sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A Alteração do conceito de Dissuasão: Contributos para a sua conceptualização

p/ Major Paulo José da Conceição Antunes

Enquadramento Conceptual
De forma a permitir que as ideias a apresentar ao longo do trabalho sigam uma linha coerente e fundamentada, procura‑se de seguida transmitir quais os conceitos considerados essenciais e que funcionarão como ponto de partida para a análise e dedução das linhas de força da nova conceptualização da estratégia de dissuasão.
Dissuasão, em sentido lato, visa impedir uma potência adversa de, numa situação dada, recorrer a determinados meios de coacção em virtude da existência de um conjunto de meios e de disposições capazes de constituírem uma ameaça suficientemente desencorajadora” (TenGeneral Cabral Couto, 1988b, 59). A dissuasão é, essencialmente, um resultado de natureza psicológica: traduz‑se por uma inibição ou paralisia perante uma ameaça que se receia e que é de concretização possível e plausível. Como refere o TenGeneral Cabral Couto “a dissuasão é, essencialmente, o produto de dois factores: a capacidade material e plausibilidade (ou credibilidade); mas depende também da fidelidade de comunicação e da incerteza relativamente a determinadas incógnitas” (1988b, 60).
Ainda segundo o TenGeneral Cabral Couto “considerando que, a dissuasão assenta no receio de se sofrerem danos inaceitáveis em consequência da acção que se pretenderia levar a efeito, pode‑se afirmar que, a chave da dissuasão reside na capacidade de represálias e que a chave da iniciativa nuclear reside na capacidade de reduzir a represália do adversário” (1988b, 62).
Variados académicos ocidentais, nomeadamente norte‑americanos e ingleses defendem uma teorização complementar, que iremos utilizar ao longo do estudo:
Os conceitos serão apresentados consoante uma escala “gradativa” da forma como aplicam elementos inerentes à coerção, subjacente a cada um deles, constituindo‑se como variantes de acção estratégica dos actores do Sistema Internacional:
Indução (na terminologia anglo‑saxónica: inducement6) (Gray, 2003, 15).
O outro lado da moeda da dissuasão, ambas são estratégias que visam influenciar, uma baseada em sanções, a outra baseada em recompensas, assim como a dissuasão deve funcionar para reduzir a utilização das acções preemptivas, a estratégia de indução deve funcionar para diminuir a necessidade da estratégia de dissuasão.
Persuasão/Influência (na terminologia anglo‑saxónica: dissuasion) (Yost, 2003, 2)
 Visa persuadir/influenciaras outras potências a absterem‑se de iniciar uma “corrida aos armamentos” ou uma concorrência em matéria de capacidades militares convencendo o adversário da sua inutilidade8.
Dissuasão (na terminologia anglo‑saxónica: deterrence):
Segundo o dicionário do DoD dos EUA – “evitar uma acção pelo receio das consequências. É um estado mental provocado pela existência de uma ameaça credível de uma retaliação inaceitável”.9
Em sentido lato, significa persuadir um adversário a não iniciar uma acção específica em virtude dos benefícios percebidos não justificarem os custos e riscos estimados (Troxell, 2004, 179).
Apesar de existirem diversas abordagens na categorização das diferentes vertentes ao conceito de dissuasão, seguiremos a escolha de Colin Gray e consideraremos as seguintes (2003, 13):
– Dissuasão defensiva ou punitiva (retaliação):
Dissuasão defensiva ou por negação: baseia‑se na negação dos seus objectivos, convencendo o adversário de que este não os conseguirá atingir, devido à nossa intervenção.
Dissuasão punitiva: baseia‑se numa ameaça de punição, envolvendo a destruição de algo que o adversário valoriza (conceito de retaliação).
– Dissuasão geral ou imediata (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 475)10:
Dissuasão Geral: implica uma posição política de regulação da relação com um adversário e de equilíbrio de poder, durante um período de tempo que pode ser longo, através da manutenção de um nível de forças satisfatório. Na maior parte do tempo, os adversários não vêem a guerra como iminente ou próxima.
Dissuasão Imediata (ou pura): implica uma situação específica em que, um dos lados está a considerar seriamente a possibilidade de proceder a um ataque, enquanto o outro, está a preparar a ameaça de retaliação para impedir esse ataque, e em que ambos os lados percebem o que se está a passar.
– Dissuasão central ou alargada (Gray, 2003, 13)
Dissuasão Central, destina‑se a dissuadir ataques ao território nacional.
Dissuasão Alargada, destina‑se a alargar a cobertura dissuasora aos seus aliados e amigos.
– Diplomacia Coerciva (Morgan, 2003, 3)
O uso ou a ameaça do uso da força por um estado (ou actor) para conseguir atingir os seus propósitos.
– Compulsão (na terminologia anglo‑saxónica: compellence ou compellance) (Morgan, 2003, 2)
O uso de ameaças com a finalidade de manipular o comportamento do adversário para que este interrompa uma acção indesejada já em curso ou faça algo que não previa fazer.
– Preempção e Prevenção (Gray, 2003, 15)
O conceito de Preempção (ou ataque preemptivo) significa atacar primeiro (por antecipação) para fazer face a uma ameaça existente, cuja acção está iminente. A diferença entre os dois conceitos é simplesmente o tempo (ou o timing). Um ataque Preventivo entende‑se como, uma acção ofensiva contra uma ameaça identificada (potencial) antes de se tornar uma ameaça iminente.

II. A renovação dos conceitos de Segurança
“The gravest danger our Nation faces lies at the crossroads of radicalism and technology. Our enemies have openly declared that they are seeking weapons of mass destruction, and evidence indicates that they are doing so with determination”.
George W. Bush, Presidente dos EUA25
Temos um novo ambiente estratégico caracterizado por novas ameaças à Segurança e Defesa. Confirmámos a necessidade de renovação do conceito de dissuasão consoante esta existia no período da Guerra‑Fria. Analisaremos de seguida quais as principais mudanças ocorridas nas estratégias de segu rança dos Estados.
Na década de 90, o conceito de dissuasão perdeu parte da sua validade em virtude do novo alinhamento de poderes no sistema internacional. Os acontecimentos de 11 de Setembro precipitaram o (re)aparecimento do conceito de preempção e prevenção. Foi esta a forma utilizada pela administração norte‑americana para combater o terrorismo transnacional.
