terça-feira, 31 de agosto de 2010

O Estado e a internacionalização de empresas

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/8/31/o-estado-e-a-internacionalizacao-de-empresas
Autor(es): Ricardo Bernhard
Correio Braziliense - 31/08/2010
Diplomata de carreira. A opinião expressa no artigo é exclusivamente do autor e não reflete a posição do Ministério das Relações Exteriores.

Cerne do pensamento liberal, a crítica à ação do Estado como promotor do desenvolvimento econômico e favorecedor de grupos da população encontra, nos dias de hoje, caso especial de aplicação no âmbito das potências emergentes no cenário internacional. Governos de países como China, Índia e Brasil vêm instituindo políticas de estímulo à internacionalização de empresas, fenômeno que ganhou força natural no mundo em desenvolvimento no fim do século 20.

A tendência no Brasil é de expansão do volume de recursos públicos despejados em empresas dispostas a se internacionalizar, como se depreende do documento Termo de referência: internacionalização de empresas brasileiras, elaborado sob a coordenação da Câmara de Comércio Exterior e publicado em dezembro de 2009. É prudente, assim, analisar o assunto — e aplicar-lhe a crítica liberal.

Por meio do BNDES, o Estado desembolsou R$ 8 bilhões em financiamentos para internacionalização de empresas de junho de 2005 ao início de 2010. É um montante superior ao orçamento dos ministérios da Cultura, do Desenvolvimento, do Esporte e das Relações Exteriores, para o mesmo período; ultrapassa o valor das verbas destinadas ao programa Minha Casa, Minha Vida para este ano; deve pouco aos R$ 9 bilhões a serem investidos na construção de portos até 2013. Não se trata de valor desprezível e, caso não se demonstrem as implicações negativas dessa política, nada evitará que trilhe sua trajetória de aprofundamento.

JBS-Friboi, Camargo Corrêa, Odrebrecht, Votorantim, Gerdau: exemplos de empresas que contam com o apoio do BNDES em sua internacionalização. Alegadamente servindo ao desenvolvimento econômico e à consolidação da imagem do Brasil como potência emergente, aquele apoio tem como principal consequência o fortalecimento de grandes corporações, para prejuízo do povo. Como afirma Roderick Long, em artigo publicado no site do instituto Ordem Livre, “em um mercado livre, as empresas seriam menores e menos hierárquicas, mais locais e menos numerosas; os preços seriam mais baixos e os salários mais altos; e o poder das corporações estaria em ruínas. Não é à toa que as grandes empresas, apesar de elogiarem com frequência os ideais do livre mercado, tendem a se opor sistematicamente a eles na prática”. Para se transformarem em grandes empresas, “dependem da intervenção estatal no mercado (...) como subsídios e socorros financeiros.”

Felizmente, não vivemos mais sob um regime de restrição a transações externas. Nada impede que empresas realizem operações no exterior. Se a internacionalização das empresas brasileiras, por ausência de financiamento, não desfruta do vigor que se considera proporcional à pujança da economia nacional, a medida cabível não é utilizar a coerção do Estado para arrancar dinheiro do povo e emprestá-lo, a taxas subsidiadas, às corporações. Se o custo de captação de recursos no mercado inviabiliza movimentos de internacionalização, é de se pensar que o empurrãozinho do Estado produz investimentos externos artificiais, para a miséria pública e os benefícios privados.

Ainda que os financiamentos do BNDES se convertessem em impulso ao desenvolvimento, deveríamos apoiar a política de fortalecimento da Marca Brasil? Que sociedade ajudamos a constituir, ao sinalizarmos que a solução dos problemas comuns deve ser obtida não por transações voluntárias entre indivíduos, mas por uma instituição caracterizada pelo uso da força? Como o cronista americano Albert Jay Nock ressaltava, o verdadeiro liberal não observa só o fim imediato, mas os meios empregados para alcançá-lo.

O incentivo público à internacionalização de empresas representa meio equivocado e perigoso de se concretizar o objetivo de consolidação da imagem do país como potência emergente. Já são R$ 8 bilhões transferidos para grandes empresas, em operações artificiais de inserção externa. A tendência é de aprofundamento dessa “cooperação” compulsória para fortalecer a Marca Brasil. Nada mais apropriado do que recordar a principal lição no estudo da política, segundo Nock: “O poder que é dado ao Estado para fazer coisas para você implica um poder equivalente para fazer coisas contra você”.


