quarta-feira, 4 de agosto de 2010

1930, A revolução inconclusa

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/8/4/a-revolucao-inconclusa
Coisas da Política - Mauro Santayana
Jornal do Brasil - 04/08/2010

Há oitenta anos, nos primeiros dias de agosto, preparava-se a fase final da Revolução de 30. Como em todos os processos semelhantes, combinavam-se fatores objetivos e subjetivos, razões históricas e ambições pessoais de poder. Mas a principal causa da insatisfação, além da social, acabou sendo abafada pelas circunstâncias do momento: o problema da Federação, a necessidade de que a República tivesse o tamanho do Brasil, e não se limitasse aos estados mais poderosos. Essa razão, não obstante sua evidência, não era claramente exposta, a não ser pela acuidade de João Pessoa, então governador da pequena, mas importante, Paraíba.

Sabiam todos que o movimento era inevitável. Mais do que todos, sabia-o o presidente Washington Luís que nascido em Macaé sempre fizera política em São Paulo, estado de que fora governador no quatriênio 22-26. Seu raciocínio obedecia à presunção de poder dos paulistas, e rompia a política dos governadores, fundada no eixo MinasSão Paulo, não por considerá-la antirrepublicana e antidemocrática o que era mas por entendê-la como já desnecessária. A aliança, que o fizera presidente em 26, se firmara quando São Paulo e Minas mais ou menos se equivaliam em poder político e econômico. O grande desenvolvimento de São Paulo, do fim da Primeira Guerra Mundial a 1929, distanciara o estado de seu vizinho ao norte. A Depressão Econômica Mundial, que dava os seus primeiros passos, e os problemas internos reclamavam a solidariedade nacional. Isso recomendava concessões políticas e econômicas de São Paulo aos outros estados.

Como se sabe, o presidente tentou engambelar os mineiros e os gaúchos. Washington Luís enviou cartas pessoais a Antonio Carlos, governador de Minas, e a Getulio, do Rio Grande do Sul já anunciado candidato dos dois estados à Presidência afirmando que estava realizando consultas aos governadores sobre a sugestão de Minas. Na realidade, ele nem citava o nome de Vargas: pedia apoio a Júlio Prestes, governador de São Paulo. João Pessoa, em telegrama histórico, enviado à bancada paraibana na Câmara Federal, em julho de 1929, denunciou a manobra e negou apoio à candidatura do governador de São Paulo isso ainda em julho de 1929. A leitura de sua mensagem provocou intensa reação em todo o país. Nos 12 meses seguintes, a nação conheceu a crise. As eleições se realizaram em 1º de março de 1930. As fraudes foram evidentes e deram a vitória a Júlio Prestes contra Vargas. Em julho e agosto, todos sabiam que a revolução era iminente.

O assassinato do candidato a vice de Getulio, João Pessoa, foi fator emocional poderoso, galvanizou a opinião pública. O crime ocorreu no Recife, aonde o governador da Paraíba fora visitar um amigo hospitalizado, no dia 26 de julho. No dia 8 de agosto, seu corpo chegava ao Rio, onde foi sepultado. O mineiro Carlos Pinheiro Chagas falou, no desembarque do corpo, na Praça Mauá, com veemência revolucionária, e disse que João Pessoa devia ser enterrado como fora sepultado Clemenceau: de pé, com o coração acima do estômago, e a cabeça acima do coração.

O tempo os acossava: sem a aquiescência do novo governador de Minas, Olegário Maciel, empossado em 7 de setembro, não tinham como mobilizar o estado. Com seu assentimento, decidiram que seria no início de outubro. Com o esforço enorme para produzir clandestinamente em Minas armas e munições, e graças à habilidade de Olegário em tranquilizar Washington Luís, a insurreição começou em Porto Alegre e Belo Horizonte exatamente às 5 horas da tarde de 3 de outubro.


A revolução inconclusa

Coisas da Política - Mauro Santayana
Jornal do Brasil - 05/08/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/8/5/a-revolucao-inconclusa

Em de 5 de agosto de 1929 há 81 anos a Câmara dos Deputados realizou a mais memorável sessão parlamentar da nossa história republicana, não só pelo aceso dos debates mas também pela qualidade intelectual e autoridade política dos oradores. Tivemos outros confrontos parlamentares graves, como o da noite de 11 de novembro de 1955 (quando da tentativa de golpe contra a posse de Juscelino) e o das últimas horas do governo João Goulart, nos dias 1º e 2 de abril de 1964 mas nenhum deles na mesma altura. A Revolução de 30 se anunciou ali, antes mesmo da criação oficial da Aliança Liberal, nos discursos do arrojado gaúcho João Neves da Fontoura e do moderado mineiro José Bonifácio de Andrada. José Bonifácio explicou a posição de Minas como coerente: os mineiros não admitiam que a sucessão fosse decidida como imposição do presidente no cargo, sem ouvir devidamente as forças políticas dos estados. Por isso haviam vetado, antes, entre outras, as candidaturas de Bernardino de Campos, em 1906, e Pinheiro Machado, para a sucessão de Hermes da Fonseca, entre outras.

João Neves não se encontrava bem de saúde, naqueles dias, mas entendera como um desaforo ao Rio Grande o veto de Washington Luís à candidatura de Vargas, proposta por Minas, e compareceu à histórica sessão. Naquele momento, só as bancadas de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, com o apoio de algumas personalidades pernambucanas como Epitácio Pessoa se insurgiam contra o poderoso presidente da República. João Neves vai fundo em seu raciocínio, ao profetizar a solução armada para o conflito político, em raciocínio cortado pelos apartes:

Vou agora, senhor presidente, levantar a ponta do véu e provar ao país que, se nos encaminhamos amanhã para o prélio aceso das urnas e, quiçá, mais tarde para o prélio terrível das armas....

O tumulto se seguiu, com João Neves sendo acusado de pregar a solução armada para o problema político. Pouco a pouco, o orador voltou a dominar o plenário. Entre os seus objetivos estava o de rechaçar a proposta de conciliação de Washington Luís: a de oferecer a Getulio Vargas a candidatura a vice-presidente de Júlio Prestes. Diante da provocação do assunto, por Baptista Luzardo, João Neves é incisivo: o Rio Grande não aceitaria a posição subalterna que São Paulo lhe oferecia. E toca fundo no sentimento mineiro:

Minas pacífica, Minas vitoriosa, Minas vilipendiada por aqueles que assoalhavam nas esquinas a sua iminente divisão, respondeu numa unanimidade esmagadora, que é o primeiro marco da vitória liberal.

E, mais adiante, reforça o propósito da resistência:

O chefe do Executivo quis, com uma simples ordem, cancelar todos os expoentes da política brasileira, anular o poder dos estados dissidentes, simplificar o problema sucessório na pessoa de um só homem, como se a pátria fosse um deserto de incapazes, e, entre 40 milhões de brasileiros (a população da época), só houvesse um único continuador para a sua obra.

A Aliança Liberal, organizada para disputar a Presidência, se formou nas semanas seguintes, e se oficializou em convenção nacional, com a presença de delegados de todos os estados brasileiros, em 20 de setembro.

Iniciava-se o movimento que tem sido interrompido pela reação conservadora em episódios conhecidos: a contrarrevolução paulista de 32, o inevitável Estado Novo, a conspiração e a morte de Getulio, em 54, o golpe contra Jango, em 1964, o AI-5 de 1968.

Nenhum comentário:

Postar um comentário