A base de análise de que nos vamos socorrer é a da evolução recente da estratégia de segurança dos EUA. A escolha deriva do seu estatuto de única superpotência, liderando o processo de renovação estratégica e na influência que a sua política externa exerce sobre os restantes países ocidentais e mundiais, especialmente expressa numa postura unilateralista, afastando‑se de uma atitude multilateralista da década de noventa.
Esta opção surge da actual letargia das principais Organizações Interna cionais, ONU e NATO. Segundo o General Loureiro dos Santos “estas organi zações apenas reflectem as relações de forças que elas próprias, no seu seio, definem, dando origem a um conjunto de parceiros, unidos por interesses comuns, entre as quais vigora uma hierarquia de autoridade que depende do poder de cada uma. A NATO reflecte essencialmente as estratégias que os EUA pretendem prosseguir, dada a existência de um abissal desequilíbrio entre a capacidade da superpotência e os restantes membros. (…) a Organização das Nações Unidas (ONU) que, no que respeita a assuntos de segurança cruciais, reflecte o interesse resultante das relações de força entre os seus membros, em especial dos membros permanentes do Conselho de Segurança, de que frequentemente resulta a sua paralisia” (2001, 43).
II.1.    A nova “tríade” nuclear estratégica
A frase do presidente dos EUA com que iniciámos o presente capítulo, caracteriza o perigo real decorrente do terrorismo transnacional e armas de destruição maciça se cruzarem. Depois dos violentos atentados de 11 de Setembro poucos duvidarão que se a rede terrorista Al Qaeda conseguir apoderar‑se de ADM as empregará efectivamente.
Os EUA tornaram públicos vários documentos oficiais que traduzem a actual postura estratégica norte‑americana26.
O documento relativo ao combate às ADM realça a necessidade de modificação do conceito de dissuasão, partindo da constatação que as ameaças actuais são muito mais diversas e imprevisíveis. Considera também que os estados hostis têm demonstrado a vontade de aceitar riscos elevados na prossecução dos seus objectivos, exercendo o seu esforço na aquisição e desenvolvimento de ADM e respectivos vectores de lançamento, como um dos seus principais meios para atingir os seus fins. Assim os EUA declaram o direito de responderem de forma esmagadora, recorrendo a todas as opções disponíveis (incluindo o recurso às forças estratégicas nucleares), em resposta a um ataque com ADM contra os EUA, contra as suas forças no exterior ou contra os países amigos e aliados – dissuasão pela punição, por outro lado a componente defensiva tentará evitar os efeitos desse ataque – dissuasão pela negação.
Independentemente da evolução do processo de desarmamento nuclear entre os EUA e Rússia, estes manterão sempre uma capacidade nuclear elevada27, especialmente pela tendência de um maior número de potências disporem de armamento nuclear e de arsenais crescentes (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 502).
Existem também alguns factores imutáveis para uma dissuasão eficaz: as capacidades reais e a percepção de uma vontade nacional credível para responder a uma agressão.
Considerando que a dissuasão assentava no receio de se sofrerem danos inaceitáveis em consequência da acção que se pretenderia levar a efeito, nesta perspectiva André Beauffre afirmou que “o valor da dissuasão depende, não do poder da força de ataque, mas sim do seu próprio poder remanescente depois da primeira salva sofrida, logo, da sua capacidade de sobrevivência” (2004, 93).
A estratégia de dissuasão nuclear dos EUA assentava na capacidade de retaliação produzindo danos inaceitáveis, na denominada “tríade” nuclear estratégica constituída por: bombardeiros estratégicos de longo alcance, mísseis balísticos inter‑continentais (ICBM) e mísseis balísticos montados em submarinos (SLBM), conjugada com um sistema de aviso prévio e de sistemas de comando, controlo e comunicações que evitassem a execução de um ataque de surpresa. Adicionalmente esta tríade era complementada com a existência de um arsenal de armas nucleares tácticas e de teatro que garantiam uma capacidade efectiva de resposta a um ataque através de uma crescente escalada de meios.
Em Maio de 2001, o presidente George W. Bush sublinhou que “a nova conceptualização da dissuasão basear‑se‑á em forças ofensivas e defensivas”. Nesse sentido a “Nuclear Posture Review” (NPR) de 2002 confirmaria uma nova tríade estratégica, consistindo em:
– Forças ofensivas de ataque (constituídas pela “antiga” tríade e por forças de ataque não nucleares28);
– Forças defensivas;
– Infra‑estruturas de defesa.
Estes três elementos constituintes funcionam conjuntamente, apoiados por sistemas sofisticados de comando e controlo e informações (intelligence). As forças de ataque não nucleares encerram as potencialidades conferidas pelo avanço tecnológico nas capacidades de intelligence, observação e reconhecimento, assim como na precisão de aquisição de alvos29. Estas capacidades garantem uma mais valia à utilização de armamento convencional, tornando‑o uma alternativa credível ao emprego das armas nucleares, na medida em que não produzem o mesmo nível de impacto moral subjacente à utilização da “arma absoluta”, sem elevar o patamar de confrontação.
 Fonte: Strategic Offensive Forces and the Nuclear Posture Review’s
“New Triad”. March 2003. National institute for Public Policy. USA.
Esta nova formulação de tríade estratégica apesar de “suavizar” a utilização das armas nucleares continua a conferir‑lhes uma posição central na doutrina estratégica contida na NPR. Analisando as principais alterações traduzidas nesta revisão da postura nuclear, podemos referir que às forças ofensivas (de retaliação) se adicionou as capacidades convencionais, nomeadamente pelas potencialidades das munições de precisão (em contraponto com os efeitos produzidos pelas armas nucleares). As capacidades defensivas apresentam duas vertentes, uma passiva, visando a protecção, outra activa, de negação.
