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Edição 4405 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC
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Artigo de José Monserrat Filho sobre as discussões do Fórum Mundial da Ciência. Enviado ao JC Email pelo autor.
O 5º Fórum Mundial da Ciência, promovido em Budapeste, Hungria, de 17 a 19 de novembro, pela Academia de Ciências da Hungria, com o apoio da Unesco e do ICSO (Conselho Internacional para a Ciência), sobre o tema "As Mudanças no Panorama da Ciência: Desafios e Oportunidades", finalizou com o lançamento da "Declaração sobre uma Nova Era da Ciência Global".
Foi a primeira vez que o Fórum Mundial da Ciência - criado a partir da Conferência Mundial da Ciência, que teve lugar também em Budapeste em 1999 - publicou um documento dessa natureza. O evento contou com 700 participantes de 108 países. Na delegação do Brasil destacou-se a presença do presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis, que já tinha conseguido em 2009 trazer para o Rio de Janeiro o 6º Fórum, a realizar-se em 2013, e do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante, que, em sua intervenção, propôs para o 6º Fórum, o primeiro fora da Europa, o tema "Ciência para o Desenvolvimento Global".
Como o próprio tema 5º Fórum indica, a Declaração enfatiza as rápidas mudanças ocorridas no quadro mundial da ciência e frisa: "Mais que nunca, o mundo será moldado pela ciência".
Recomendações
Com base no novo contexto, a Declaração formula cinco recomendações:
1) Conduta responsável e ética da pesquisa e da inovação: "É responsabilidade de quem promove a ciência e dos cientistas manter a primazia das preocupações morais e sociais sobre os interesses econômicos de curto prazo na seleção e execução de projetos de pesquisa industrializados";
2) Um diálogo melhor com a sociedade sobre questões científicas: "A sociedade deve estar preparada para discutir com conhecimento de causa os efeitos morais e éticos da ciência e tecnologia, fortalecendo as políticas dirigidas a aumentar a consciência e a compreensão da ciência pelo público, e ampliando o alcance da educação";
3) Há que promover a colaboração internacional em ciência: "O cooperação livre e a mobilidade dos cientistas devem ser promovidos eliminando-se a burocracia perniciosa e a falsa regulamentação, bem como assegurando recursos para ampliar a cooperação internacional";
4) Políticas de colaboração para superar a brecha de conhecimento no mundo: "O rápido desenvolvimento e o custo crescente da ciência, combinados com a expansão das políticas e da regulamentação sobre patentes, têm ampliado ainda mais o fosso econômico e de conhecimento entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Num mundo em que a melhor ciência e os melhores pesquisadores são atraídos apenas por excelentes infraestruturas de pesquisa, os países em desenvolvimento devem ser apoiados em seus esforços para construir sua capacidade de pesquisa";
5) É preciso fortalecer a formação de competências para a ciência: "Os governos são os primeiros responsáveis pelo aumento do apoio à ciência e pelo desenvolvimento de políticas eficazes para a tecnologia e a inovação. Ações abrangentes devem ser empreendidas para fortalecer o papel das mulheres na ciência e na inovação e ampliar sua participação na ciência e na elaboração de políticas científicas. (...) Há necessidade urgente de elaborar políticas científicas novas e mais eficazes nos níveis nacional, regional e global, para melhor coordenar e monitorar a pesquisa científica em todo o mundo, para harmonizar os sistemas de ensino universitário, e para facilitar a cooperação científica regional e global com base na equidade e na participação".
A Declaração ressalta que "O antigo domínio tripartite da América do Norte, Europa e Japão na produção do conhecimento global tem sido seriamente desafiado; novo mundo multipolar da ciência emergiu acompanhado pelo surgimento de novas potências científicas, que são agora não apenas atores de destaque na economia mundial, mas também se tornaram protagonistas-chave nas pesquisas de ponta e nas atividades de desenvolvimento". E que "neste novo contexto da ciência global, a diplomacia científica é hoje ferramenta reconhecida para promover parcerias entre as nações, fomentando a cooperação científica".
Repercussão
Que repercussão teve o 5º Fórum Mundial da Ciência e sua "Declaração sobre uma Nova Era da Ciência Global"? No Brasil, não parece ter havido comentários. A ABC acompanhou as discussões em Budapeste e publicou em seu site o texto em inglês da Declaração, mas, curiosamente, não se pronunciou a respeito.
O portal SciDev.Net divulgou estes dados e opiniões sobre o histórico encontro:
Yuan Tseh Lee, presidente do ICSU, afirmou que "Fórum foi muito bem sucedido em muitos aspectos". A seu ver, "apesar de inúmeras apresentações, discussões e pontos de vista diferentes, chegamos a alguns acordos e pontos de vista comuns". Para ele, a Declaração "tocou em muitas coisas relevantes, mas o mais importante é que todos parecem estar dispostos e comprometidos em estabelecer uma civilização sustentável, equitativa e simplesmente humana", naquele que é descrito como um "tempo muito difícil".
