quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A Ásia do sucesso à crise de 1997

Autor(es): Luiz Gonzaga Belluzzo
Valor Econômico - 07/02/2012
 

Leio na imprensa brasileira artigos instigantes, alguns severamente críticos, a respeito de politicas industriais, de comércio exterior e de competitividade, sobretudo as que envolvem a promoção de "campeões nacionais". Os alvos das críticas são as medidas brasileiras de proteção à industria nacional e de estímulo à restruturação empresarial.
Entendi conveniente recorrer a um artigo que escrevi para a revista Praga em maio de 1998. Dizia então, que, ao investigar a razões do desenvolvimento asiático, os autores mais inclinados à análise histórica e institucional concentraram sua atenção nas seguintes questões: 1) a natureza e relevância das políticas industriais (e de constituição de grandes grupos nacionais), sempre amparadas no direcionamento do crédito e nas taxas de câmbio reais "competitivas"; 2) a importância dos acordos implícitos e das relações de "cooperação" e "reciprocidade" entre o Estado e grupos privados; 3) o papel da estabilidade macroeconômica, sempre buscada mediante a prudente gestão monetária e fiscal, característica dos países da região; 4) a forma da inserção internacional.
Os estudos cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados nacionais, os sistemas empresariais e a "inserção internacional". Procuraram chamar a atenção para a especificidade da "organização capitalista" em que prevaleceram: 1) nexos "cooperativos" e de reciprocidade nas relações capital-trabalho; 2) negociações entre os grandes conglomerados e seus fornecedores; 3) íntima articulação entre os bancos e a grande empresa nacional e 4) "administração estratégica" do comércio exterior e do investimento estrangeiro.
Depois da queda, os governos dos países asiáticos retomaram o controle das políticas estratégicas.
Na visão dessa corrente teórica, tal arquitetura institucional não só assegurou excepcionais taxas de investimento e de acumulação de capital, como tambem ensejou programas de "graduação" tecnológica. Esse arranjo garantiu, assim, expressivos ganhos de produtividade e, consequentemente, consolidou a posição competitiva dos grandes grupos nacionais (sim, os "campeões", senhoras e senhores) diante dos rivais e concorrentes no mercado internacional.
A partir das reformas do final dos anos 70 do século passado, a China irrompeu no cenário asiático com uma receita um tanto modificada. O novo protagonista apoiou-se na combinação entre uma novidade, ou seja, a atração de investimentos diretos estrangeiros e, uma tradição, isto é, a forte intervenção do Estado na finança e no comércio exterior, com o propósito de sustentar uma agressiva estratégia exportadora e de crescimento acelerado. A ação estatal cuidou, ademais, dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global.
Não é difícil perceber que as estratégias chinesas de expansão acelerada, impulso exportador, rápida incorporação do progresso técnico e forte coordenação do Estado, foram inspiradas no sucesso anterior de seus vizinhos, sócios e competidores.
Os sistemas financeiros que ajudaram a erguer os países asiáticos eram relativamente "primitivos" e especializados no abastecimento de crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores "escolhidos" como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso ia do financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade, da produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a liquidação da dívida.
Nos final dos anos 80, intensificaram-se as pressões externas para a liberalização cambial e financeira, o que levou às concessões que deflagraram a crise de 1997/1998. À exceção da China, os asiáticos, particularmente Coreia e Tailândia, aceitaram os termos da "desopressão" financeira: 1) a eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade dos agentes domésticos realizarem transações em moeda estrangeira que não decorriam de operações em conta corrente; 2) a liberação das taxas de juros, com restrição progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados e 3) a desregulamentação bancária, ensejando que os bancos locais pudessem ampliar as atividades para além do financiamento das empresas produtivas.
A internacionalização financeira, em vez da maior eficiência na alocação de recursos, levou, isto sim, à valorização cambial, à especulação com ativos reais e financeiros, à aquisição de empresas já existentes, ao sobreendividamento e, finalmente, à parada súbita e à fuga de capitais.
Depois da queda, os governos dos países asiáticos retomaram, em boa medida, o controle das políticas estratégicas. O governo coreano, por exemplo, resistiu às pressões estrangeiras para vender ou desmanchar os grandes conglomerados. Para justificar suas exigências os sabichões da mídia e do establishment americano falavam, então, de "crony capitalism", capitalismo de compadres. A expressão foi, mais tarde, tomada de empréstimo pelos críticos para caracterizar as relações incestuosas entre a política e a Grande Finança nos Estados Unidos. Um dos raros empréstimos seguros na farra do subprime.

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