Ao nível da NATO apesar de se procederem a estudos relativamente a viabilidade de construção de um sistema de defesa balístico, as suas forças nucleares “têm uma função fundamentalmente política: preservar a paz e prevenir a coerção. Estas forças fazem com que uma agressão contra a NATO implique riscos incalculáveis e inaceitáveis, o que não seria possível de garantir recorrendo apenas a forças convencionais. Juntas com as capaci dades convencionais criam a incerteza para qualquer país que possa considerar tirar qualquer vantagem política ou militar através da ameaça ou da utilização de ADM contra a Aliança”. (NATO Handbook, 2001, 61)
No futuro, embora consideremos que continue a ser essencial, a componente de retaliação será complementada com uma componente de negação. Num patamar diferente de actuação, podemos antever uma acção de carácter multidimensional que podemos designar por desencorajamento.
negação, como vimos anteriormente visa impedir que o adversário atinja os seus objectivos, evoluirá para um sistema de defesa balística instalado no território e incluindo a capacidade de parte desse sistema acompanhar as forças militares no exterior. A favor deste argumento, Loureiro dos Santos refere que “foram ultrapassadas as duas dificuldades iniciais, a primeira de ordem tecnológica, cuja evolução permite aos EUA avançarem com o projecto, a segunda dificuldade prendia‑se com as limitações impostas pelo tratado ABM30”, a que os EUA já renunciaram, embora com os protestos meramente formais da Rússia, em virtude da aproximação proporcionada pela luta contra o terrorismo desde os acontecimentos de 11 de Setembro. (2003, 38) Como factor importante é de registar a adesão ao programa de defesa balística dos EUA de várias potências asiáticas, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Austrália (Santos, 2004, 42).
Já na vertente do desencorajamento, esta segundo Dougherty e Pfaltzgraff, consubstancia‑se numa acção multi‑disciplinar envolvendo a componente militar, política, económica e tecnológica de forma a persuadir os potenciais adversários da inutilidade de um ataque ou ameaça de ataque, completado pelas mais valias de uma política de cooperação internacional (2003, 502). Neste particular como refere o General Loureiro dos Santos, os EUA anunciaram um plano para o Grande Médio Oriente (Great Middle East Plan), destinado ao mundo islâmico e envolvendo os seus governos, desde Marrocos até ao Afeganistão, com a finalidade de combater o terrorismo, retirar‑lhe base de sustentação e promover regimes democráticos (2004, 36). Este plano procura complementar a acção política‑estratégica com as outras linhas de actuação estratégica, política, ideológica, económica e social, consubstanciando uma estratégia verdadeiramente global de luta ao terrorismo.
Podemos agora inferir que o conceito de retaliação continua a ser essencial, prevendo‑se que no futuro, com o desenvolvimento de sistemas de defesa balístico (dissuasão pela negação) a retaliação venha a reduzir a sua importância. Esta avaliação é feita considerando que analisamos o confronto entre duas potências nucleares de capacidades simétricas. Já na situação de dissuasão no confronto entre uma pequena potência nuclear e uma super potência, a análise do factor retaliação não adquire valor devido ao facto que a correlação de forças apresenta um desequilíbrio acentuado para a superpotência, isto é o ataque da pequena potência nunca porá em causa a capacidade de retaliação do seu opositor, enquanto que o ataque da superpotência produzirá sempre danos inaceitáveis. Por último face a uma situação de dissuasão de uma organização não estatal possuidora de ADM e uma potência nuclear a questão perde sentido pois a retaliação (produção de danos inaceitáveis) não tem objectivação face à desterritorialização do opositor. Esta situação é bem expressa na DMDM/02 onde se salienta que “a perspectiva de dissuasão alterou‑se qualitativamente, deixando de ter significado a capa cidade de provocar baixas inaceitáveis a um agressor que se autodestrói, que não tem base territorial – e, se a tem, não se fixa – e que, simultaneamente, mais do reivindicar objectivos, critica valores, comportamentos ou modelos de actuação estratégica”.(DMDM/02, 3)
II.2.    A proliferação de ADM
The Iraq War [is] the first case in which forcible regime change was the means employed to achieve non‑proliferation ends.
Robert S. Litwak, Georgetown University (2003, 7)
Como referiu Adriano Moreira, “países sem capacidade de sustentar ao mesmo tempo uma política armamentista e uma política de desenvolvimento, como por exemplo a União Indiana, o Paquistão, a Coreia do Norte, envidaram esforços para conseguir possuir armas de destruição maciças das gerações mais primitivas (…) A disseminação das competências e saberes, contrariamente às políticas anunciadas e aos tratados celebrados, processa‑se por um mercado incontrolado em que a oferta tem titulares conhecidos e identifi cados”. (1999. p. iii.)
Como elementos de combate à proliferação temos o Tratado de Não‑Prolife ração, com cerca de cento e quarenta países aderentes. Também a Agência Internacional para a Energia Atómica (AEIA) se destina a bloquear a disseminação, incluindo o controlo da circulação da tecnologia. A este propósito o General Loureiro dos Santos diz que os acordos internacionais sobre não‑prolife ração não se têm mostrado eficazes. Assim, “países como o Irão, a Síria e a Líbia têm possibilidade de dispor de capacidades ADM a relativamente curto prazo. Sendo os países “proliferadores”: a Rússia e a China”. (2001, 52) Sobre este assunto salienta ainda a ideia de que além da proliferação da tecnologia nuclear, verifica‑se também a transferência de “tecnologia de mísseis, que permitirão lançar projécteis com armas de destruição maciça a longas dis tâncias”. Ora esta situação pode “pôr em causa a actual situação de dissuasão punitiva ou ofensiva, obtida pelo temor de, face a um ataque nuclear (ou mesmo uma acção de nível inferior), sofrer uma resposta com ADM” (2001, 52). Ainda segundo o General Loureiro dos Santos “estes factos levaram a que em 1999, os EUA tivessem decidido instalar sistemas de defesa anti‑míssil que constituam um escudo protector contra essa ameaça, não só do território nacional (National Missile Defense, NMD), mas ainda das suas forças no estrangeiro (Theater Missile Defense, TMD)” (2001, 53). Outro factor revelador do empenho dos EUA no seu desenvolvimento conforme revela o mesmo autor, diz respeito a que “o investimento previsto financeiramente tem sido rigorosamente cumprido, pese embora o elevado esforço adicional decorrente das campanhas militares tanto no Iraque como no Afeganistão31.
