quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Contra uma avalanche verde, aposta nos territórios do futuro

08 de fevereiro de 2012
[informe do Consea]


Lívia Duarte


Em 2001, o dicionário Houaiss não dava nenhuma notícia do que poderia ser “economia verde” – ao contrário da economia de escala, de guerra, de mercado, de palitos, dirigida, doméstica e muitas outras. Ainda agora, passados 10 anos, o conceito não pode ser compreendido com a clareza dos dicionários.
No entanto, já faz parte de documentos da ONU, acompanhados ou não da definição necessária aos conceitos que determinarão nosso jeito de viver. O documento “zero” da Rio+20 é um bom exemplo: o adjetivo “verde” acompanha o substantivo “economia” quase 40 vezes, em 20 páginas. No entanto, não achamos ali a definição para o novo conceito.
As possíveis definições constam em outras peças diplomáticas e no discurso de corporações e governos. E não parecem apontar para um modo de viver radicalmente diferente do atual, mas para o aprofundamento da forma de produção e consumo dominante no mundo, que gera desigualdades entre países e povos, além de múltiplas crises, como a ambiental.
Pablo Sólon, que foi embaixador da Bolívia na ONU, lembrou que no momento da convocatória, a Rio+20 deveria ter sido, fundamentalmente, um espaço de avaliação dos avanços de cumprimento da Agenda 21 (acordada na Eco 92) e, quem sabe, motivadora de seu fortalecimento.
A economia verde, no primeiro momento, era um tema em discussão. Algo secundário. Por pressões de diversos atores, especialmente países da União Europeia, se transformou em central – mesmo, segundo Sólon, não tendo aceitação unânime entre as nações.
Na opinião dele, a falta de definição do termo “economia verde” para a Rio+20 é um enorme risco. E não considera que estejamos falando apenas de um novo slogan: “Os entusiastas dizem que economia verde é tudo: separar o lixo, indústrias limpas, estar com Pachamama, vender créditos de carbono, tudo isso pode ser economia verde. E por isso não definir esta economia no documento. Se aceitamos isso, assinamos um cheque em branco”, avalia o ex-embaixador, explicando que a Rio+20 não será o lugar de fechar tratados.
“O que querem é o mandato para formular a arquitetura institucional necessária a criar este mercado de bens intangíveis. Depois, o processo vai se dar praticamente sozinho”, vaticina. E segue: “Se não temos uma posição categórica de repúdio à economia verde seremos cúmplices do lançamento de um dos maiores negócios de roubo da natureza que será lançado no Rio de Janeiro, em junho. É muito complicado porque há muitos interesses e um mercado multimilionário que não vai resolver nada, mas eles esperam, vai reverter as taxas decrescentes de lucro do sistema capitalista”.
E foi em busca de uma “outra economia” que representantes de entidades e movimentos sociais “críticos à economia verde” se reuniram no seminário “Rumo à Rio+20: Por uma outra economia”.
Além de expor alguns elementos que os fazem “críticos”, concluíram que para encontrar um novo modo de viver não é preciso sair do zero. Como sintetizou Maria Emília Pacheco, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), não faltam práticas à margem da hegemonia, além de conceitos em construção - o bem-viver, os bens-comuns, o decrescimento -; valores sendo reforçados, como a justiça ambiental; e lógicas que não se regem pela subordinação direta,  como a economia do cuidado – para a qual apontam as feministas - e a economia da reciprocidade, seguida por comunidades tradicionais e camponesas ao redor do globo.
Também a insurgência de novos direitos, estes coletivos, em oposição aos mecanismos de propriedade privada ou intelectual, podem ser levados em conta, somados aos direitos dos agricultores, dos povos e da natureza (como já figura em duas constituições latino-americanas).
O desafio, portanto, estará em tornar visíveis práticas tão plurais quando um encontro mundial do tamanho da Rio+20 aponta, exclusivamente, para a velha economia que vivemos, agora pintada de verde.
O seminário "Rumo à Rio+20: Por uma outra economia" for organizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ASPTA - Agricultura Familiar e Agroecologia; Fase - Solidariedade e Educação; FBSSAN - Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional; FBES - Fórum Brasileiro de Economia Solidária  e Núcleo Amigos da Terra Brasil e SOF - Sempreviva Organização Feminista.
* Texto [resumido] extraído do site www.fase.org.br.