Política fiscal enfrentará mudanças

Autor(es): Felipe Salto e Alexandre Andrade
Valor Econômico - 31/08/2010
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/8/31/politica-fiscal-enfrentara-mudancas
O próximo governo precisará adotar medidas de contenção da expansão da dívida mobiliária
A evolução da dívida bruta tem suscitado questionamentos a respeito do risco fiscal de médio e longo prazo. No curto prazo, a emissão de títulos da dívida mobiliária com o fim de conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) explicou boa parte da trajetória de alta mais expressiva do indicador. Mas a evolução das operações compromissadas, segundo principal componente da dívida bruta, tem concentrado parte importante na expansão da dívida quando analisado um horizonte de mais longo prazo.
Desde o fim de 2005, quando as reservas cambiais assumiram trajetória de alta, o Banco Central (BC) passou a acelerar a atuação no mercado aberto por conta da necessidade de esterilizar o efeito do aumento das reservas. As reservas cambiais aumentaram de R$ 118,1 bilhões em abril de 2006 para R$ 483,3 bilhões em dezembro de 2008. No mesmo período, as operações compromissadas passaram de R$ 86,7 bilhões para R$ 325,2 bilhões.
O outro condicionante do aumento das compromissadas é o avanço do crédito ao BNDES. Os desembolsos da instituição têm aumentado de forma expressiva, impactando o crédito total e exigindo enxugamento por meio das operações compromissadas.
Assim, para entender o que deve ocorrer com essas operações daqui em diante, investigamos três pontos: 1) a dinâmica esperada para as reservas, já que foram as principais responsáveis pelo crescimento das operações compromissadas, 2) como se dá, com mais detalhes, a relação entre reservas e compromissadas e 3) de que forma o aumento da atuação do BNDES tem exigido maior intensidade no enxugamento de liquidez.
O forte crescimento das reservas é reflexo do modelo de crescimento "adotado" pelo Brasil somado à atratividade externa. Com baixa poupança doméstica (pública, principalmente) e elevada poupança externa - déficits em transações correntes persistentes - o país cresce, mas a forte entrada de dólares exige que o Banco Central atue no mercado. Isso significa que, ao entrar comprando os excessos de divisas, o BC promove o aumento das reservas de forma acelerada, gerando expansão de reais na economia, que precisam ser esterilizados via operações no mercado aberto.
Sendo assim, a atratividade somada a crescimento gera necessariamente uma contrapartida: o aumento das reservas cambiais, que é positivo, porque amplia ainda mais o nosso seguro contra volatilidade externa, mas é negativo na medida em que gera custos fiscais em função da esterilização. Mesmo que obtivéssemos um aumento da poupança doméstica, nos próximos anos, reduzindo os déficits em transações correntes e, portanto, a necessidade de entrada de capitais para contê-los, necessariamente continuaríamos atrativos, "ceteris paribus", sob o pressuposto de que esse aumento de poupança doméstica viria por um esforço fiscal maior. Em outras palavras, continuaríamos atraindo capital externo e aumentando as reservas. Assim, é necessário entender o quanto será exigido no lado das operações compromissadas, para fins de esterilização.
Quanto ao BNDES, sabe-se que o avanço dos desembolsos nos últimos anos tem sido forte, com mudanças estruturais no curto prazo desde setembro de 2008, dada a atuação do Tesouro, que promoveu emissão de títulos robusta para conceder crédito ao banco. Além dessa fonte de recursos, o BNDES conta com os recursos do FAT e de outras fontes, o que, de fato, gera efeitos expansionistas. Mas os recursos advindos da emissão de títulos pelo Tesouro acabam tendo efeito monetário neutro, praticamente, já que os títulos emitidos, em primeiro momento, são depois monetizados para que o banco possa emprestar.
Realizamos um exercício quantitativo para avaliar as ideias acima descritas. Os resultados indicam que, para cada 1% de variação nas reservas, ocorreria uma variação na mesma direção das compromissadas em 1,1%, enquanto para uma variação de 1% nos saldos do BNDES, ocorreria uma variação positiva nas compromissadas da ordem de 0,65%.
A partir disso, pode-se dizer que 1) se é verdade que o Brasil manterá posição relativa favorável, nos próximos anos, crescendo e atraindo capital externo, as reservas continuarão a aumentar; 2) com isso, a probabilidade de que as operações compromissadas continuem a se expandir é alta, impactando a dívida bruta e exigindo austeridade fiscal ainda maior na contenção do avanço da dívida mobiliária; e 3) a manutenção da política expansionista pelo BNDES também constituiria fator de pressão sobre as operações compromissadas, sem mencionar o efeito da concessão de crédito via emissão de títulos públicos, que já produz impactos de curto prazo sobre a dívida bruta.
Tais conclusões indicam que o próximo governo precisará adotar medidas de contenção da dívida mobiliária, não apenas pela composição de uma política fiscal mais austera e que vise à redução mais rápida do déficit nominal do setor público, mas também pelo problema das operações compromissadas, que continuará pressionando o endividamento. Em outras palavras, a austeridade exigida será ainda maior e medidas expansionistas, definitivamente, precisarão ser abandonadas.

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