Da análise das novas ameaças, vistas anteriormente, deu‑se realce ao perigo de cruzamento entre estados párias, terrorismo transnacional e destes com as ADM. Segundo afirma Luís Leitão Tomé é inegável que existem grupos terroristas interessados na aquisição de mísseis e de ADM para fins criminosos ou de chantagem. Do mesmo modo, é indesmentível que certos estados párias procuram igualmente adquirir esse tipo de armamento. A associação de estados párias que disponham de ADM as utilizem ou as façam chegar a grupos terroristas, que, por sua vez, as utilizarão, configura a hiper‑ameaça na actualidade para a segurança internacional. (2003, 109)
Os factores acima referidos confirmam a actualidade da frase do CorTir Rodrigues Viana escrita em 1995; “a proliferação de potências com armas de destruição maciça tornou‑se uma das mais sérias ameaças à Paz e à Segurança internacionais do pós‑Guerra Fria”. (1995, 85)
Outra constatação importante referida pelo mesmo autor é a de que grande parte dos países que detêm ou procuram obter ADM enquadram regimes politicamente instáveis, dispõe de sistemas de comando e controlo primitivos e numa situação de crise, não parece de excluir que possam ameaçar ou mesmo empregar esses mísseis balísticos com ogivas não convencionais. “As implicações estratégicas da possibilidade de emprego desses meios contra‑cidades, farão aumentar os receios de danos inaceitáveis e, consequentemente, aumentarão as pressões para o lançamento de ataques preventivos em situações de crise” (Viana, 1995, 102).
A posse de armas nucleares por um Estado continua a constituir um factor determinante das suas potencialidades, estabelecendo uma nítida diferenciação entre as potências que as possuem e as restantes. Como refere o CORT Rodrigues Viana o acesso à arma nuclear continua a ser visto “como um símbolo de prestígio e de autoridade entre os Estados. A percepção que tende a prevalecer é a de que um Estado que possa apoiar‑se em tais armas para a consecução dos seus objectivos externos, apresenta um significativo valor acrescentado à sua capacidade de negociação; e mesmo que o seu potencial nuclear não seja suficiente para garantir uma adequada protecção face aos interesses das grandes potências, ele acaba por ser importante no contexto da disputa pela hegemonia regional” (1995, 104), como pudemos observar na recente ameaça de escalada no conflito entre a Índia e o Paquistão.
Segundo o General Loureiro dos Santos o aumento do número de potências com capacidades ADM e de tecnologia de mísseis “conduz a uma maior probabilidade de eclosão de um conflito aberto por acidente, bem como a possibilidade de se verificar uma atitude irracional por parte de um líder político. Aliás os motivos e regras básicas da dissuasão ofensiva que a tornaram eficaz num mundo bipolar (como acontecia durante a Guerra Fria) não são os mesmos de um mundo multipolar ou de um mundo unipolar, mas com vários pólos possuidores de capacidade de uso de ADM” (2001, 53).
Já relativamente à proliferação de pequenas potências, devemos segundo o CorTir Rodrigues Viana, separar a nossa análise no âmbito global da dissuasão e no âmbito regional. Relativamente ao primeiro cenário esta proliferação constituiu‑se como factor perturbador na medida em que as grandes potências sentem os seus territórios ameaçados. A situação pode ainda assumir contornos de maior perigo se essas pequenas potências forem politicamente instáveis, entrando na categorização de estado pária. Esta situação, pela ameaça que coloca na grande potência, poderá despoletar acções preventivas sobre a pequena potência. Ao nível regional, essa proliferação gera um efeito multiplicador de outros estados nucleares, de forma a restabelecer o equilíbrio instável, visto que a dimensão dos seus arsenais é insuficiente para gerar uma capacidade retaliatória, essencial para uma dissuasão estável (Viana, 1995, 110‑111).
As intervenções norte‑americanas na 1ª Guerra do Golfo, na Bósnia, no Kosovo e mais recentemente no Afeganistão e Iraque trouxeram à evidência a superioridade esmagadora das suas forças convencionais no moderno campo de batalha. Esta situação no entanto pode conduzir a que qualquer seu potencial adversário face à dissimetria relativamente às forças convencionais da superpotência tenderá a socorrer‑se de meios que lhe possibilitem contrariar essa superioridade, sendo de admitir que as ADM, assim como os necessários vectores de lançamento, poderão constituir‑se como um elemento dissuasor de futuras intervenções não só dos EUA, mas também das organizações internacionais de segurança colectiva.
Podemos então concluir com base na análise feita que a contra‑proliferação continua a ser uma das grandes preocupações dos estados do sistema internacional, fundamentalmente se os futuros detentores forem estados párias, politicamente instáveis ou organizações terroristas transnacionais.
II.3.    A doutrina de intervenção
A mudança espelhada na National Security Strategy (NSS) dos EUA traduz‑se numa primeira análise como refere Carlos Gaspar na “redefinição das ameaças aparecendo como prioritárias as ameaças transnacionais e internas, incluindo os regimes despóticos e os Estados falhados, as redes terroristas e os movimentos pan‑islâmicos. A doutrina de intervenção muda quando se substitui a dissuasão estratégica e a contenção pela guerra preventiva e preemptiva contra os regimes iníquos”. (2003b, 168)
O 11 de Setembro produziu uma mudança na política externa dos EUA e na sua atitude enquanto actor internacional. Este facto provocou um afastamento da postura multilateral junto da NATO, que por esse motivo não participou directamente na intervenção no Afeganistão, optando por um modelo de envolvimento bilateral nas questões relativas à segurança, passando a ser a missão a definir a coligação.
Carlos Gaspar afirma que “o sentido da revisão estratégica desde o 11 de Setembro parece orientar‑se para a consolidação do regime unipolar norte‑americano e a mudança do modelo de ordenamento internacional pela demonstração militar da supremacia dos Estados Unidos. O método da revisão é a luta contra o terrorismo e a tirania, cuja violência imprevisível ou suicida legitima a guerra preventiva unilateral e as coligações flutuantes, que servem para desfazer o modelo constitucional da Guerra Fria e provocar uma dinâmica de instabilidade, na qual se constrói um modelo alternativo de ordenamento internacional”. (2003b, 174)
No entanto, esta mudança estratégica sofre o seu primeiro revés nas enormes dificuldades sentidas pelos EUA em manter sob controlo a situação no Iraque, pois a intensidade da resistência provocou um estado de inse gurança que, inviabiliza os trabalhos de reestruturação do país, bloqueando o progresso político, o que levou, segundo o General Loureiro dos Santos, a uma reflexão sobre a estratégia adoptada. Não só no Iraque, mas em todo o mundo (2004, 27). Apesar de se poder questionar se realmente os EUA procederam a essa inversão32, deixando de lado a postura eminentemente unilateral, conseguiram assim a aprovação de uma segunda resolução sobre o Iraque pela ONU, mostrando vontade política de procura do entendimento e de negociação (Santos, 2004, 29).