Alice Abreu, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) considerou este Fórum melhor que o anterior, mas notou que ainda faltou tempo para discussões. A falta de tempo para debate, aliás, apareceu como sentimento geral entre os participantes. Zaid Naffa, cônsul honorário da Jordânia, observou que o formato que juntou cinco ou seis oradores em blocos de duas horas não foi simpático para políticos e diplomatas, que precisam de apresentações mais curtas e mais oportunidade de fazer perguntas.
Sir Christopher Llewellyn Smith, presidente do Grupo de Consultores da Royal Society do Reino Unido, que proferiu palestra no Fórum sobre cooperação internacional, definiu a Declaração como "boa". "Tem todas as coisas certas, a necessidade de cooperar e trabalhar melhor através de fronteiras e trabalhando juntos podemos resolver melhor os problemas". Mas alguns cientistas entenderam que as recomendações não eram suficientemente fortes.
Comentários (críticos) da Nature
O correspondente da Nature, Colin Macilwain, por seu turno, escreveu na coluna Visão de Mundo (edição de 23/11/2011) um interessante artigo sobre o que viu e ouviu no Fórum - "As atitudes da ciência devem refletir um mundo em crise". Eis suas principais anotações:
- "Os envolvidos nas políticas científicas me parecem, por vezes, sonâmbulos cruzando a maior crise a afligir o Ocidente desde a Segunda Guerra Mundial. É verdade que, do ponto de vista do cientista de bancada, os subsídios continuam a fluir e os resultados continuam a ser publicados. Talvez por isso, o mais amplo discurso sobre o papel da ciência na sociedade praticamente não se moveu uma polegada. Nos últimos três anos, minha impaciência tem crescido cada vez mais diante desse enfoque do tipo "business as usual". Quando o presidente ou chefe de pesquisa da academia se levanta para falar em público, eu sempre espero que ele vá explicar como fará as coisas de modo diferente. Isso nunca ocorre."
- "No Fórum Mundial de Ciência em Budapeste, alguns líderes científicos finalmente reconheceram a nova realidade. Em particular, os representantes dos países em desenvolvimento - que respondem por parcela do rápido crescimento da ciência global - falaram de uma reorientação radical das prioridades da pesquisa para melhor atender às necessidades prementes de suas populações. E nos bastidores, analistas mapeiam cenários possíveis - fascinante e, por vezes, alarmantes - para a ciência mundial após o desastre [que já está aí]."
- "Desafiados pelo Primeiro-Ministro da Hungria, Viktor Orbán, a encararem as implicações da crise econômica, proeminentes representantes ocidentais presentes no Fórum, como William Colglazier, assessor científico da Secretária de Estado Hillary Clinton, e Llewellyn Chris Smith, ex-chefe do Laboratório de Física de Partículas da Europa (CERN) - não lograram enfrentá-las em suas palestras plenárias. E alguns conferencistas sentiram-se bem mais à vontade para discutir as crises ecológicas do planeta do que crises econômicas que hoje alarmam a população em geral.
- "... a Princesa Sumaya bint el Hassan, da Royal Scientific Society da Jordânia, captou o clima reinante no mundo em desenvolvimento. "Devemos nos perguntar por que tanta pesquisa científica é orientada para atender necessidades de consumo de uma pequena elite", disse ela. "Nós seremos ingênuos se olharmos a ciência no novo século com a visão rotineira."
- "Algumas coisas não ditas em Budapeste permanecem: ninguém criticou o fracasso da ciência em reunir grupos de engenharia para esclarecer a falta de bases sólidas e produtivas para o longo boom de duas décadas, abruptamente encerrado em 2008. Tão pouco houve críticas à falta de denúncia da pseudociência sustentada em meios financeiros exóticos que desempenharam papel central tanto no seu crescimento como no seu surgimento."
- "Mas o fórum revelou o início de uma série de resposta dos líderes científicos ao tumulto que vem por aí. Apesar da retórica muita acolhedora em defensa do financiamento da pesquisa, um cenário desconfortável, mas realista, é de queda, talvez de um terço nos EUA e Reino Unido, esse tipo de mudança vai causar estragos."
- "O grande perigo é que o financiamento escasso irá consolidar a pesquisa em torno de uma única disciplina, embora todos saibam que o trabalho mais valioso hoje em dia é multidisciplinar. O perigo associado, já revelado no Congresso dos EUA, é que as ciências sociais serão expulsas do templo - exatamente quando, conforme Llewellyn Smith apontou em Budapeste, as ciências exatas necessitam convidá-las para ajudar no engajamento do público."
Conclusão
A Declaração deveria ser amplamente debatida pelas ABC, SBPC, SBF (Sociedade Brasileira de Física), FESB, ANPOCS e outras importantes sociedades científicas brasileiras. Caberia também às Comissões de Ciência e Tecnologia do Senado e da Câmara dos Deputados promoverem audiências públicas a respeito, com a participação das lideranças científicas e tecnológicas de todo o País, inclusive da área empresarial, pública e privada.
A Declaração ganha especial dimensão e relevância no momento em que atividade científica, tecnológica e de inovação brasileira pode, deve, precisa e busca cada vez mais se internacionalizar.
José Monserrat Filho é chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB).
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