu neste ano, quando o governo subestimou a arrecadação em R$ 44,8 bilhões - o suficiente para pagar mais de três vezes o programa Bolsa Família. Os parlamentares têm razões para supor que a estimativa que consta da proposta orçamentária para 2012 também está subestimada.
A aprovação do Orçamento de cada ano é uma das principais atribuições do Congresso. É nele que estão definidas as políticas públicas, cuja execução os cidadãos devem fiscalizar. Não é possível, no entanto, discutir e aprovar uma peça orçamentária, definindo os gastos para cada área, sem que se tenha uma ideia razoavelmente precisa sobre a receita disponível em determinado ano.
A sociedade brasileira já está suficientemente madura para definir uma forma mais adequada de avaliar as receitas do exercício seguinte. Uma ideia, que já chegou a ser discutida, seria criar uma Comissão, com representantes do Congresso, do próprio governo e de entidades de pesquisa, que teria a responsabilidade de projetar as receitas. Aliás, tramita no Senado um projeto de lei complementar que, se aprovado, instituiria uma Lei de Responsabilidade Orçamentária. A legislação que rege a elaboração dos orçamentos públicos (Lei nº 4.320) é de março de 1964.
Colocar o tema em discussão e aprovar novos procedimentos poderia trazer um inestimável avanço de qualidade no uso do dinheiro público.

Nenhum comentário:

Postar um comentário