Esta inversão confirma a ideia de Colin Gray, “as acções preventiva/preemptiva são uma opção necessária como estratagema ocasional e não como fundamento de uma escolha estratégica. Além das incertezas nos resultados da acção militar, os custos tanto domésticos como as consequências na opinião pública e governos internacionais seriam demasiado onerosos” (2003, vi). A mesma opinião é partilhada por Lawrence Freedman que refere que “a preempção confere benefícios limitados como orientação para a futura política de segurança dos EUA” (2004, 4).
A definição de uma estratégia nacional de segurança e num breve período de tempo, proceder a uma inversão na sua aplicação, poderá indiciar que a opção feita pela acção preventiva em detrimento de outras, poderá ter sido uma opção propositadamente provisória, para fazer face aos acontecimentos de 11 de Setembro, ou o resultado da incapacidade dos EUA de lidar com a situação no Iraque. Tanto uma explicação como a outra, não ajudam na regulação do sistema internacional, urgentemente a necessitar de uma ordem que, facilite as relações entre os Estados e que, possibilite uma união de esforços no combate ao terrorismo transnacional.
III.   A construção de um modelo actual do Conceito de Dissuasão
III.1.   Considerações iniciais
Importa antes de avançarmos com a identificação das ideias‑força para o levantamento de um modelo possível para a conceptualização da dissuasão, assentar alguns conceitos fundamentais.
No corpo de conceitos definiu‑se a terminologia de: dissuasão (deterrence), compulsão (compellence), persuasão (dissuasion), indução (inducement), preempção (preemption) e prevenção (prevention).
Para auxiliar a compreensão dos conceitos apresentados, vamos de seguida tentar perceber como estes conceitos se podem interligar de forma a cobrir todo o espectro de formulação de uma grande estratégia.
Relativamente à dissuasão (deterrence) podemos complementar a sua caracterização referindo que o seu objectivo é pela manutenção do status quo, ou como uma estratégia negativa, de não acção. A opção de ser dissuadido é uma opção que fica estritamente nas mãos da entidade que se pretende dissuadir. A dissuasão pelapunição, é traduzido na ameaça de emprego de formas de coacção militar, nas palavras de Lawrence Freedman em que este tipo de dissuasão consiste no “uso da coacção pura, em que ao adversário não lhe é negada a opção de escolha, mas existe um vigoroso incentivo para adoptar uma determinada opção” (2004, 37). A dissuasão pela negação dos seus objectivos, poderá ser traduzida nas forças defensivas da nova “tríade” nuclear estratégica dos EUA, em que o sistema de defesa balístico impedisse, independentemente do vector de lançamento, que este atingisse o seu alvo. Em ambos os casos, por negação ou por punição, assume‑se que o adversário percepciona correctamente a relação custo‑benefício e responde racional­mente baseado nesse cálculo. No entanto este é um assunto que não é consensual como referem Davis e Jenkins “um oponente «irracional» que aceite a destruição ou perdas desproporcionais poderá não ser dissuadido”. (2002, 60)
No que diz respeito à dissuasão geral esta tende a aproximar‑se do conceito de persuasão/influência (dissuasion) (Gray, 2003, 29).
Relativamente à dissuasão imediata ou pura, um exemplo da sua aplicação com sucesso, foi o da ameaça feita a Saddam Hussein na 1ª guerra do Golfo (1991), caso este utilizasse ADM, os EUA retaliariam utilizando as suas forças estratégicas nucleares33. Como exemplo de insucesso aponta‑se as manobras de índole combinada, entre forças convencionais dos EUA e dos Emiratos Árabes Unidos (EAU), que não obtiveram efeito dissuasor sobre as forças iraquianas que mais tarde invadiram o Kuwait (Troxell, 2004, 190).
Como exemplo de aplicação da dissuasão alargada, apresenta‑se a dissuasão proporcionada pelos EUA à Europa, pelas suas forças convencionais e nucleares contra eventuais adversários que a ameacem.
Em relação à estratégia de compulsão podemos caracterizar este conceito pela procura da alteração do “status quo”, ou como uma estratégia positiva, de acção.
Segundo Patrick Morgan “a distinção entre os dois conceitos, dissuasão e compulsão é bastante abstracta, numa confrontação frequentemente são utilizadas em conjunto e virtualmente indistintas”. É nesse sentido que, este académico considera que se deve pôr menos ênfase na distinção entre os conceitos de dissuasão e compulsão, mas sim considerá‑los como componentes interrelacionados da diplomacia coerciva (2003, 2).
Já relativamente ao conceito de persuasão/influência e segundo o TCor Ribeiro Braga este é um conceito que visa canalizar o comportamento de potenciais adversários para que estes não se venham a tornar ameaças, desencorajando‑os a competir militarmente com os EUA. Como principais alvos de atenção, estão países que se encontram em ascensão como a China e a Índia ou a Rússia caso voltasse a adquirir capacidade económica34.
Tanto o conceito de persuasão/influência como o de dissuasão geral não são especificamente dirigidas a um adversário, são genéricos. Tanto num caso como noutro, a última palavra fica do lado da entidade a dissuadir ou persuadir.
A utilização combinada das estratégias de indução e de dissuasão, constitui uma boa fórmula para a resolução dos problemas estratégicos, ajustando‑se a cada passo do processo, a velha história do “pau” e da “cenoura”.
As acções preemptiva e preventiva vistas de forma estrita, constituem‑se como uma forma alternativa à estratégia de dissuasão. Entendendo que a dissuasão tem como objectivo evitar a guerra por intermédio da ameaça do uso da força, mas este facto não evita que não devemos preparar‑nos para que ela aconteça caso a dissuasão falhe; as acções preemptivas/preventivas visam eliminar ameaças iminentes ou potenciais que futuramente conduziriam a uma guerra em condições mais vantajosas para o adversário. O balanceamento entre o modo de acção estratégica resulta de considerarmos ou não possível o êxito da dissuasão. A adopção de medidas de carácter mais ofensivo, a Compulsão e a Preempção/Prevenção devem ser utilizadas nas situações conflituais onde a Dissuasão não teve sucesso ou pelo facto de se considerar que não é aplicável. Daí se entenda que a mudança de regime no Afeganistão (Estado falhado) e a destruição de uma das principais bases da Al Qaeda que aí operavam assume uma lógica de acção estratégica correcta, onde a Dissuasão já não fazia sentido e a Preempção deve actuar.