Colunistas| 08/02/2012 | Copyleft 
DEBATE ABERTO

Rio+20: as críticas http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5450&boletim_id=1124&componente_id=17896

Os documentos preparados pela ONU para a Conferência Rio+20 trazem informações importantes sobre inovações de cuidado ambiental mas as propostas que fazem — resumidas no conceito de economia verde — são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes.

Antes da crise financeira, a Europa foi talvez o continente em que mais se
refletiu sobre a gravidade dos prolemas ecológicos que enfrentamos. Toda esta reflexão está hoje posta de lado e parece, ela própria, um luxo insustentável. Disso é prova evidente o modo como foram tratados pela mídia dois acontecimentos das últimas semanas, o Fórum Econômico Mundial de Davos e o Fórum Social Mundial Temático de Porto Alegre. 

O primeiro mereceu toda a atenção, apesar de nada de novo se discutir nele: as análises gastas sobre a crise europeia e a mesma insistência em ruminar sobre os sintomas da crise, ocultando as suas verdadeiras causas. O segundo foi totalmente omitido, apesar de nele se terem discutido os problemas que mais decisivamente condicionam o nosso futuro: as mudanças climáticas, o acesso à água, a qualidade e a quantidade dos alimentos disponíveis ante as pragas da fome e da subnutrição, a justiça ambiental, os bens comuns da humanidade. Esta seletividade mediática mostra bem os riscos que corremos quando a opinião pública se reduz à opinião que se publica.

O Fórum de Porto Alegre visou discutir a Rio+20, ou seja, a Conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável que se realiza no próximo mês de Junho no Rio de Janeiro, 20 anos depois da primeira Conferência da ONU sobre o tema, também realizada no Rio, uma conferência pioneira no alertar para os problemas ambientais que enfrentamos e para as novas dimensões da injustiça social que eles acarretam. 

Os debates tiveram duas vertentes principais. Por um lado, a análise crítica dos últimos vinte anos e o modo como ela se reflete nos documentos preparatórios da Conferência; por outro, a discussão de propostas que vão ser apresentadas na Cúpula dos Povos, a conferência das organizações da sociedade civil que se realiza paralelamente à conferência intergovernamental da ONU. Nesta crônica centro-me na análise crítica e dedicarei a próxima crônica às propostas.

As conclusões principais da análise crítica foram as seguintes. Há 20 anos, a ONU teve um papel importante em alertar para os perigos que a vida humana e não humana corre se o mito do crescimento econômico infinito continuar a dominar as políticas econômicas e se o consumismo irresponsável não for controlado; o planeta é finito, os ciclos vitais de reposição dos recursos naturais estão a ser destruídos e a natureza “vingar-se-á” sob a forma de mudanças climáticas que em breve serão irreversíveis e afetarão de modo especial as populações mais pobres, acrescentando assim novas dimensões de injustiça social às muitas que já existem. Os Estados pareceram tomar nota destes alertas e muitas promessas foram feitas, sob a forma de convenções e protocolos. As multinacionais, grandes agentes da degradação
ambiental, pareceram ter ficado em guarda. 

Infelizmente, este momento de reflexão e de esperança em breve se desvaneceu. Os EUA, então principal poluidor e hoje principal poluidor per capita, recusou-se a assumir qualquer compromisso vinculante no sentido de reduzir as emissões que produzem o aquecimento global. Os países menos desenvolvidos reivindicaram o seu direito a poluir enquanto os mais desenvolvidos não assumissem a dívida ecológica por terem poluído tanto há tanto tempo. As multinacionais investiram para influenciar as legislações nacionais e os tratados internacionais no sentido de prosseguir as suas atividades poluidoras sem grandes restrições. 

O resultado está espelhado nos documentos preparados pela ONU para a Conferência Rio+20. Neles recolhem-se informações importantes sobre inovações de cuidado ambiental mas as propostas que fazem — resumidas no conceito de economia verde — são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes: convencer os mercados (sempre livres, sem qualquer restrições) sobre as oportunidades de lucro em investirem no meio ambiente, calculando custos ambientais e atribuindo valor de mercado à natureza. Ou seja, não há outro modo de nos relacionarmos entre humanos e com a natureza que não seja o mercado. Uma orgia neoliberal.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

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