A discussão surge no modo como classificamos essa ameaça e quão iminente será a sua acção. Podemos considerar que, um bom exemplo de uma acção preemptiva foi o lançamento da ofensiva de Israel sobre o Egipto, na guerra dos seis dias, antecipando‑se ao ataque da coligação árabe que se encontrava pronta para ser lançado. Já no caso da invasão do Iraque pelos EUA, dificilmente se aceita como acção preemptiva, em virtude da ameaça iminente materializada na existência de ADM, não terem sido encontradas, nem sequer indícios fortes da sua produção.
Entre uma acção preemptiva e uma preventiva, numa primeira análise a diferença que realça entre ambos é a perspectiva temporal. Por outro lado, como refere Jeffrey Record “tendo em consideração a legalidade de um acto, um ataque preventivo pode não se distinguir duma agressão directa sem justificação legal, em contraste, um ataque preemptivo seguindo um quadro estritamente legal pode considerar‑se como legítima defesa”. (2004, 2)
Outra questão levantada pela mudança aparente do modo de acção estratégico da administração norte‑americana35, é relevada por Lawrence Freedman afirmando que ao “mudarem da dissuasão para a prevenção/preempção os EUA abrem um precedente que pode vir a ser utilizado por outros Estados, como justificação para intervenções militares encapotadas pela justificação de uma acção preemptiva”. (2004, 4)
No entanto, Colin Gray reconhece que as acções preemptivas poderão ser extremamente úteis, por vezes até essenciais, como instrumento de acção estratégica ocasional contra políticas inaceitáveis e que revelem comportamentos e posturas claramente em desrespeito da lei e atentatórias dos direitos humanos. Podem mesmo ser adoptadas como prática corrente contra inimigos não estatais (2003, 9). O conhecimento geral de que, um Estado tenha a reputação de sem hesitações lançar acções preemptivas militares, poderá ser um excelente contributo para auxiliar a tomada de decisão do adversário, no sentido de aceitarem a situação promovida pela dissuasão (2003, 27). Mas não deve ser considerada como a base fundamental de uma estratégia total ou grande estratégia. No entanto como refere Daniel Zajac “a utilização de estratégias preemptivas e preventivas não é nova no pensamento estratégico norte‑americano, nunca tinha era sido tão claramente expressa”. (2003, 58)
A estratégia de dissuasão, como vimos anteriormente, não oferece uma garantia absoluta que proporcione a confiança total na sua aplicação36. Colin Gray considera que as duas principais alternativas, a prevenção/preempção e a estratégia de indução, em posições opostas no espectro de uma grande estratégia, também não conferem garantias de sucesso absoluto. Assim, a dissuasão pode falhar da mesma forma que a acção militar ou as tentativas de apaziguamento e conciliação (2003, 26). Este parece ser o caso paradigmático das relações externas entre os EUA e Cuba ou entre os EUA e a Coreia do Norte, quanto aos efeitos práticos da dissuasão.
III.2.   A Dissuasão como resultado do contexto sistémico – Factores a ponderar
A caracterização do sistema actual contemporâneo efectuada no primeiro capítulo forneceu‑nos os primeiros dados para a construção de um modelo actual para a dissuasão. Foi então considerado que diminuiu a hipótese de eclodir um conflito entre as principais potências, este facto foi considerado por Patrick Morgan referindo que a dissuasão “é moldada pelo contexto sistémico em que opera, em particular pelos conflitos. A escala e a intensidade dos conflitos determinam a sua importância, a sua função, utilidade e modo de operar. Assim, se a relação entre as grandes potências actualmente é marcadamente diferente do passado, a dissuasão será também diferente” (2003, 242).
Outro dado importante ocorre da consciência que o poder hegemónico actualmente detido pelos EUA leva a que as restantes potências tentem contrariá‑lo procurando uma evolução de cariz mais multipolar. De certa forma este foi o sentido da oposição da Alemanha e da França relativamente à acção militar norte‑americana sobre o Iraque. Outra dedução a retirar consiste na opção unilateral dos EUA. Sendo detentores de uma capacidade militar esmagadora, não se quiseram sujeitar a ter que enfrentar no seio da ONU, no âmbito do seu Conselho de Segurança, a oposição declarada da França fazendo uso do seu poder de veto.
Segundo Patrick Morgan “é quando a hegemonia entra em declínio que os conflitos, especialmente entre as grandes potências, surgem para desafiarem essa hegemonia” (2003, 243). De qualquer forma torna‑se difícil prospectivar qual o sentido de evolução futura, no entanto não podemos esquecer que a competição económica existe e poderá ser o factor determinante num futuro a médio prazo. Admitindo que a postura norte‑americana expressa na tendência intervencionista, nomeadamente no campo militar, acarreta elevados custos que poderão trazer consequências negativas sobre as restantes actividades precipitando o seu declínio.
A forma como as grandes potências37 se entenderem no futuro terá influência decisiva na evolução do conceito de dissuasão. Aceitando que a maioria destas partilham valores democráticos38, essa evolução irá depender de certa forma do modo como se conseguirem relacionar ao nível das grandes Organizações Internacionais, ONU e NATO, acreditando que é nesses fóruns privilegiados que se poderá construir os alicerces de uma nova ordem, na defesa de valores comuns e apostando na força do Direito Internacional como principal garante da paz e estabilidade mundial.
Este quadro de não conflitualidade entre as grandes potências releva a importância das ameaças que se configuram actualmente – os estados párias e as organizações não estatais (terrorismo transnacional) com acesso possível a ADM.
Assim a evolução do conceito de dissuasão deve contemplar essas ameaças, assim como a eventual alteração das relações entre as grandes potências actuais e futuras.
Existem outras preocupações que não poderão deixar de ser incluídas, seja pela sua importância, seja pela sua pertinência. Face às novas ameaças a importância da credibilidade das forças clássicas ou convencionais aumentou. No entanto, as forças nucleares constituem‑se ainda como factor último de dissuasão, quer relativamente a estados nucleares quer a estados párias detentores de ADM.
III.3.   Linhas de força para uma nova conceptualização
Começamos por apresentar algumas das ideias principais expressas por Colin Gray sobre as razões pelas quais os EUA não devem abandonar a estratégia de dissuasão:
Apesar da adopção oficial de uma estratégia de acção preemptiva, os EUA continuam ligados a uma estratégia de dissuasão. Os adversários principais no futuro poderão ser adversários dissuasíveis e não terroristas movidos por sonhos de auto‑sacrifício. Por outro lado a substituição da dissuasão pela preempção, transmite à comunidade internacional a ideia de que os EUA vêem a acção militar como o primeiro recurso e não como o último.39
Encontrar pontos fracos dos adversários onde estes possam ser dissuasíveis40. Apesar dos seus objectivos serem apocalípticos, podem ser antecipados estrategicamente. A Al Qaeda ao nível estratégico funciona de forma racional, ligando os seus ignominiosos meios com os seus fins de “outro mundo”. (2003, 27)
Colin Gray apresenta algumas formas de optimizar a dissuasão do terrorismo:
• Uma acção eficaz de contra terrorismo, conjugada com a sucessiva “familiarização” com a utilização de bombistas suicidas, promoverá a convicção de que a estratégia terrorista não está a atingir os seus objectivos, desmobilizando futuros voluntários e os seus líderes;
• Ameaças credíveis aos líderes da Al Qaeda e à capacidade da sua estrutura de comando de funcionar, terão um efeito dissuasivo;
• Negar os apoios às suas células espalhadas pelo mundo, coagindo os países que toleram a sua presença, e em alguns casos fornecem apoio e assistência. Para isto é fundamental um bom sistema de informações e vontade de agir. A aplicação das acções de preempção/prevenção contribuirá muito para que a dissuasão funcione. (2003, 28)
Lawrence Freedman advoga a propósito dos atentados terroristas que “com o passar do tempo, a comunidade internacional encontrará formas de minimizar a sua acção e que mesmo que algumas das acções suicidas surtam efeito, terão poucas consequências políticas” (2004, 126).
Segundo Davis e Jenkins “um dos problemas fundamentais do espectro do ”terrorismo catastrófico” envolve a utilização de ADM, que algumas organi zações terroristas estão ávidas de possuir e demonstram vontade de usar. Uma das medidas credíveis é o aviso de que qualquer estado ou organização não estatal que sequer tolere a aquisição de ADM por terroristas nas suas fronteiras sofrerá a fúria dos EUA, assim como baixarão os padrões de evidência necessários na procura da culpa, podendo actuar de forma preemptiva e proceder à mudança do regime pela força” (2002, xv).
Outra das ideias apresentadas por Colin Gray é a de que os EUA não devem desprezar a dissuasão geral ou mesmo a indução. Esta deve ser utilizada como forma de moldar a percepção dos adversários – em virtude de estes conhecerem “à priori” as capacidades e as probabilidades de emprego do poder militar dos EUA – isto é atingir a auto‑dissuasão; a dissuasão geral actua de forma implícita ou subconsciente sobre o adversário (2003, 29).
Outro aspecto que já abordámos diz respeito à necessidade de uma dissuasão mais empírica. Para atingir este desiderato necessitamos conhecer o adversário, o que significa conhecer a sua cultura e os seus costumes, assim como os aspectos da sua caracterização psicológica e o seu processo de tomada de decisão.
Keith Payne advoga a “necessidade de na “segunda era nuclear”, se conhecer em profundidade os vários adversários potenciais, bem como, os seus diferentes conceitos de racionalidade estratégica, para que a dissuasão regional possa ser elaborada à medida de cada actor individual e em circunstâncias específicas da situação de dissuasão” (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, 508).
Da análise dos conceitos apresentada anteriormente e relativamente ao enquadramento da dissuasão como parte de uma grande estratégia, esta deve ser empregue num conceito alargado de influência. A dissuasão não é um fim em si mesma, o seu propósito é exercer a sua influência em decisões de outros. Outro aspecto importante referido por Colin Gray é o de que “a dissuasão funciona melhor quando é suportada por uma vontade credível em usar a preempção de mão dada com uma não menos credível vontade de induzir positivamente a cooperação” (2003, 32).
Outro aspecto que mudou foi o da estabilidade da situação de dissuasão. A estabilidade da dissuasão nuclear da Guerra‑Fria segundo Edward Smith era “devida em parte a dois factores: de que o atacante poderia ser de imediato identificado; e que o atacante dispunha de forças e população em risco”. Após o fim da Guerra‑Fria a questão coloca‑se sobre qual a forma de dissuadir um actor não estatal que disponha de ADM, actuando sozinho ou com o apoio de um estado não identificado? Mesmo a própria autoria da acção poderá ser difícil de identificar. Ao enfrentarmos um adversário que não coloca nada em risco ao actuar, conduz a que a estabilidade da retaliação assegurada se tenha transformado num balanço precário entre a capacidade de um dos lados actuar e a do outro lado em prevenir esse ataque, evitando‑o. (Smith, 2002, 11)
A abordagem ao conceito de dissuasão numa fórmula de prevenção tem sido apontada como a mais correcta para combater o terrorismo. Assim a postura de prevenção (não confundir com os ataques preventivos) envolveria barrar todos os nichos de entrada ao adversário, quer seja a nível militar, como político, temporal ou geográfico de forma a forçá‑lo a desistir dos seus intentos verificando a impossibilidade de os atingir (Smith, 2002, 15).
Outro aspecto importante prende‑se com o alerta deixado por Jeffrey Record alertando que os EUA ao oporem‑se à proliferação com todos os meios, e concomitantemente ao adoptarem acções militares preemptivas como centro da sua política de segurança, levam a que alguns estados acreditem que, a única forma de impedirem uma intervenção militar, com o propósito de mudar o seu regime, será possuírem ADM. Desta forma as ADM por si só constituiriam um forte elemento dissuasor, tal tem sido a extensão da campanha lançada pelos EUA contra a sua proliferação (2004, 23).
No entanto com o aumento da proliferação de ADM por um número elevado de actores estatais e não estatais, a complexidade da dissuasão aumentará e as perspectivas de que tenha eficiência diminuem, como referem Dougherty e Pfaltzgraff (2003, 509).
Importa agora aprofundar um pouco mais a questão das ADM, nomeadamente na sua vertente nuclear. Com o final da Guerra‑Fria a avaliação da ameaça nuclear mudou: de um ataque nuclear estratégico tendo como consequência uma catástrofe global, passamos à possibilidade de emprego de ataques por intermédio de mísseis balísticos de nível não estratégico, disparados por estados párias e confinados a conflitos de índole geográfico regional41. De uma situação de dissuasão estável assegurada, garantida pela dissuasão nuclear e pela vulnerabilidade mútua entre adversários simétricos (EUA e URSS), temos actualmente um ambiente instável face a adversários de características assimétricas, estados párias e entidades não estatais com acesso a ADM. Assim, o padrão da conflitualidade passou da dicotomia à multipo laridade e a confrontação assume contornos assimétricos apresentados pela natureza diferente dos diversos actores a dissuadir. A proliferação de ADM e de tecnologia de mísseis incrementou o nível de insegurança global. O facto de estes conflitos se poderem confinar a um âmbito regional, e dada as características não estratégicas dos meios de uma das partes, não se colocará o problema da escalada nuclear, não se justificando a utilização de todos os patamares da “tríade” de forças de dissuasão.
Procuraremos de seguida esquematizar um modelo possível para a conceptualização da dissuasão, tendo em atenção as suas principais linhas de força orientadoras:
1.  Actualmente a principal ameaça é o terrorismo transnacional. No futuro esse inimigo pode ser outro estado, daí que a dissuasão nuclear não deve ser esquecida.
2.  A estratégia global de actuação de um estado deve incluir todos os instrumentos estratégicos ao seu dispor, numa ampla manobra de influência: persuasão/influência, indução, dissuasão geral e imediata, preempção/prevenção. Como elemento fundamental destacamos a necessidade de existir uma vontade sólida e credível que adopte, sem hesitações, todos os modos de acção estratégica como componentes dessa grande estratégia.
3.  Utilizar a dissuasão geral como forma de atingir a auto‑dissuasão.
4.  Utilizar a dissuasão imediata de forma específica e adaptada a cada situação de dissuasão, nomeadamente nos conflitos de âmbito regional.
5.  Relativamente à utilização da dissuasão em relação ao terrorismo:
a.      O esforço deve ser colocado numa acção de contra terrorismo eficaz, baseada num serviço de informações multidisciplinar e multinacional [a ameaça é transnacional, possuindo células em 50 a 70 países (Gray, 2003, 29)], conjugando acção policial e militar, num esforço de prevenção evitando que estes atinjam os seus objectivos, descredibilizando a organização e desmotivando os seus membros;
b.      Coagir os governos que toleram ou mesmo apoiam as organizações terroristas, de forma a negar‑lhes a possibilidade de estabelecerem santuários e coarctando‑lhes a liberdade de acção fundamental para as suas acções;
c.      Ameaçar a vida dos seus líderes de forma credível, dificultando o funcionamento da sua cadeia de comando;
d.      Provar que o terrorismo falha seja pela prevenção dos seus actos, seja pela evidência que os seus actos são inúteis e que o sacrifício dos seus membros é em vão42.
6.  No respeitante às ADM a dissuasão apoiar‑se‑á em duas vertentes, uma diminuindo o valor das ADM e mísseis do adversário (defesa balística), a outra pela garantia de uma resposta esmagadora à utilização deste tipo de armamento.
IV. Os desafios da aplicação de um novo conceito de Dissuasão
O conceito de dissuasão enferma de vários anti‑corpos na sua actuação. O primeiro deriva do facto de que nunca sabermos se realmente funcionou ou não, pois o seu objectivo é um não acontecimento, ou uma “não acção” por parte do adversário. No período da Guerra‑Fria quem pode provar que a dissuasão funcionou? Outra das circunstâncias que jogam contra si advém do facto de que, esta poderá ser mais eficaz quando não se baseia em ameaças explícitas divulgadas e do conhecimento geral, e também como refere Jeffrey Record “quando a situação de dissuasão é gerada na mente adversária pelo medo, antecipando as ameaças que seriam produzidas caso decidisse adoptar determinada modalidade de acção” (2004, 1).
Existe ainda outra questão fundamental descrita por Dougherty e Pfaltzgraff, quando referem que “a teoria estratégica da dissuasão não tem propriamente o mesmo carácter que a matemática, que funciona de acordo com uma necessidade lógica intrínseca. A análise da dissuasão envolve sempre factores discutíveis do julgamento humano como é o caso, por exemplo, do senso comum político assente na experiência (aquilo a que alguns chamam “in tuição” ou um “palpite”), da interacção da racionalidade individual com a racionalidade burocrática, dos palpites e do correr de riscos. Alguns académicos, contudo, têm alertado para o facto das avaliações intuitivas da credibilidade da dissuasão serem pouco confiáveis. Também isto estabelece uma forte motivação para a procura de maior objectividade através do estudo de casos históricos concretos” (2003, 475).



Avant-Première

Valor Econômico - 27/08/2010

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2010/8/27/avant-premiere

Milton pela paz. O compositor e cantor Milton Nascimento será a grande atração do evento que celebrará o retorno temporário ao Brasil do painel "Guerra e Paz", criado por Portinari e desde 1956 instalado na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. É o que informa João Cândido Portinari, filho do pintor: "Milton cantará músicas que vem compondo com esta temática da guerra e da paz". A obra ficará no Teatro Municipal do Rio, em exposição prevista para dezembro. Um palco será armado em frente do teatro, na Cinelândia, com atrações como a Orquestra Sinfônica Brasileira, além do cantor mineiro. "Queremos fazer uma grande festa", planeja.
Grito brasileiro. Terminada a exposição, o painel de Portinari percorrerá não apenas cidades brasileiras, mas do exterior, como Teerã, Gaza e Pequim. "Queremos dar a essa itinerância o maior impacto simbólico possível, levando ao mundo o grande grito brasileiro em nome da paz", diz João Cândido. Depois, a obra será restaurada no Palácio Capanema, no Rio, ao custo de R$ 6 milhões, bancados pelo BNDES, e devolvida para as Nações Unidas em 2013.

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